Tuesday, December 26, 2006

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
e não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
E ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim , perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Florbela Espanca

Tuesday, December 19, 2006

Retratos de Felicidade

o vestido de noiva, na caixa guardado,
já amarelado

travesseiros gêmeos, que juntos amanhecem,
amarrotados,
fios de nossos cabelos, neles depositados

dezenas de retratos, pela casa espalhados;
muitos, dos que já se foram,
que não trazem mais desgosto,
mas só uma doce saudade
também o cachorro branco,
invadindo todos os cantos aconchegantes,
do sofá à nossa cama;
a música, que se escuta pela casa
o dia inteiro,
trilha sonora de um amor quase perfeito.

e as camas de nossos filhos,
eternamente desarrumadas,
denotando tanta vida, nesse eterno à vontade...

também as janelas, abertas, ou melhor
escancaradas, deixando invadir a luz do sol,
e do luar a claridade...

Um caos organizado:
ordem aparente, armários e gavetas atulhados,
roupas, utensílios e lembranças,
que vamos pela vida acumulando...

O visível e o invisível tecendo nosso dia a dia
- Vida em família –
tão juntos e muitas vezes tão distantes...

Cecília Quadros

Monday, December 11, 2006

Prece

Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
O mar universal e a saudade.

Mas a chama que a vida em nós criou,
Se ainda há vida ainda não é finda.
O frio morto em cinzas a ocultou:
A mão do vento pode erguê-la ainda.

Dá o sopro, a aragem,- ou desgraça ou ânsia -,
Com que a chama do esforço se remoça,
E outra vez conquistemos a Distância -
Do mar ou outra, mas que seja nossa!

Fernando Pessoa

Sunday, December 10, 2006

A jangada

Te vejo
Linda, simples, vela estirada pelo vento,
exibindo singelo desenho: mulher em vermelho.
É teu descanso e na praia permaneces.
Cheiras a mar, madeira, suor dos homens que te manejam.
Te abres para mim e me surpreendo com o exíguo espaço
em que descansam teus marinheiros:
tosco, suficiente apenas para um sono rápido
antes da volta ao trabalho, a busca pelo peixe
-de vigília fica sempre um jangadeiro
a zelar pelo sono dos companheiros.
Descansam confiantes,
pois já leram o céu, as nuvens e as estrelas.
Depois é revezar, voltar a pescar,
reparar, remendar, trabalho árduo, solidário,
protegido pela reza das namoradas ou companheiras.
Sei que quando chegam e os peixes descarregam
agradecem a Deus a sobrevivência,
a boa pesca, e o seu quinhão nas vendas,
pois a jangada, com amor guiada mar adentro
quase sempre não lhes pertence...

Fim de tarde,
Vela com destreza enrolada,
Mãos rudes, pele maltratada
Não sei o que mais me toca
Se o pescador ou a jangada...

Cecília

Friday, December 08, 2006

XLII

Passou a diligência pela estrada, e foi-se;
E a estrada não ficou mais bela, nem sequer mais feia.
Assim é a ação humana pelo mundo fora.
Nada tiramos e nada pomos; passamos e esquecemos;
E o sol é sempre pontual todos os dias.

Fernando Pessoa (7-5-1914)

Wednesday, December 06, 2006

Momento

Cenário: sala iluminada
Nela “ele” dorme, ao som de Piazzolla.
Penso entrar, mas paro à porta.
Meu filho, em pequeno retrato
me olha, só fragilidade.
Por instantes me enterneço,
sinto a pontada:
Volta, este ainda é o seu espaço!
Tão grande a sala...
Ainda assim aconchegante.
Não fosse o ressentimento,
sentimento preso na garganta,
poderia também fazer parte desse quadro.
E lá estaríamos nós dois, lado a lado,
de mãos dadas, curtindo som, casa, sala,
ainda mais iluminada.
Momento a ser,
ao menos na memória, perpetuado...


Momento(II)

Sou louca, instável.
Agora me integro ao quadro.
A música a alma invade
Turning point,
que me eleva, me traga, me abre.
Violino, piano, bandoneon invadem a sala:
Soledad, oblivion, fugata
Nos captam, juntam,
Numa nova realidade.
Minutos apenas minutos
nos separam daquele sono solitário,
agora em verso congelado...

Cecília Quadros
Este é o lugar onde o sol e a lua se encontram
abrigo real de nossos sentimentos,
lânguido e tranüilo nas trocas de carinho,
quente e vibrante nas horas da paixão.

Aqui se cruzam o verão e a primavera,
solo fértil de felicidade regado,
o calor latente para seu corpo me imaniza,
num perfume de amor para onde sempre volto.

Berta Ricardo

Monday, December 04, 2006

Beijo na boca

Desejo...
Fantasia travessa
Atravessando limites
Se impondo, apesar do medo

Beijo
Maroto, brejeiro
Doce, certeiro
Sonhado
Só um beijo...
Só?
Mas...se desencadeia
uma onda de desejos?

Contida,
não deixo que tu percebas
Meu desejo adormeço,
Nem olho para tua boca
mas em sonhos... te beijo

Louca!...

Seqüência (E gira a roda....)

Até quando se suporta a eterna repetição das coisas,
- pela milésima e tanta vez estou diante da mesma praça -
a rotina e o pouco mais que dela escapa?
Quanto dura real envolvimento, prazer pleno, entusiasmo?
O que vale? Ou quanto valemos? Quanto tempo temos?
Quanto perdão, paciência, aceitação se tem que usar pela vida afora?
Quanto se disfarça, se aprimora, se perde, se desgasta?
A sensação é de que sempre falta tempo, real vontade, coragem
para encararmos com lucidez nossa passagem:
marcas que deixamos, um dia apagadas, ou de nós dissociadas,
tão rápido gira a roda, tragando gerações... tantas...
nos condenando ao mais completo anonimato...

Para meus distantes e desconhecidos antepassados

Cecília

Sunday, December 03, 2006

Reação

Hoje me parece que nada mais faço além de
Desatar nós
Juntar pedaços
Engolir em seco

Cresce o mato em meu jardim
Me rodeia o feio
Sinto medo
Mas o mato encaro e corto
Removo o que me incomoda
O resto... não depende de mim...

Cecília

Friday, December 01, 2006

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

Thursday, November 30, 2006

Grito (II)

Emoção pura
Indefinível
de expressão tão difícil
soluço, lágrimas, suspiro
Tudo
E nem assim o alívio...

Emoção forte
Resposta à morte
Vida pulsando
Transbordando
se energizando
em seus olhos
doces olhos...

Emoção
Síntese de outras
ao extremo vividas,
Agora ...
ultrapassando limites
se traduzindo num grito...

Cecília

Saturday, November 25, 2006

Máscara e face se defrontam
Pares?
O mesmo olhar comprido
Atravessando o tempo:
Passado, presente, infinito....
Sombrio
Passo, passas (tão pouco fica)
Vazio...
Solitários somos...
Interrogativo:
O que há além da vida?
Trágico e triste:
E faz sentido?...

