Friday, October 27, 2006

Resumo

Hoje me parece
que já escrevi tudo o que tinha que escrever,
senti tudo o que tinha que sentir,
vivi tudo o que eu tinha que viver.
Já fui feliz, infeliz, ri, chorei, vibrei,
me desesperei, quis, deixei de querer bem,
tornei a amar, filhos criei, por crises passei,
meus pais perdi, amigos ganhei,
senti solidão, me preocupei,
tive insônia, problemas superei,
dormi como anjo, outras terras visitei,
mas acima de tudo ...
... te amei .

Thursday, October 26, 2006

Fosse eu poeta da natureza,
a cantar pássaros, flores e estrelas,
paisagens, céu claro, tempestades,
estações eternamente a se sucederem ...

Ah, pudesse eu me perder,
em montanhas, mares e vales,
cantando apenas o que é natural
belo e verdadeiro...

Mas sou poeta da alma.
E nada é tão claro, perene e perfeito...

Cecília

Mimetismo

Sua pele é morena,
pretos são seus cabelos.
Não, minha pele é morena.
Por que o vejo assim?
Por que tenho esta imagem
esculpida dentro de mim?

Mimetismo é o que desejo.
Amá- lo só já não basta.
Confundir pele, cabelos,
embolar corpos, anseios,
é essa minha loucura:
comunhão total, magia pura.

Cecília

Wednesday, October 25, 2006

"Mentiras Sinceras"

CONTARDO CALLIGARIS

Espero que "Mentiras Sinceras", de Julian Fellowes, continue em cartaz e que os amantes e os amados (casados ou não, heterossexuais ou homossexuais, tanto faz) tenham o tempo de assistir ao filme, em massa.
O título original é "Separate Lies", mentiras separadas, mas gostei da tradução brasileira. "Mentiras Sinceras" evoca o estranho balé de verdade e mentira em todo triângulo amoroso: "Minto quando escondo minha paixão por outro ou por outra? Ou, então, a verdadeira mentira é o casamento que vivo e a insatisfação que escondo?".
Ser sempre sincero não é fácil. No filme, Anne (Emily Watson) tenta ser sincera com o marido, James (Tom Wilkinson), e também com seu próprio desejo. Mas a verdade não é simples: Anne, por exemplo, não sabe bem o que a joga nos braços de William (Rupert Everett), seu amante. Quando explica ao marido o que lhe acontece, ela não invoca o amor ou a paixão; apenas consegue dizer que não sabe renunciar a William porque os encontros com ele são "easy", fáceis: o amante não lhe pede nada ou quase.
Talvez a maioria dos relacionamentos amorosos adoeçam e morram por causa disto: não porque o parceiro deixou crescer uma barriga displicente nem porque a gente estaria cansado da mesmice e a fim de novidades, mas porque, ao vivermos juntos, aos poucos, perdemos a generosidade. E a generosidade é (ou, melhor, deveria ser) o próprio do amor; ela está quase sempre presente, aliás, quando a gente se apaixona. Explico.
O amor que nasce idealiza o amado, mas essa idealização é contemplativa, não é normativa. Ou seja, pedimos, eventualmente, que o amado ou a amada estejam perto de nós, mas não que mudem e ainda menos que renunciem a serem quem eles são.
Claro, enxergamos neles algo que eles podem não ser, mas o encanto amoroso é justamente esse engano: "Seja como você é, pois é assim que descubro em você tudo o que quero, mesmo que talvez você não seja nada disso". Em suma, o amor, inicialmente, é respeitoso. Se você não é bem o que vejo em você, o engano é meu; amar consiste em querer e saber continuar se enganando.
As coisas mudam quando começamos a medir a distância entre o ser amado e o ideal que lhe penduramos nas costas. De repente, o engano nos parece ser uma artimanha do outro; é ele que deveria se emendar para voltar a ser o ideal que inspirava nosso amor.
O encanto do começo se transforma, assim, numa lista inesgotável de pequenas ou grandes exigências. Tudo o que pedimos ao ser amado (que ele ganhe mais, que seja simpático com nossos amigos, que nos acolha com um sorriso, que pare de roncar no nosso ouvido, que leia Goethe em alemão, que não coma com as mãos, que não caminhe na nossa frente na rua, que esteja em casa na hora certa) é apenas um derivativo. O que queremos é a volta do que nós mesmos perdemos: o encanto pelo qual enxergávamos nosso ideal no ser amado. Esse encanto impunha o respeito, ou seja, permitia que deixássemos o amado e a amada serem, simplesmente, eles mesmos.
A trama de "Mentiras Sinceras" é a de sempre quando, num casal, um dos dois se interessa por um terceiro. Anne ama James e James ama Anne. Mas Anne encontra William, que não tem nada de especial, mas é "easy", e ela quer viver esse amor. James sofre. Anne também sofre. Não se sabe bem como a história de Anne e James terminará (minha hipótese é que o casal resistirá).
A história acontece numa sólida burguesia (ou mesmo aristocracia) inglesa, em que a dificuldade do triângulo amoroso não é parasitada por problemas financeiros ("Se nos separarmos, quem ficará com o quê?"). Anne e James não têm filhos e não devem se preocupar com os efeitos de seus atos e sentimentos nas crianças ("Como ficarão? O que pensarão? Quanto anos de análise tudo isso lhes custará?"). O triângulo amoroso, em suma, é reduzido ao essencial.
É também graças a essa redução ao essencial que o filme pode oferecer uma extraordinária lição de amor. Anne é exemplar por ela não saber as razões de seu amor por William e por continuar amando James. James é exemplar porque sofre, mas trabalha com afinco para evitar transformar seu sofrimento em mais uma cobrança ciumenta. Ao contrário, James se serve da ocasião para reinventar sua capacidade de amar Anne com a generosidade e o respeito do amor que nasce, ou seja, sem lhe pedir que ela seja diferente do que ela é.
A lição que James aprende (e nós com ele) é que o amor, quando não é atravessado e deformado pelas piores exigências neuróticas e narcisistas, confere ao amante um dever para com o amado, mas nenhum direito sobre ele.
Jacques Lacan, um grande psicanalista francês, disse mais de uma vez (a primeira foi, talvez, em seu seminário de 56/57) que o maior sinal de amor é (deveria ser?) o dom do que a gente não tem. Algo assim: "Ofereço-lhe o que não tenho e que você não quer e não me pede". Seja qual for nossa interpretação desse aforismo, ele é certamente o oposto da miséria amorosa ordinária, em que amar significa pedir ao outro o que a gente quer. Ou, pior ainda, pedir-lhe aquela "coisa" de que a gente precisa.
Hoje disse adeus ao homem
que mais amei,
que penso que amei,
ou sinto que amei.
Dizer, pensar, sentir,
de que tento me convencer,
de que há sentido na vida?

