Friday, May 16, 2008

Faces (como me vejo ou sou vista)

Sou fogo de palha
pau para toda obra
sou ombro amigo
-também um nome encurtado-
serei um velho calçado?
Sou espelho
quando crio,
ou escrevo...
Aprendiz de feiticeira
Poeta?
Nunca estou inteira,
onde pareço estar
e nem sei
meu coração interpretar...
Às vezes sou fogo e me apago
Ou água: deixo rolar ou represo
(tudo aparece nos versos)
E sou: o que fica
o que muda, o que "era"
o que tenho que ser,
o que de mim se espera
Não sou mais “eu”
quando me solto,
ou me podo;
quando me gosto,
ou desgosto.
Queria ser,
poder ser,
um livro aberto
mas sou mistério.
Capto e registro
Fases, faces
Inquestionáveis verdades
Mas partes...
Fica o enigma
Do meu inteiro retrato.

Cecília

Receita de amor (!)

Primeiramente há que se ter paixão
excitando os sentidos, fazendo aflorar a sensibilidade
- uma preparação – ou uma primeira fase;
E um sentimento terno, doce, desinteressado,
algo muito próximo da amizade...
Sem esquecer a simpatia, que parece menor, mas é básica;
mais empatia (linguagem própria, às vezes feita só de olhares).
Há também que se ter admiração e respeito,
e que a realidade não seja do sonho o avesso,
mas que convivam e se continuem naturalmente
quase sem perceber do outro a existência...
É também preciso que haja boa vontade,
para se saber lidar com os tropeços,
inevitáveis a testar paciência e generosidade...
Bom-humor é básico, como a coragem,
perseverança e a lealdade...
Se com tudo isso não se viver um grande amor,
é grave: joga-se a receita fora e se põe a culpa
no Imponderável, no Destino... ou na Fatalidade...

Cecília
26-3-2001

Parecia um pássaro

Parecia um pássaro, um frêmito
de folha, uma líbélula,
uma coisa evanescente
e volátil:
não era nada, um pensamento / de amor? /
que se ensaiou na sombra
e desapareceu qual rã.


Marly de Oliveira

Wednesday, May 14, 2008

Epigrama

Bom é ser árvore, vento,
sua grandeza inconsciente;
e não pensar, não temer,
ser apenas: altamente.

Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte,
com o mesmo rosto tranqüilo
diante da vida ou da morte.

Marly de Oliveira

Tuesday, May 13, 2008

O poema é fruto de uma inquietação
que no peito parece não caber
de uma vontade incontrolável de escrever
de sentimentos,
que não só o seu criador espelham
pois vêm: do âmago,
da sua essência,
condição humana,
voz da alma se tornando;
sensibilizando
com palavras instintivas,
mas com esmero distribuídas
- substituídas se preciso,
para que sejam verdadeiros
e belos os versos,
cativando,
retendo a emoção
por mais um tempo...

Cecília Quadros

Monday, May 12, 2008

Poetas, buscamos o belo com alma e arte
Pretensão do eterno
Mas um pouco de sobrevivência basta
Tempo, palavra respeitada
Chave
Quase o domina uma obra-prima
Quase
Mas nem essa eternamente nele viaja
E se desgarra

Tempo, tempo meu,
Que vivo com ardor e gravo
Que ficará de mim
- e até quando-
Um verso? Uma página?...

Cecília

Nascimento do poema

É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.

É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.

E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas.

Dora Ferreira da Silva

O poema

Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida
para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
condição de poema.
Triste
Solitário
Único
Ferido de mortal beleza.