22-04-02

Cecília



Dourada face, que me espia interrogativa,
Pareces dizer:
“O que trazes para mim, um verso?
Me contemplas pensativa
Enquanto tentas desvendar o meu mistério
Te desafio: o que te intriga?...
Serão meus olhos baços que te atraem
Fruto de lembranças, tempo vivido,
Dores sofridas, talvez mágoas?
Ou será meu nariz longo e largo
Antítese da beleza consagrada
Ou ainda meus lábios finos,
Quase um traço,
Fechados, a enclausurar palavras
Abortar sorrisos,
Tão econômicos, enigmáticos?...

Mas...sou máscara
Dourada máscara de olhos baços
Posso me adaptar à tua face:
Esconder tua alegria (inalterável)
Ou te contagiar (ai de ti)
com minhas mágoas..”

17- 04- 2002
Cecília

Friday, November 24, 2006

Amor Infeliz

Este amor voraz:
me suga,
silencia,
paralisa,
entristece,
adoece,
me tira toda energia.
Esmaga outros amores,
suscita culpa, temores,
a idéia de castigo.

Mostra-se inclemente, maldito,
antítese da paz e alegria.
Por isso na sombra se refugia,
iludindo o consciente,
mantendo minh’alma doente,
mas crente que é livre e feliz.

Só que provo outra vez o seu gosto
e mais difícil é o retorno,
pois novamente sou bicho,
só instinto, alma solta.

Então... me auto destruo,
me como por dentro,
sou puro veneno,
sou fogo, inferno,
sou aço, sou ferro,
por trás de um rosto... indiferente.

Cecília Quadros

Thursday, November 16, 2006

São Paulo

De ti faço parte:
Um grãozinho de areia
Em duna que se espalha,
Crescendo à vontade, livre,
Como que pelo vento levada.
Nada te cerceia
Assimilas, cresces
Assumes tua diversidade
E de cada um, orgulhosa,
Exibes um traço.

Sinto-me músculo, sangue,
Ínfima parte
Desse coração que bate
forte, jorrando vida,
neste país incrível,
com seus contrastes:
que vive sempre esperança
(tua imagem ampliada),
dá e nega,
chama, conclama
e exclui...
Chora, canta,
E com tudo,
Avança.

São Paulo
Mistura
Sol, garoa e chuva
Solidão entre muitos,
Parques e muros,
Algum verde
No cinza escuro
Barulho
Miséria e luxo,
Braveza e doçura.
Esta, única...
Mas de outro lado:
Desperdício, injustiça,
Estragos..
Triste realidade
Inevitável a pontada...
Amor ufanista e doído,
Próprio do povo paulista,
Que te ama, sim,
Às vezes envergonhado...

Cecília

Página em branco

Página em branco
Me convidando a segredar-lhe
O que em mim hoje se passa
Transferência, não.
Apenas desabafo...
Sentimento com ela compartilhado
Ou melhor nela espelhado
(assim talvez melhor compreendido
assimilado)
Eu, personagem...
Busca, inquietação, perplexidade
Tomam agora por inteiro este espaço
Antes branca, leve, desafiadora página...

Cecília Quadros

Tuesday, November 14, 2006

Internauta

Quem sabe um dia
a saudade seja maior que o medo,
a curiosidade que a conveniência,
a ternura aprisionada, maior que a grade...


Quem sabe uma certa inquietação advenha,
ou insatisfação pela história não terminada.
A condição era a palavra. Lembra?


Mas, quem sabe
seja eu agora quase nada...
Como tantas outras,
internauta esquecida numa página...

Cecília

Friday, November 10, 2006

Sonho e vida

Vida é sonho
Os meus procuro ansiosamente
- questão de sobrevivência -
Na pressa os perco, os esqueço
E fica um vazio de assustar.
Reajo, encontro uma possibilidade,
Nela me agarro, me distraio.
Aos poucos, os outros, vou recuperar...

Cecília

15-05-03
A liberdade que dos deuses eu esperava
Quebrou-se. As rosas que eu colhia,
Transparentes no tempo luminoso,
Morreram com o tempo que as abria.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Thursday, November 09, 2006

Twins

That one
who is bird, poet
cloud, flower,
and lives inside me
disappears
leaving behind
emptiness
and sorrow


The other one,
her twin, pragmatic,
feeling weakened, downhearted
wonders if she lets time pass,
tries hard to bring back the absent one,
or only disguises her pain,
being conscious
that they are body and soul
Hand in glove
One for the other
Comfort and support...

Cecília

Duas

Aquela que vive em mim ,
que é pássaro, poeta,
nuvem e jardim
escapa
deixando enorme vazio.


A outra, pragmática,
Se sentindo desvitalizada,
não sabe se disfarça,
se “dá um tempo”
ou se se empenha
para que volte a “ousada”,
pois são corpo e alma,
unha e carne,
uma da outra sustentáculo...

Cecília

Friday, October 27, 2006

Resumo

Hoje me parece
que já escrevi tudo o que tinha que escrever,
senti tudo o que tinha que sentir,
vivi tudo o que eu tinha que viver.
Já fui feliz, infeliz, ri, chorei, vibrei,
me desesperei, quis, deixei de querer bem,
tornei a amar, filhos criei, por crises passei,
meus pais perdi, amigos ganhei,
senti solidão, me preocupei,
tive insônia, problemas superei,
dormi como anjo, outras terras visitei,
mas acima de tudo ...
... te amei .

Thursday, October 26, 2006

Fosse eu poeta da natureza,
a cantar pássaros, flores e estrelas,
paisagens, céu claro, tempestades,
estações eternamente a se sucederem ...

Ah, pudesse eu me perder,
em montanhas, mares e vales,
cantando apenas o que é natural
belo e verdadeiro...

Mas sou poeta da alma.
E nada é tão claro, perene e perfeito...

Cecília

Mimetismo

Sua pele é morena,
pretos são seus cabelos.
Não, minha pele é morena.
Por que o vejo assim?
Por que tenho esta imagem
esculpida dentro de mim?

Mimetismo é o que desejo.
Amá- lo só já não basta.
Confundir pele, cabelos,
embolar corpos, anseios,
é essa minha loucura:
comunhão total, magia pura.

Cecília

Wednesday, October 25, 2006

"Mentiras Sinceras"

