Thursday, December 20, 2007

Humores

Nos teus humores viajo
Vou da tristeza à felicidade,
como se vontade própria não tivesse
e a tua fosse a minha alegria.
Sou, pois, movida por emoções alheias,
que no fundo desconheço.
Indícios me guiam
talvez por falsos caminhos,
do teu coração mais me afastando
enquanto penso que te conquisto.

Se incapaz sou de ler a tua alma,
mereço que te afastes
ou saias de uma vez da minha vida

Cecília

20-12-07

Presentes para as festas

Nossas tentativas de entender o mundo sempre oscilam entre "zoom in" e "zoom out"
TENHO UM carinho especial pelos livros de imagens de Istvan Banyai. Dois estão disponíveis no Brasil: "Zoom", em sua 16ª reimpressão (Brinque-Book), e "O Outro Lado", que acaba de ser publicado (Cosac Naify). São livros sem palavras, em que a série de imagens constitui uma história e, ao mesmo tempo, uma reflexão.Nesta época de amigos secretos e de propósitos para o Ano Novo, esses dois pequenos livros são o brinde que mais gosto de oferecer. Além de agradar (espero) a adultos e crianças, eles dizem algo essencial sobre minha maneira de pensar e de viver, ou melhor, sobre como gostaria de conseguir pensar e viver. "O Outro Lado" é, dos dois, o mais fantasioso e, talvez, o mais complexo. À força de folheá-lo, cheguei a este resumo de sua sabedoria: 1) sempre há um outro lado; 2) vale a pena, em cada situação, olhar para nós mesmos do ponto de vista daqueles que estamos observando; 3) esse esforço não é apenas um jogo no qual brincaríamos de passar de um lado ao outro do espelho; 4) tampouco trata-se apenas de saber se colocar nos sapatos dos outros (o que já não seria mal); 5) os desenhos revelam que, quando a gente se desloca para o lugar dos outros, quando a gente se mexe para "o outro lado", algo muda: o resultado final não é só a mesma cena vista de ângulos opostos, mas é, de repente, uma nova cena. Veja se você concorda. "Zoom" é de uma leitura mais imediata, mas não por isso é menos rico. Para não estragar o prazer dos leitores, invento uma seqüência parecida com a do livro, mas diferente dela: no começo, você vê alguém de costas, sentado à frente de uma tela de computador, e imagina que esse seja o cenário da história que começa. O zoom, afastando seu olhar, amplia o campo visual, e eis que aparece o seguinte: aquele cenário inicial é uma propaganda de informática numa revista que está nas mãos de alguém sentado na sala de espera do dentista. Antes de decidir que esse seria, então, o cenário da história, espere: o zoom vai recuar de novo. E por aí vai. "Zoom" pode ser lido do começo ao fim (sucessão de ampliações do campo visual - "zoom out") ou do fim ao começo ("zoom in": aproximação progressiva do nosso olhar, que, portanto, enxerga de maneira cada vez mais detalhada, mas também com cada vez menos compreensão do conjunto, que se perde a cada aproximação). Para quem lê do começo ao fim, o livro vale como uma meditação apaziguadora sobre a pouca relevância das pequenas coisas nas quais encalha o narcisismo da gente -a começar pela nossa própria pessoa. Ele lembra um pouco aquelas fantasias por meio das quais as crianças tentam aliviar o fardo do olhar dos pais, que permanentemente tenta convencê-las de que elas são seres únicos e extraordinários. Nessas fantasias, as crianças imaginam, por exemplo, que nosso "universo" seja apenas um viveiro de bactérias no ventre de um gigante -os terremotos e as inundações sendo, respectivamente, acessos de tosse ou bebedeiras de nosso hóspede desmedido. E não acaba assim: o gigante, por sua vez, sem se dar conta, poderia ser um vírus no corpo de um supergigante, que, por sua vez... Mas, fora esse exercício salutar, que encolhe o narcisismo (ele sim, gigantesco) do qual sofremos normalmente, "Zoom" é também uma espécie de meditação, por assim dizer, cognitiva. Explico. Nossas tentativas de entender e explicar o mundo estão sempre oscilando entre um "zoom in" e um "zoom out". Ou seja, entre a aproximação máxima que nos permite encontrar a causa de nossos males no microscópio (invasores invisíveis, genes, cromossomos etc.) e a distância máxima que nos leva a procurar a explicação do que acontece, por exemplo, na disposição dos astros na hora de nosso nascimento ou no dia de hoje. Com isso, alimentamos oposições, quase sempre estéreis, entre explicações pelo infinitamente pequeno e explicações pelo quadro mais amplo -no meu campo, entre a descrição da química invisível que regula nossa mente e a consideração de eventos externos que nos afetam. Meu propósito, para o ano que vem, é que a gente não fique travado carregando na mão apenas duas objetivas separadas, uma macro e uma teleobjetiva, mas que estejamos dispostos a acionar constantemente o nosso zoom -"zoom in" e "zoom out". E também, quase ia esquecer, que sejamos capazes de enxergar sempre "o outro lado".