Mário Quintana

Saturday, May 10, 2008

“As rosas desabrocham
Sob a luz do sol
E a beleza das mulheres,
com o creme Rugol”

São versos ingênuos
perdidos no tempo.
Como negar?
São versos singelos
um tanto piegas
mas fazem chorar.
Saudade da infância,
das rádios tocando
valsas, modinhas e tango...
Era do rádio,
passeios na praça,
igreja lotada
em festas, missas, batizados;
altar principal enfeitado,
crisântemos no mês de maio...
Mãe jovem, morena, bonita,
centro de nossa família
rainha da casa, com gosto arrumada....
Saudade, quanta saudade:
do quintal, pomar, doces caseiros
de canto de pássaros o ano inteiro
do fruto na árvore apanhado
da conversa das comadres
do grupo escolar freqüentado
cães ao longe latindo,
e a gente a vida curtindo;
estrelas e lua, no terraço admiradas
(era alpendre o termo que se usava) ...
Tão simples os hábitos
e minha sensibilidade de criança
tudo guardando, armazenando
para agora virar saudade...

Cecília

para minha mãe muito amada

Espaço

Com fios invisíveis me enlaço,
meu amor amordaço,
não deixo que escape,
pois sei que me é sagrado.
Assim o vejo em essência transformado.

Não divido nada.
Mantenho o meu espaço.
Misturo nele a meu bel prazer
presente e passado.
Fantasio, brinco, escapo
e volto para este mundo murado
por meu coração comandado
cujas portas para poucos entreabro
mesmo assim por tempo limitado.

Bendito espaço
retiro da minha alma
trampolim para seus vôos,
transcendências e viagens.

Cecília

Mãe

Doce, meiga, protetora,
a mais bonita de todas.
Coração brejeiro, porte de rainha,
ídolo da minha vida de menina.
Se foi feliz, eu não sei;
talvez mais quando menina,
no seio de sua família,
cercada dos pais e irmãos.
De lá tirou a coragem,
valores e alegria
amor à música, às artes,
o gosto de ler poesia.
Amava Chopin, Castro Alves,
e Casimiro de Abreu.
Rezava sem exagero,
não impunha fé a ninguém.
Cantava com sentimento,
enquanto de todos cuidava.
Sem tristeza, sem lamentos,
enquanto a vida passava.
De muita coisa não sei:
Só sei que foi muito amada,
o centro de nossa família.
Foi luz, alegria, união.
Acima de tudo foi gente,
exemplo de mãe e de amor

Cecília
O peso deste amor me esmaga.
Às vezes, alma penada,
quero vagar por outros mundos,
outros mares, outros amores;
habitar outros ninhos, viver outras vidas,
não necessariamente mais felizes.
Coração inquieto, coração de poeta.

Cecília

O amor é triste

Sim, poeta, o amor é triste, eu também sei...
Se o vivemos com intensidade, doçura, plenamente,
entre belos sentimentos se insinuam dúvida
- difícil viver felicidade -, e temor de perda
- melhor se resguardar que tudo passa - ...

Sim, o Amor é triste...
Às vezes amamos tanto e nem sabemos,
tão ocupados estamos,
desligados de nossos próprios sentimentos:
temos amor, mas não o vivemos.

É triste o amor...
Nele cremos, por ele ansiamos,
e no entanto às vezes nos parece,
que só aos outros acontece. Será prêmio?
Temos o sonho de amar... apenas...

Coincidência no amor...
Por que tão rara?
Dá para entender a dor quando ele acaba.
E acaba... pois nada é permanente.
Então não somos mais que tristes,
cabisbaixos sobreviventes...

Cecília
Não merecemos nos intitular artistas:
ignoramos o valor daquele brilho em nosso espírito.
Não merecemos nos considerar poetas:
nossos versos têm quimeras, não entrega.
Somos tão cheios de reservas...
Somos falsos poetas.
Não buscamos plenitude, completude.
Passamos incólumes por este deserto.
Ignoramos sede e fome:
de viver - sabes o que eu quero dizer –.
E vivemos tão bem aqui, plantados no chão.
E que se dane a paixão! ...

Cecília
Um olhar atento
vê gente “sensível”,
que sofre, se angustia,
olhando o próprio umbigo
... apenas

Vê gente
que batalha, sobe na vida
para passar despercebida
... e logo ser esquecida

Um olhar atento
vê gente ansiosa, nervosa,
se perdendo em coisas pequenas
... menores

Um olhar atento
vê semelhanças e diferenças,
que fazem a cabeça da gente
... e os sentimentos

Um olhar atento
capta, derruba, transforma.
Permanece o que importa,
e o estrago é só aparente


Não há como um olhar atento,
para perceber na vida
o que é essência...