CONTARDO CALLIGARIS

Espero que "Mentiras Sinceras", de Julian Fellowes, continue em cartaz e que os amantes e os amados (casados ou não, heterossexuais ou homossexuais, tanto faz) tenham o tempo de assistir ao filme, em massa.
O título original é "Separate Lies", mentiras separadas, mas gostei da tradução brasileira. "Mentiras Sinceras" evoca o estranho balé de verdade e mentira em todo triângulo amoroso: "Minto quando escondo minha paixão por outro ou por outra? Ou, então, a verdadeira mentira é o casamento que vivo e a insatisfação que escondo?".
Ser sempre sincero não é fácil. No filme, Anne (Emily Watson) tenta ser sincera com o marido, James (Tom Wilkinson), e também com seu próprio desejo. Mas a verdade não é simples: Anne, por exemplo, não sabe bem o que a joga nos braços de William (Rupert Everett), seu amante. Quando explica ao marido o que lhe acontece, ela não invoca o amor ou a paixão; apenas consegue dizer que não sabe renunciar a William porque os encontros com ele são "easy", fáceis: o amante não lhe pede nada ou quase.
Talvez a maioria dos relacionamentos amorosos adoeçam e morram por causa disto: não porque o parceiro deixou crescer uma barriga displicente nem porque a gente estaria cansado da mesmice e a fim de novidades, mas porque, ao vivermos juntos, aos poucos, perdemos a generosidade. E a generosidade é (ou, melhor, deveria ser) o próprio do amor; ela está quase sempre presente, aliás, quando a gente se apaixona. Explico.
O amor que nasce idealiza o amado, mas essa idealização é contemplativa, não é normativa. Ou seja, pedimos, eventualmente, que o amado ou a amada estejam perto de nós, mas não que mudem e ainda menos que renunciem a serem quem eles são.
Claro, enxergamos neles algo que eles podem não ser, mas o encanto amoroso é justamente esse engano: "Seja como você é, pois é assim que descubro em você tudo o que quero, mesmo que talvez você não seja nada disso". Em suma, o amor, inicialmente, é respeitoso. Se você não é bem o que vejo em você, o engano é meu; amar consiste em querer e saber continuar se enganando.
As coisas mudam quando começamos a medir a distância entre o ser amado e o ideal que lhe penduramos nas costas. De repente, o engano nos parece ser uma artimanha do outro; é ele que deveria se emendar para voltar a ser o ideal que inspirava nosso amor.
O encanto do começo se transforma, assim, numa lista inesgotável de pequenas ou grandes exigências. Tudo o que pedimos ao ser amado (que ele ganhe mais, que seja simpático com nossos amigos, que nos acolha com um sorriso, que pare de roncar no nosso ouvido, que leia Goethe em alemão, que não coma com as mãos, que não caminhe na nossa frente na rua, que esteja em casa na hora certa) é apenas um derivativo. O que queremos é a volta do que nós mesmos perdemos: o encanto pelo qual enxergávamos nosso ideal no ser amado. Esse encanto impunha o respeito, ou seja, permitia que deixássemos o amado e a amada serem, simplesmente, eles mesmos.
A trama de "Mentiras Sinceras" é a de sempre quando, num casal, um dos dois se interessa por um terceiro. Anne ama James e James ama Anne. Mas Anne encontra William, que não tem nada de especial, mas é "easy", e ela quer viver esse amor. James sofre. Anne também sofre. Não se sabe bem como a história de Anne e James terminará (minha hipótese é que o casal resistirá).
A história acontece numa sólida burguesia (ou mesmo aristocracia) inglesa, em que a dificuldade do triângulo amoroso não é parasitada por problemas financeiros ("Se nos separarmos, quem ficará com o quê?"). Anne e James não têm filhos e não devem se preocupar com os efeitos de seus atos e sentimentos nas crianças ("Como ficarão? O que pensarão? Quanto anos de análise tudo isso lhes custará?"). O triângulo amoroso, em suma, é reduzido ao essencial.
É também graças a essa redução ao essencial que o filme pode oferecer uma extraordinária lição de amor. Anne é exemplar por ela não saber as razões de seu amor por William e por continuar amando James. James é exemplar porque sofre, mas trabalha com afinco para evitar transformar seu sofrimento em mais uma cobrança ciumenta. Ao contrário, James se serve da ocasião para reinventar sua capacidade de amar Anne com a generosidade e o respeito do amor que nasce, ou seja, sem lhe pedir que ela seja diferente do que ela é.
A lição que James aprende (e nós com ele) é que o amor, quando não é atravessado e deformado pelas piores exigências neuróticas e narcisistas, confere ao amante um dever para com o amado, mas nenhum direito sobre ele.
Jacques Lacan, um grande psicanalista francês, disse mais de uma vez (a primeira foi, talvez, em seu seminário de 56/57) que o maior sinal de amor é (deveria ser?) o dom do que a gente não tem. Algo assim: "Ofereço-lhe o que não tenho e que você não quer e não me pede". Seja qual for nossa interpretação desse aforismo, ele é certamente o oposto da miséria amorosa ordinária, em que amar significa pedir ao outro o que a gente quer. Ou, pior ainda, pedir-lhe aquela "coisa" de que a gente precisa.
Hoje disse adeus ao homem
que mais amei,
que penso que amei,
ou sinto que amei.
Dizer, pensar, sentir,
de que tento me convencer,
de que há sentido na vida?

Quero entender tudo isso,
porque não tinha por que amá-lo,
não tinha o direito de amá-lo,
e ele nem queria ser amado.

Fui eu quem disse o adeus,
mas ele já havia partido,
sem dor de perda ou saudade.
Em mim ficou mágoa contida,
reprimida, represada,
que de tudo eu já sabia:
amor com amor não se paga,
fazer brotá-lo impossível,
só pode ser dom de Deus.

Cecília

Saturday, October 21, 2006

A paisagem bonita não me inspira.
É de dentro que arranco o verso, puro sentimento.
E ele vem pleno, ainda em estado bruto,
desafiando quase sempre o meu próprio entendimento.
Revelam-se assim insuspeitadas mágoas, alegrias,
inadmissíveis sonhos, fantasias...
Sensações de bem estar ou inquietude,
desejos inconcebíveis, pensamentos duros.
Se tento amenizar, me impor qualquer censura,
resultam imagens pálidas, meias verdades, um outro mundo,
que não reconheço ao fazer da minha alma nova leitura.
Então recuo, me abro, mostro a verdadeira face (inconsciente?)
E se o outro assusto com tamanha força e transparência
o assombro em mim não é menor, menos intenso...

Cecília

Friday, October 20, 2006

Que amor é este

que não tira meus pés da terra,
e à luz do dia melhor se realiza,
em gestos de ternura e de carinho
(à noite a alma foge,
percorrendo em sonhos estranhos caminhos)

não embriaga
- na presença e constância conquista seu espaço,
acalma e se multiplica;

se mostra tão próximo da amizade
- passado é o tempo de arrebatamento e exigência;

que discreto e despretensioso
é presença obrigatória em minha vida...

Tuesday, October 17, 2006

Ilhas

Retomemos a caminhada
silenciosos
lado a lado
De algum modo
nos sentiremos acompanhados
ou apenas
menos solitários
Um toque de mãos,
(que pena!) neste instante
não mudaria nada,
tão desapegados estamos,
cada qual em sua ilha acomodado...

Cecília

14-02-03

Monday, October 16, 2006

Palavra

Forte
respeitada
temida, como o diabo
postergada
definidora de rumo
marco
nem sempre acertada
incisiva
acima de tudo doída
como profunda ferida
ácida, amarga
tantas vezes
embargada por lágrimas:
Adeus

Friday, October 13, 2006

Luz da lua
Luz de prata,
que me alcança, fascina,
entrando fundo na alma...


Não posso dizer que me acalmas...
Me deixas inquieta,
subjugada, sensação indefinível,
que é assombro
transcendência
mistério


Luz da lua
Única
Translúcida,
Transfiguradora,
Teu brilho no céu é um “arraso”...

Cecília

Wednesday, October 11, 2006

Intuição

Há que se confiar nos olhos da alma,
que sabem ver além de um sorriso zombeteiro
captando um certo desconforto,
em dizeres tão cheios de certeza.