Contardo Calligaris

Monday, December 17, 2007

Cecília

Quantos artistas
Entoam baladas
Para suas amadas
Com grandes orquestras
Como os invejo
Como os admiro
Eu, que te vejo
E nem quase respiro

Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas
Com todas as letras
Eu te murmuro
Eu te suspiro
Eu, que soletro
Teu nome no escuro

Me escutas, Cecília
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas

Pode ser que entreabertos
Meus lábios de leve
Tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí
Como tantos poetas
Tantos cantores
Tantas Cecílias
Com mil refletores
Eu, que não digo
Mas ardo de desejo
Te olho
Te guardo
Te sigo
Te vejo dormir

Chico Buarque

Friday, December 14, 2007

Escolha

Escolhi a felicidade.
Uma felicidade relativa, possível, sem fantasias.
Existe?
Sem me rachar por dentro para alcançar alturas,
para as quais não tenho asas;
ou se as tenho, falta coragem, empenho.
Então me contento com o pouco,
que não é tão pouco,
pois me acalma por um tempo.
Só que ao menor sinal de problema,
solta-se a imaginação novamente,
a fim de aquietar com fantasias
o coração sensível e exigente,
que à razão tantas vezes se submete,
não na essência.
Coração rebelde,
carro-chefe da minha vida,
que minhas ilusões carrega,
me leva para frente,
difere, distingue,
se insinua em olhares, sorrisos e gestos,
que só os iguais captam e compreendem...
Escolhi esse jeito de ser meio escondido,
vivendo talvez a metade do que poderia,
mas em paz... talvez apenas sobrevivendo...


Cecília

Colcha de retalhos ( 2 )

Pedaço por pedaço,
como noiva, costuro minha colcha de retalhos.
Ligo sonhos, momentos passados, inesquecíveis olhares,
diálogos, que em minha memória permanecem gravados,
tudo formando uma história única, sem igual:
história de amor e amizade, carinho e lealdade.
Cada pedaço dessa colcha tem seu colorido, beleza, significado
e o todo é o meu, o seu, o nosso retrato,
ainda sem marcas do tempo, que tudo desgasta.
Muitas águas sobre ela rolarão;
deveremos, pois, lhe dispensar muito cuidado.
Só assim permanecerão suas cores originais:
o vermelho da paixão, o verde da esperança,
o azul da pureza e todas as outras cores
a representar a amizade, que a tudo deu início,
e deve ser cuidadosamente preservada.
Amizade: sentimento que traz em si paz e permanência,
anseio maior da humanidade...

Com afeto, serenamente,
costuro nossa colcha de retalhos...


Cecília

Ressonar ( 2 )

Pousa
sobre meu braço
tua cabeça,
e dorme.
faz como o viajante
que longamente andou,
cansado,
e encontra afinal,
em meu porto,
o seu abrigo.
Ao lado do meu,
estende o teu corpo,
e como a criança,
abandonada ao calor da mãe,
cerra teus olhos sobre o dia,
e dorme.
com teu afeto,
faz-me sentir de novo um menino,
quando mais pareço homem.
faz reviver, dentro de mim,
o ser antigo.
Sobre meu braço
pousa tua cabeça,
e docemente, amiga,
dorme.

Sérgio Paolozzi

Amanhecer

24 horas.
Inumeráveis gotas de infinito
que eu devo, uma a uma,
devotamente,
apalpar, saborear, sorver.
O dia está entrando
pela janela,
ou está saindo, de mim,
prá fora dela?

Sérgio Paolozzi