Quero entender tudo isso,
porque não tinha por que amá-lo,
não tinha o direito de amá-lo,
e ele nem queria ser amado.

Fui eu quem disse o adeus,
mas ele já havia partido,
sem dor de perda ou saudade.
Em mim ficou mágoa contida,
reprimida, represada,
que de tudo eu já sabia:
amor com amor não se paga,
fazer brotá-lo impossível,
só pode ser dom de Deus.

Cecília

Saturday, October 21, 2006

A paisagem bonita não me inspira.
É de dentro que arranco o verso, puro sentimento.
E ele vem pleno, ainda em estado bruto,
desafiando quase sempre o meu próprio entendimento.
Revelam-se assim insuspeitadas mágoas, alegrias,
inadmissíveis sonhos, fantasias...
Sensações de bem estar ou inquietude,
desejos inconcebíveis, pensamentos duros.
Se tento amenizar, me impor qualquer censura,
resultam imagens pálidas, meias verdades, um outro mundo,
que não reconheço ao fazer da minha alma nova leitura.
Então recuo, me abro, mostro a verdadeira face (inconsciente?)
E se o outro assusto com tamanha força e transparência
o assombro em mim não é menor, menos intenso...

Cecília

Friday, October 20, 2006

Que amor é este

que não tira meus pés da terra,
e à luz do dia melhor se realiza,
em gestos de ternura e de carinho
(à noite a alma foge,
percorrendo em sonhos estranhos caminhos)

não embriaga
- na presença e constância conquista seu espaço,
acalma e se multiplica;

se mostra tão próximo da amizade
- passado é o tempo de arrebatamento e exigência;

que discreto e despretensioso
é presença obrigatória em minha vida...