Ah! Não fosse esta doce intuição,
a dizer que meus versos não caem no vazio;
que por trás de resistências, atalhos e desvios,
brota ainda que de leve uma emoção...

Cecília

Monday, October 09, 2006

E meus cabelos vão crescendo...
Como mato meus cabelos vão crescendo
Ignorados
Só o tempo neles deixando marca
Tento prendê-los num rabo,
Mas são rebeldes, se soltam
Querem liberdade
E vão descendo
Ombro abaixo
refletindo meu momento:
Este olhar só para dentro,
interrogativo, necessário,
Pois tudo em volta
Bate forte.
Que venha então a resposta:
de dentro para fora
vagarosamente...
Transformação
Para mim pede despojamento
silêncio e tempo...

Cecília Quadros

13-12-02
Ó esplêndida lua, debruçada
sobre Joaquim Nabuco,81.
Tu não banhas apenas a fachada
e o quarto de dormir, prenda comum.

Baixas a um vago em mim, onde nenhum
halo humano ou divino fez pousada,
e me penetras, lâmina de Ogum,
e sou uma lagoa iluminada.

Tudo branco, no tempo. Que limpeza
nos resíduos e vozes e na cor
que era sinistra, e agora, flor surpresa,

já não destila mágoa nem furor:
fruto de aceitação da natureza,
essa alvura de morte lembra amor.

Carlos Drummond de Andrade

Thursday, October 05, 2006

Explícito Implícito

Sentes
Não dizes

Imagino
Penso
Não digo

Imaginas
o que penso
e não digo

Imaginamos
sentimos
Pensamos
Igual?


Só não dizemos
Tememos
O explícito...
Em tudo
perfeitamente
Implícito...

Cecília

Wednesday, October 04, 2006

Se procurar bem você acaba encontrando
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.

Carlos Drummond de Andrade

Tuesday, October 03, 2006

Parado na vida...

Um bonde passou
Estava cheio, havia tempo,
não o tomou

Um outro passou
Por indecisão
Não o tomou
Talvez um outro passasse
E dessa vez o pegasse

E assim outro, mais outro
E foi ficando parado na esquina
Parado na vida
Enquanto outros o bonde levou

A nenhum lugar chegou...
Culpou a si mesmo
Culpou o destino
Tão triste... sobrou!

Com culpa ou sem culpa
Ali parado, criando raízes
Quase endoidou...

Alguém compungido
O exortou:
- Vamos, caminhe
não desanime.
Mas era tarde e ele
de uma vez se largou...

18-09-06

Monday, October 02, 2006

Às vezes me vejo assim:

Roteirista
Iluminadora
Atriz

Tiro da vida a emoção
Sobre ela projeto luz
E a exibo sem retoques
Bela, em sua verdade
(Não importa o que a produz)
Nua
Pretensamente pura...

Cecília

19-09-02

Friday, September 29, 2006

Dizer o quê?

Dizer o quê, se em vez
De endireitar o torto,
falando acaba no orto
pedista quem o fez?

Dizer o quê? Talvez
Seja melhor que,absorto,
Só plante no meu horto
As mudas da mudez.

Fiquem , porque me omito
Sem cometer-me a nada
E para que mosquito

Algum tampouco a invada,
O dito por não dito
E a boca bem fechada.


Nelson Ascher

18-01-03

Nehum risco

Boca fechada
Palavra abortada
Nenhum embaraço
Sem vida
Um traço
Um troço sem graça
Sem troca
Que fique
Esquecida
Ignorada
Antecipando
Do cadáver
A imobilidade...

Cecília

10-11-03

Tuesday, September 26, 2006

Tanto Amor...

Aconchego
Delicioso contacto
Beijo, desejo
Palavras
Ternas palavras
Cúmplice olhar
Abraço
E medo de perda...

Aprisionemos o tempo
E com ele
Este amor
que se mostra perfeito
inteiro
ao menos neste momento
em que o reencontro acontece

Nós... nos querendo
Nos fitando
Nos fundindo
Felicidade suprema
Ainda nos pertencemos!!!...

Cecília

Wednesday, September 20, 2006

Fui largando pedaços de mim pelo caminho
Deixei fogo, fôlego, força, fúria
Deixei tesão
Respeitei padrões.
Valeu a pena?
Não sei.
Me perdendo, depositei em mãos alheias meu destino
E mais frágil me tornei.
Hoje vejo que posso ter vivido apenas uma ilusão.
Num piscar de olhos tudo pode parecer ter sido vão.
Tarde demais para resgatar antigos traços
E fazer pulsar com mais força o coração...

21-07-04

Cecília

Friday, September 15, 2006

O que será que existe
Fora deste círculo
Além daquela porta
Lá, onde o olhar não alcança
Lugares em que nunca estive
Rostos desconhecidos...
Imagino
Mas não me imagino
Por outras terras vagando
Uma outra vida vivendo
Em outras águas imergindo...

Cecília Quadros

Wednesday, September 13, 2006

Cidade

Cidade, rumor e vai e vem sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pelas sombras das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Tuesday, September 12, 2006

Tempo

O Futuro encurta
O Passado dói
Entre dois tempos
tenta o Presente se impor
sofregamente...

Cecília

Monday, September 11, 2006

A música das palavras

Figura mítica do piano, o austríaco Alfred Brendel fala de sua outra paixão: a poesia
FLORENCE NOIVILLE
Nascido em 1931, em Wiesenberg, na Morávia, parte da então Tchecoslováquia, Alfred Brendel gravou seu primeiro disco, o "Quinto Concerto" de Prokofiev, aos 24 anos. Contrariando as lendas que o retratam como cerebral e austero, esse monstro sagrado do piano revela um substrato sutil de humor e de zombaria, também presente em seus ensaios sobre música. Na entrevista abaixo, ele fala de uma outra paixão que freqüenta: a poesia.
PERGUNTA - O que o conduziu à poesia? ALFRED BRENDEL - Comecei a escrever poesia de um modo imprevisível. Eu estava em um avião, a caminho do Japão, não conseguia dormir e, no limbo do torpor sem sono, me ocorreu um poema. Surgiu de maneira quase automática. Mais tarde, depois de ter escrito cerca de 15 poemas, comecei a estudá-los para ver se me lembravam a voz de outra pessoa ou se eu podia supor que minha voz literária era singular. A conclusão a que cheguei foi a de que eu tinha voz própria.
PERGUNTA - Há outros artistas que saíram de seu campo habitual de criação: Picasso escreveu "O Desejo" quando preso em uma fila, Kandinsky também escreveu poemas. No seu caso, como o poeta se situa em relação ao músico? BRENDEL - No meu caso, não se trata de um hobby. Para mim, a escrita sempre foi uma segunda natureza, como se um alter ego estivesse se exprimindo. Escuto e critico meus poemas como se estivesse lendo textos alheios; textos estranhamente familiares, mas que me conduzem a regiões desconhecidas de mim mesmo. Você conhece "Cosmicomics", de Italo Calvino? É um dos meus livros prediletos, uma encruzilhada do fantástico e da semiótica. Em meus poemas, creio que há muito de "cosmicômico".
PERGUNTA - A literatura sempre desempenhou papel importante em sua compreensão do mundo? BRENDEL - Estou convencido de que é possível compreender melhor o mundo por meio dos grandes romances do que observando as pessoas. Em minha juventude, fui muito influenciado por Thomas Mann, Herman Hesse e Elias Canetti. Mas foi Robert Musil que ocupou a posição de verdadeiro escritor formativo em minha vida. O que me fascinava era a experiência mística tal qual observada por um cientista. É preciso sempre nos perguntarmos com que obras desejamos viver.
PERGUNTA - Suas fontes de inspiração parecem ecléticas, não exclusivamente literárias... BRENDEL - Minhas idéias podem ser inspiradas por notinhas de jornal ou por um cartoon da revista "New Yorker", ou por lembranças de poetas que admiro. Há também o cinema -Chaplin, "Zelig", de Woody Allen, e, sobretudo, Buñuel, cujos filmes libertam algo em mim. Essa idéia inicial é que orienta tudo que acontecerá a seguir. Como na música, um tema nasce, desenvolve-se e dá origem a variações.

Wednesday, September 06, 2006

Meu sonho não tem um nome
Uma forma, um endereço
Meu sonho não é de glória,
Não é um homem,
É ter com o que sonhar
A minha vida inteira...

Cecília

Muito Louca

Sou peixe pequeno
A vida me engole,
A rotina aos poucos me come
O amor do outro, o meu próprio tolhe.
Não venço, sou vencida.
Submissa, aceito um “destino”,
em que nem acredito:
puro comodismo.
Mas em verso viro pira,
tocha, vela acesa....
Me consumo, até a última gota
( antes que outros o façam ).
Até o último pedaço, me consumo.
E me assusto
com tanta força represada,
só na poesia encontrando espaço.
Então inverto o jogo:
Jorram palavras, alma, sangue, sentimentos
E não sou mais aquele peixe... tão pequeno.

Cecília

Saturday, September 02, 2006

Vivo porque tenho que viver
Nasci. Um dia.... vou morrer
Devo bendizer a vida? Não sei...
Ontem teria dito sim,
Hoje é outro dia
E o céu escureceu
(talvez dissesse não)
Sei que a angústia cederá lugar a alegria
- cedo ou tarde virá a reação.
E assim continuarei tocando minha vida
Com perene (às vezes imperceptível) inquietação
Faz sentido tudo isso?
Pode ser que sim, pode ser que não...
Mas se vivo, respiro,
melhor agregar aceitação
Do mistério maior que é a vida
E da minha limitação...

16-10-03

Cecília

Friday, September 01, 2006

A respeito de vestidos

Para Soares Feitosa

Queria que o farfalhar de meus vestidos causasse:
Desnudamento de alma, suspiros, visões de paraíso;
Atraísse olhares, mexesse com sentidos...
Mas... se não os uso!...
Se abuso de calças compridas, blusas, botas,
Sandálias rasteiras... Onde fica o salto?
E o andar de deusa?...
Nem falo de decote, pernas que se mostram...

Feminina
É isto, quero ser... muito feminina:
Na roupa, na poesia, na alma;
Exercer fascínio, acender fogueiras,
Conquistar “alguém”, mais o mundo inteiro.
Calma!... É só meu lado sonhador
...e travesso ...

Cecília

Opostos

Meu caminhar é lento.
Quão pequeno é o círculo em que me movimento!
Mas minha alma, como é passeadeira!
Travessa, atravessa fronteiras e fronteiras.

O tempo me parece transcorrer tão lentamente;
mas veloz e impunemente vai o passado roubando o presente.

Pequeno e transitório parece neste mundo meu papel;
mas quanto amor espalhei, quantas raízes finquei,
quantas frentes abri (afinal filhos criei e vivi).

Subo e desço...
Assim como aproveito, desperdiço:
mente, tempo, talvez talento...

Tenho ainda mais perguntas que respostas;
talvez esteja aí meu maior merecimento...

Cecília

Thursday, August 31, 2006

Encontro de poetas

Passas
Passo eu com algum atraso
Mas nos encontramos
- Diferenças evidentes -
Domínio da arte de um lado
Do outro: só em parte
Mas o mesmo amor às palavras
Emoção de criar
E o desejo de superação:
Sobrevivência à morte através da obra,
Fruto de inspiração e busca da perfeita forma,
Preservada em sua inteireza a emoção...

Para Paulo Bomfim

Cecília

Momento (sem retorno)

Encontro rápido
Há muito esperado
Depois, sensação de desperdício
Impressão de momento não plenamente vivido,
Sentidos adormecidos.
Fica: lembrança pálida do acontecido
E o desejo impossível de vivê-lo novamente...

Cecília

Friday, August 25, 2006

Gêmeas

O que me mata de emoção:
O olhar desconfiado de uma,
O sorriso escancarado e banguela da outra.
O “côco” redondinho de uma, quase careca
E os cabelos crescendo desiguais e rebeldes da outra.
As coxas cheinhas e brancas de anjo barroco:
De uma mais redondinhas que da outra.
As mãos e pés de boneca
- perfeição também nas extremidades.
Uma de olhos de oliva, a outra de jabuticaba.
Em comum a fragilidade dos bebês
E o amor que as ampara...

Para Isadora e Sophia

Cecília
25-08-06

Thursday, August 24, 2006

"Encontro doméstico"

A pequena lagartixa me encara, assustada.
Não me conhece.
Não sabe que não sou de nada,
que não faria mal a uma barata.
Antes, a olho com pena, pensando:
Poderia ser o inverso: eu lagartixa,
e ela este ser grande pensante.
Será que ela pensa?
Parece que sim, pois permanece
me encarando paralisada.
Eu, que tantas vezes me senti assim acuada,
tento ajudá-la a partir:
abro-lhe a janela, mas ela não sai...
Lá fora está frio, é noite.
Por mim, tudo bem,
desde que não invada meu espaço...
Pobrezinha, tão branca!
Parece até transparente.
Volto a pensar:
se fosse eu, assim tão frágil, que desgraça!
Agora apago a luz, esperando que ela parta.
Acendo-a de novo e nada...
Então, tendo que sair,
deixo-a ali mesmo, no alumínio grudada
E tchau
Boa noite, boa sorte.
E até outra hora.
Mas recomendo aos que ficam,
que não a maltratem
Como é fácil comigo fazer amizade!...

Será que estou ficando louca?
Ou vazia de emoção é a minha vida?
Daqui a pouco estarei fazendo verso pra baratas!!!

Cecília

Wednesday, August 23, 2006

Aquela menina...

Aquela menina, dentro de mim ainda vive
em seus treze ou catorze anos
se apaixonando e com outros olhos descobrindo a vida .
Vivendo e respirando poesia,
atenta a todos os movimentos da vida
e também a seus sabores, cores, aromas e amores.
Ainda a vejo, ora observando as nuvens no céu se desenhando,
ou o sol, aparecendo e partindo;
se encantando com as cores, mais fortes iluminando o dia,
ou à noite, já esmaecidas despertando sonhos e fantasias...
Se deliciando com os sons da cidade,
do amanhecer ao cair da tarde
e todos os seus aromas: da comida nas casas,
ao perfume das moças passeando pela praça ...
Timidamente descobrindo o prazer de sua mão em outra se enlaçando,
vivendo o primeiro amor, primeiro beijo, as primeiras danças...
Tanto brilho, tanto gosto, tanta vida......
...que até hoje retenho ou persigo
Talvez por aquela menina, que dentro de mim ainda vive...