Tuesday, October 17, 2006

Ilhas

Retomemos a caminhada
silenciosos
lado a lado
De algum modo
nos sentiremos acompanhados
ou apenas
menos solitários
Um toque de mãos,
(que pena!) neste instante
não mudaria nada,
tão desapegados estamos,
cada qual em sua ilha acomodado...

Cecília

14-02-03

Monday, October 16, 2006

Palavra

Forte
respeitada
temida, como o diabo
postergada
definidora de rumo
marco
nem sempre acertada
incisiva
acima de tudo doída
como profunda ferida
ácida, amarga
tantas vezes
embargada por lágrimas:
Adeus

Friday, October 13, 2006

Luz da lua
Luz de prata,
que me alcança, fascina,
entrando fundo na alma...


Não posso dizer que me acalmas...
Me deixas inquieta,
subjugada, sensação indefinível,
que é assombro
transcendência
mistério


Luz da lua
Única
Translúcida,
Transfiguradora,
Teu brilho no céu é um “arraso”...

Cecília

Wednesday, October 11, 2006

Intuição

Há que se confiar nos olhos da alma,
que sabem ver além de um sorriso zombeteiro
captando um certo desconforto,
em dizeres tão cheios de certeza.


Ah! Não fosse esta doce intuição,
a dizer que meus versos não caem no vazio;
que por trás de resistências, atalhos e desvios,
brota ainda que de leve uma emoção...

Cecília

Monday, October 09, 2006

E meus cabelos vão crescendo...
Como mato meus cabelos vão crescendo
Ignorados
Só o tempo neles deixando marca
Tento prendê-los num rabo,
Mas são rebeldes, se soltam
Querem liberdade
E vão descendo
Ombro abaixo
refletindo meu momento:
Este olhar só para dentro,
interrogativo, necessário,
Pois tudo em volta
Bate forte.
Que venha então a resposta:
de dentro para fora
vagarosamente...
Transformação
Para mim pede despojamento
silêncio e tempo...

Cecília Quadros

13-12-02
Ó esplêndida lua, debruçada
sobre Joaquim Nabuco,81.
Tu não banhas apenas a fachada
e o quarto de dormir, prenda comum.

Baixas a um vago em mim, onde nenhum
halo humano ou divino fez pousada,
e me penetras, lâmina de Ogum,
e sou uma lagoa iluminada.

Tudo branco, no tempo. Que limpeza
nos resíduos e vozes e na cor
que era sinistra, e agora, flor surpresa,

já não destila mágoa nem furor:
fruto de aceitação da natureza,
essa alvura de morte lembra amor.

Carlos Drummond de Andrade

Thursday, October 05, 2006

Explícito Implícito

Sentes
Não dizes

Imagino
Penso
Não digo

Imaginas
o que penso
e não digo

Imaginamos
sentimos
Pensamos
Igual?


Só não dizemos
Tememos
O explícito...
Em tudo
perfeitamente
Implícito...

Cecília

Wednesday, October 04, 2006

Se procurar bem você acaba encontrando
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.

Carlos Drummond de Andrade

Tuesday, October 03, 2006

Parado na vida...

Um bonde passou
Estava cheio, havia tempo,
não o tomou

Um outro passou
Por indecisão
Não o tomou
Talvez um outro passasse
E dessa vez o pegasse

E assim outro, mais outro
E foi ficando parado na esquina
Parado na vida
Enquanto outros o bonde levou

A nenhum lugar chegou...
Culpou a si mesmo
Culpou o destino
Tão triste... sobrou!

Com culpa ou sem culpa
Ali parado, criando raízes
Quase endoidou...

Alguém compungido
O exortou:
- Vamos, caminhe
não desanime.
Mas era tarde e ele
de uma vez se largou...

18-09-06

Monday, October 02, 2006

Às vezes me vejo assim:

Roteirista
Iluminadora
Atriz

Tiro da vida a emoção
Sobre ela projeto luz
E a exibo sem retoques
Bela, em sua verdade
(Não importa o que a produz)
Nua
Pretensamente pura...

Cecília

19-09-02