Para Paulo Bomfim

Cecília

Tuesday, August 22, 2006

E o cronista endoidou...

Vou falar hoje de um assunto que talvez não seja assunto de crônica, mas, como já disse que ninguém sabe o que é crônica, vou falar assim mesmo. O assunto é o poema, uma tese sobre o poema, coisa que possivelmente não interessa a ninguém e, quem sabe, por isso mesmo eu deva falar dele.Costumo dizer que o poema não vale nada. Não vale nada no mercado. Pouca gente compraria um poema e, se comprasse, seria barato, ou seja, ao preço do mercado. Não obstante, nem tudo é o mercado. Há mais espaços na vida do que sonha a nossa vã filosofia.Por exemplo, quando estava eu no exílio, conheci um sujeito, economista, casado com uma linda morena brasileira. Ele e ela freqüentavam regularmente aquelas reuniões um tanto fossentas de exilados. Reuniões que não eram tão alegres quanto os papos no Jangadeiros ou no Vermelhinho, mas era o que tínhamos e, em certas situações, é melhor alguma coisa do que nada. Há divergências, é claro.Pois bem, nessas reuniões o marido da brasileira bonita, que era talvez chileno ou espanhol, costumava sentar-se ao meu lado e puxar conversa sobre economia. Citava números, estatísticas, percentagens, leis do mercado e eu, sem muita alternativa, escutava. Até chegar o momento azado em que pedia licença a pretexto de ir ao banheiro ou apanhar uma bebida e não voltava mais. E eis que, inesperadamente, me contam que a tal morena brasileira deixara o economista por um argentino. Pensei logo comigo: na próxima reunião, se ele aparecer por lá, vai ser pior ainda, aí é que grudará comigo o tempo todo.E chegou esse dia. Fui para a reunião disposto a escapar do sujeito a qualquer preço e consegui por algum tempo. Quando já estava no terceiro copo de cerveja, distraí-me e ele se sentou a meu lado. E sabem o que aconteceu? Não falou um só palavra de economia -só falou de poesia, assunto que dominava muito bem. Falou-me de seus poetas preferidos, que eram alguns de língua espanhola, outros franceses, ingleses ou italianos. Sabia de cor poemas de Eliot e de Fernando Pessoa.- Estou relendo meus poemas queridos, confessou.E então entendi: é que a morena tinha ido embora e, quando a morena vai embora, meu caro, só a poesia nos socorre. É então que ela se torna necessária.Se tudo corre bem, a economia basta, mas, se a morena se vai, não há economia, nem trigonometria, nem geografia, ecologia, paleontologia que dê jeito. Só mesmo a poesia.Com isso fica demonstrado por que a poesia vale pouco no mercado: trata-se de um bem de consumo conspícuo. Mas, como os poetas não escrevem para ganhar dinheiro, essa pouca valia não os desencoraja.Esse é um aspecto deste assunto que não interessa a ninguém; o outro aspecto é que, além de valer tão pouco, o poema não é inevitável. Explicando melhor: qualquer poema que tenha sido escrito -ainda que seja "A Divina Comédia"- poderia não ter sido escrito e, além disso, poderia ter sido escrito de outro modo, poderia ser outro!Vou dar um exemplo doméstico. Certa vez, escrevi um poema inspirado na lembrança de minha casa de infância em São Luís do Maranhão; uma casa antiga, soalho de tábuas corridas e corroídas, com algumas fendas por onde costumavam sumir minhas poucas moedas. Mas uma manhã caiu-me da mão uma moeda de um cruzado (aquele velho cruzado, aliás velhíssimo cruzado) e desapareceu por uma das fendas do soalho. Decidi recuperá-la: aproveitando o fato de que uma das tábuas do cômodo estava solta, meti-me por baixo do soalho e fui me arrastando no pó negro ali depositado, que talvez por quase um século não visse a luz do sol e exalava insuportável fedor de mofo. Recuperei a moeda, mas nunca mais esqueci aquela aventura. O poema não contava essa história, mas falava da "noite menor sob os pés da família" e da "língua de fogo azul debaixo da casa".Isso foi em 1970. Meses depois, tive que ir para a clandestinidade e, um ano depois, para o exílio. Fui parar em Moscou. E lá, de repente, ao lembrar-me do poema, verifiquei que o perdera. Inconformado, resolvi escrevê-lo de novo e o consegui, tanto que ele foi publicado no meu livro "Dentro da Noite Veloz", editado em 1975, quando eu já estava em Buenos Aires.Muito bem. Volto para o Brasil em 1977 e, remexendo velhas pastas que aqui haviam ficado, encontro o poema dado por perdido. Para minha surpresa, era bastante diferente do segundo, escrito em Moscou. O que significa isso? Significa, sem dúvida, que os poemas não têm uma forma inevitável e, como forma e conteúdo são indissociáveis, tampouco seu conteúdo é inevitável. Se, naquele dia em Moscou, eu tivesse encontrado o primeiro poema, não teria escrito o segundo, e aquele ficaria como o único poema possível sobre o tema, conclusão equivocada, conforme acabo de demonstrar, pois, como sugeriu Mallarmé, o poema é um lance de dados que jamais eliminará o acaso.E digo mais: o poema não é a expressão do que se viveu ou experimentou. Se eu sinto um cheiro de jasmim na noite e escrevo um poema sobre esse fato, o que faço não é expressar tal experiência, mas, na verdade, usá-la como impulso para inventar uma coisa que não existia antes: o poema, o qual se somará a todas as galáxias, planetas, cometas, oceanos e tudo o mais que exista no universo. E o universo será, a partir de então, tudo o que já era mais aquele pequeno agregado de palavras, nascido de um perfume.

Ferreira Gullar

Monday, August 21, 2006

Vem, senhora, estou só me diz a vida.
Enquanto te demoras nos textos eloqüentes
Aqueles onde meditas a carne, essa coisa
Que geme sofre e morre, ficam vazios os copos
Fica em repouso a bebida, e tu sabes que ela é mais viva
Enquanto escorre, Se te demoras, começas a pensar
Em tudo que se evola, e cantarás: como é triste
O poente. E a casa como é antiga. Já vês
Que te fazes banal na rima e na medida.

Corre. O casaco e o coturno estão em seus lugares.
Carminadas e altas, vamos rever as ruas
E como dizia o Rosa: os olhos nas nonadas.
Como tu dizes sempre: os olhos no absurdo.

Vem. Liquidifica o mundo.

Hilda Hilst

Saturday, August 19, 2006

Emoção de amor... como me trava!
Quanto maior o desejo, maior a fuga das palavras.
E a poesia que transborda da alma
para o papel não passa...
Não se concretiza,
como o beijo sonhado, as carícias, o abraço,
pois diante do amor... me travo.
Desvio olhares, seguro gestos,
Freio desejo... me apago
E a ânsia de amar, assim permanece:
só desejo de amar
pois o amor em si... me assusta
... e escapo

Cecília

Friday, August 18, 2006

Em teus braços

Quero viver toda a delícia deste amor antigo
A plenitude deste sentimento único
o prazer de ver à flor da pele os meus sentidos
de me sentir ausente e tão dentro deste mundo
União completa: concreta e permitindo vôos
- pois sou poeta -
Só que daqui pra frente, prometo, te levando junto....

Cecília

Thursday, August 17, 2006

Não fomos amantes
Não nos perdemos em beijos e abraços apaixonados.
Não nos sentimos fragmentados, se distantes.

Não fomos amigos
Faltou cumplicidade, apoio, carinho,
quando pedras interceptavam nosso caminho.

Não fomos companheiros
Não desfrutamos juntos de uma hora inteira.

O que fomos senão necessária fantasia,
matéria para a criação de um quadro ou de uma poesia?

Alma sem rosto, que a memória apaga,
tão rápida a passagem, vazia de significado.
Só uma valsa em sonho juntos dançada...

Cecília
Cuido do meu rosto, do meu corpo
Enfeito com flores meu cabelo;
Caminho com graça, quase danço,
Inquieta persigo um ideal e não alcanço;
Louca sou por querer tanto dessa vida...
Ilusão? Não importa: agora sou só sonho e fantasia.
Abro meu coração para todo o amor que se anuncia.

Cecília

Amores Impossíveis

Quem somos nós
Que escondemos segredos terríveis,
Que guardamos amores incríveis...

Somos os que esquecemos a morte,
Brincamos com a sorte,
Desejamos amores impossíveis.

Elvio Santiago

Wednesday, August 16, 2006

Fugacidade

Sonho realizado. Que alegria!
Por que embutes em ti fugacidade?
Em nossa alma se instala outro desejo.
Mais uma vez a duração é só a de um beijo;
e os olhos cúpidos por algo mais se mostram fascinados.
Já não bastam as alegrias e conquistas do passado.

Fases se sucedem; sonhos se esgotam
Nada dura mais do que o som de uma só nota.
Doida sou eu que quero prolongar a nossa estória,
viver apenas um amor pela vida afora,
vencendo assim a dor de tantas pequenas mortes...

Cecília
Enclausurei uma parte de mim mesma;
a outra, foi para a rua passear,
o tempo desperdiçar .
Um nada noutro nada se perdendo,
sem dor, sem cor,
sem poesia, sem alento.
Levar para quê?
Melhor se deixar levar.
É tão mais fácil não fazer acontecer,
deixar a coisa rolar,
na multidão se perder.

Se o caminho foi traçado,
melhor não olhar para os lados,
nem para o alto também.
Pode o brilho de uma estrela
acordar uma saudade,
abrir a porta do claustro,
e aí... ninguém segura ninguém.

Cecília

Azul

Azul de tantos mares,
do céu do Ceará.
Azul de um quadro abstrato,
dos olhos da Júlia amada,
e também de outros olhos,
só na memória guardados.

Azul de sonho e magia,
que de outras cores assume
simbologia, significado:
azul de paz, esperança,
azul de vida, infinito...
Azul, que nos une, aproxima,
azul de tinta, azul de imã,
naquela tela esparramado...

Cecília

Monday, August 14, 2006

XVII

E tudo aquilo que não volta mais
Em nós reside silenciosamente,
Se as naus partiram fica o adeus no cais
E qualquer coisa antiga no presente
Entre paixão e compaixão passamos
Procurando nos outros nossos rostos,
A familiaridade que buscamos,
E o ermo que acompanha amor deposto.
E tudo aquilo que não volta existe
Na glória que se perde e se transforma,
Espírito moldando tarde triste
E sopro imaginando nova forma
Surgirá do tentar de céu e inferno,
Algo fugaz que possa ser eterno.

Paulo Bomfim

Saturday, August 12, 2006

Anjos


É rosa e de cetim minha camisola.
Eu a visto e ao passado me transporto.
Vejo minha irmã ao meu lado,
penteado antiquado, grandes laços...
Somos anjos, de asas brancas e enormes,
ela de azul claro e eu de rosa...
Anjos nos dois sentidos: na roupa e no espírito.
E esse espírito no presente me alcança.
Mas não sou mais este ser bonito, sem conflito.
Um demoninho dentro de mim já mora
E não é a lembrança do anjo que o faz ir embora...
Então não há certezas que resistam
Atos de bondade, que sejam permanentes.
Cresceram as meninas....
Tudo agora é relativo e ambivalente...

Para Helina

Nossa Casa

Em nossa casa não há de faltar Amor.... e Paz
Espaço para o pensamento se manifestar.
E também o sentimento, ainda que transitório,
ilusório, ou mesmo contraditório.
Não faltará alimento para a alma e o espírito,
nem lugar para se descansar da dura lida.
A fantasia também terá seguro abrigo,
como o sonho e o desejo, tudo em perfeita harmonia.
Não sei por que vou querê-la sempre branca,
distante, talvez no topo de verde montanha,
inatingível para aqueles tidos como estranhos.
Nossa casa... ilha, planeta desconhecido
ou apenas página em branco,
em que passo a passo, nosso amor vamos registrando...

Cecília

Amando ( Canto da Lua )

Não sei viver o amor de forma tranqüila
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas...
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos...
O susto de amar, de deixar de amar...
De ser só fruto de uma fantasia
Ou apenas um momento dentro de uma vida...

O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar ), que é infinito...

“Canto da Lua ”
É lá que me refugio....

Cecília

Há um tempo...

Há um tempo para o outro ouvir
sentir
descobrir

Um tempo para se apaixonar
se declarar
Um tempo para beijar

Um tempo para resistir
recuar
o outro poupar,
que isso também é amar

Um tempo para se aproximar
novamente se dar
o antigo amor reviver
ou deixar tudo se perder...

ou tempo para se libertar
amarras desatar
e voar

tempo para construir
um novo templo levantar
e agradecer e orar
pelo bem maior da vida,
que é simplesmente amar.

Cecília

Te quero

te quero:
por birra,
por ira,
por este mundo vazio

te quero:
por cisma,
até por rima,
pelos sismos
que tua voz causou em mim

te quero:
por existires num plano,
em que jamais te alcanço
assim ficas imune,
às desgraças do cotidiano

te quero:
por preguiça
por tédio
porque és minha própria criação

te quero:
porque sou louca
porque o tempo é pouco
para que impere a razão

te quero:
por escolha
porque imperfeitos são todos
não tenho mais ilusão

Então que sejas:
birra
fruto da ira
cisma
cataclismo
o dono do meu coração

Cecília

Friday, August 11, 2006

Sonhos

Um sinal de alerta soa,
ainda que de forma incerta.
Mesmo assim quero esta porta sempre aberta;
penetrar num mundo sem limites,
onde tudo é milagrosamente permitido:
emoção livre, solta, só intensidade,
coração exposto, livre de qualquer pecado;
desordem aparente, vida de outra forma ordenada,
inconsciente preenchendo todos os espaços.
Mortos dos vivos não mais separados,
e você sempre presente, atendendo ao meu chamado,
sem ferir princípios e sensibilidade.
Por isso, ao concreto prefiro o abstrato,
ignorando alertas e chamados...

Cecília

Thursday, August 10, 2006

Julia


Ninguém tem um olhar assim intenso
És única, talvez vinda de brilhante estrela,
para se tornar de nossa vida, o próprio centro.

Difícil é passar por ti incólume.
O verde esparramado dos teus olhos,
nos segura, nos intriga,
e a passagem nunca é rápida....
- inevitável a demora -
pois olhar assim não se vê a toda hora.

Brincas, falas sozinha, corres,
e à noite, como um anjo dormes
E eu, se pudesse, junto de ti estaria nessa hora,
teus cabelos alisando e beijando
para depois nele fazer dezenas de cachinhos...

Cachos e anjos...
Sim, a eles te associo.
Mas quero-te assim,
nem boneca, nem anjo,
apenas meiga, alegre,
adorável e expressiva criança....

Dor Estranha

Esta noite senti uma dor estranha.
Estranha, porque não sei se doía
o peito ou a garganta.
Dor funda, esquisita, mal localizada,
dor de corpo, dor de alma,
de algo não digerido, engasgado;
dor de medo, de saudade,
de futuras dores antecipadas.
Dor de tempo restrito,
daqui a pouco esgotado;
de sonhos e desejos,
que jamais serão realizados.
Dor de espaço apertado,
pequeno demais para tanta ansiedade.
Tempo --- espaço
tudo nos separa;
daí a angústia:
amor não vivido, só imaginado...

Cecília Quadros

Verão

corpo doente
calor inclemente
ar abafado
coração apertado

o gosto do nada
o cheiro do nada
nada...de nada.
O corpo pesado
pedindo descanso
à alma agitada
inquieta, festeira,
curiosa, namoradeira

Bem- vindo o nada,
a cama ainda não arrumada,
o barulho da chuva caindo,
os sonhos indo embora de mansinho;
de mansinho, mas inexoravelmente
espaço vago, para a solidão inclemente...

Cecília Quadros

Fugacidade

Sonho realizado. Que alegria!
Por que embutes em ti fugacidade?
Em nossa alma se instala outro desejo.
Mais uma vez a duração é só a de um beijo;
e os olhos cúpidos por algo mais se mostram fascinados.
Já não bastam as alegrias e conquistas do passado.

Fases se sucedem; sonhos se esgotam
Nada dura mais do que o som de uma só nota.
Doida sou eu que quero prolongar a nossa estória,
viver apenas um amor pela vida afora,
vencendo assim a dor de tantas pequenas mortes...

Cecília Quadros
Hoje sou saudade, inquietação, ansiedade.
Nunca me senti assim tão abstrata.
Espalho sonhos, lembranças e viajo.
De concreto, só palavras, mesmo assim
mal escritas, rabiscadas, a desenhar o caos
dentro de mim já instalado.
De uma forma estranha, sinto que não quero nada,
nem ninguém a invadir o meu espaço.
Quero ser só alma, só espírito, só fantasma...

Cecília Quadros
Quero me livrar de todos meus demônios,
tirar de mim tudo o que minh’alma angustia:
pensamentos e lembranças hoje em preto e branco,
refletindo só o meu lado negativo.

Não sei se dou um tempo e hiberno,
para acordar depois em plena primavera,
pois sei que é esta a dança do universo,
sol brilhando depois de rigoroso inverno.

Cecília Quadros

Wednesday, August 09, 2006

Segredo

Segredo é emoção vivida no silêncio,
sem nada que a perturbe em sua essência.
Sem embates, sem o desgaste de intempéries
ou do passar do tempo,
vai vivendo em casulo eternamente .
Se bate a tentação de transparência,
em versos, aos poucos vai se revelando,
ainda que sob pseudônimo se escondendo...

Cecília

Eu mesma com fantasia

Com tremenda ressaca do vazio, do fastio,
quero vestir fantasia,
dançar, chorar, sorrir, sofrer,
desabar, me levantar,
ser eu mesma até morrer...

Cecília Quadros

A propósito de um sonho

Ainda és
Ainda estás
Subjugas minha vontade
Revolves meu coração
Reviras a minha vida
Assim da noite pro dia
Basta que um sonho impossível
Indesejável, intrometido
Te traga – impositivo -
me deixando outra vez vencida
inquieta, amargurada
Presa da antiga emoção

Sim, és
Dono, senhor
De espaço tão almejado
Que, ai de mim, não domino
Pois não o alcança a razão

Sim...
ainda vives colado
em meu incoerente,
desgraçado coração...

Cecília Quadros

Ponto de Interrogação

És dor
doença
ferida,
chaga que trago no peito,
fruto de amor, ódio e despeito.


És sina
avesso
antítese
de tudo o que creio, prezo e prego

Então não sou o que vejo, penso ou quero
Sou pra mim mesma hermética; um blefe?
Um ponto de interrogação...

Cecília Quadros

Bruxos

És bruxo:
Só me visitas à noite, quando durmo,
percorrendo caminhos de meu coração indefeso.

És bruxo:
Continuas a alimentar aquela fogueira,
sem que para isso tenhas que mover um dedo.

És bruxo:
Vives em mim colado,
preso como que por invisíveis laços
e teu riso sarcástico me persegue,
quanto mais te desejo, quanto mais te quero.

És bruxo:
Estás na minha pele, nos meus versos,
em meus desejos, atos e pensamentos,
se escondendo, sorrateiro, em meu inconsciente.

És bruxo:
Em mim te fizeste semente, flor e fruto,
este ciclo de vida jamais rompendo.
E por mais que te mostres inclemente e eu te maldiga,
sei que preenches uma solidão tão inexplicável quanto antiga.


Por isso te enredo, tanto quanto me enredas,
e também me faço bruxa: eternizando,
mantendo acesas a tua e a minha chama.

Cecília Quadros

Tuesday, August 08, 2006

Poetas, buscamos o belo com alma e arte
Pretensão do eterno
Mas um pouco de sobrevivência basta
Tempo, palavra respeitada
Chave
Quase o domina uma obra-prima
Quase
Mas nem essa eternamente nele viaja
E se desgarra

Tempo, tempo meu,
Que vivo com ardor e gravo
Que ficará de mim
- e até quando-
Um verso? Uma página?...

Cecília
Atravesso portas e mais portas
Percorrendo curiosa empoeiradas áreas,
Prolongamento desconhecido da minha própria casa.
Por que só agora o acho?
- Sensação de desperdício de tempo e espaço...

No sonho
as portas que na realidade nunca abri,
Os mistérios que não tentei desvendar,
Tudo o que podia e não tive ousadia para conquistar...

Palavra em Poesia

Palavra em Poesia

A palavra exata existe
Única
Perfeita, ao expressar a idéia, a emoção
Insubstituível
- devem-se observar nuances,
sonoridade e ritmo.
Às vezes fluindo fácil,
outras de difícil alcance,
atormentando a mente,
que de tudo não lembra
(exercício para a memória e obstinação).
Verdadeira jóia escondida,
um desafio que, quando vencido,
dá uma sensação indefinida
de alegria, domínio,
fascínio pela língua,
amada língua portuguesa...