Cecília

Friday, May 09, 2008

Fura-bolo (fazendo graça)

O dedo trabalha
e o resto do corpo descansa.
Manda... manda... manda...
Trabalha, no sentido figurado,
pois discreta
não deixo que apareça.
Não aponto.
Sugiro,
descrevo o que deve ser feito
na maior sutileza.
Por que o dedo? Só na sua cabeça!
É da minha que a ordem emana,
talvez disfarçada,
se traduzindo em palavras,
quase sempre delicadas.
Tudo a ver com a personalidade,
que valoriza o jeito,
a si mesma,
acreditando ser melhor poupar as mãos
...do que a cabeça ...
E onde fica o dedo?...

Cecília
(feita por encomenda)
13-03-08

De patrão a empregado

Mais uma vez um pedido. Uma ordem? Cada vez mais sem sentido, fora do contexto, do esquema de trabalho. O que fazer? Patrão ou patroa é assim mesmo. Mas sei que assim não fui. Era sensato, respeitava meus funcionários, até estimulei a fundação de um sindicato. Na verdade fiz mais que isso: um imóvel para a sede lhes cedi.... Mas o que esperar de um ex-funcionário grato, mas limitado em matéria de “finesse” e nível cultural? Enriquece, abre, várias firmas, numa delas me emprega, já que estou na pior agora. E mais: coloca a mulher para me comandar. E ela é demais: como o marido fala com sotaque nordestino, desconhece etiqueta, não sabe distribuir os talheres à mesa, nem o lugar que lhe cabe na calçada. Além de tudo é folgada: ainda ontem me pedia para lhe fazer um chazinho; antes fora a ração para os cachorros: vinte quilos que tive que carregar; as compras na quitanda, quantos desmandos... E as missas que tive que assistir! Será que dou uma de bonzinho ou sou bonzinho mesmo? Dizem os amigos que não sei dizer não para ninguém. Até sugeriram haver uma paixão recolhida. Da parte dela, que não sou chegado a mulher com bafo. E casada, com um cabra valente, e de quem dependo! Sim, meu emprego vale ouro, é o que me sustenta. Ganho pouco, mas o que me basta: todos os meses paga a conta do supermercado, da farmácia, do padeiro. Mas ai se minha mulher desconfia que a outra se insinua e me pega pra Cristo: de nada me adiantará tanto esforço para dar uma de bom moço. Moço em termos pois muito já vivi nesta vida. Fui bem sucedido, patrão inclusive da moça que me explora agora. Coitada, será que merece tais palavras? Afinal o dinheiro que recebo em sua empresa dá para o gasto, como disse antes. Depois não vai adiantar me remoer de remorsos e freqüentar missas e padre Marcelo. Irei do mesmo jeito para o inferno e sem companhia, já que ela e a outra são vítimas. Mas será que devo incluir na lista a minha esposa? Afinal não a traio, me faço de desentendido frente aos encantos da nordestina, que tem na verdade o coração de ouro; nem desconfia que me humilha com seus excêntricos pedidos: “ Pode me acompanhar à missa, seu Francisco? ”
Ah, é demais essa situação! A quantas tenho que me submeter! Penso até que gosto dela um pouquinho. Será mesmo? Será o Benedito?
Enquanto penso se gosto ou não gosto vou tocando o barco, um tanto humilhado mas também lisonjeado. No mínimo ela me admira! Se não tenho “tutu”, tenho cultura, fineza, posso até lhe dar aulas de etiqueta.
Estranho mundo, que gira, gira, leva , trás , me apronta uma dessas, o que mais será que posso esperar?...

Cecília
08-05-08
Me dei um tempo
E saí em busca de mim
Encarei meus defeitos
Me enfrentei face a face
Acertei rumos e passo
Não sou mais barreira pra mim


Meus fantasmas transformo em palavras
Abrigo-os em versos, dou-lhes espaço
E me liberto... da inquietação que me passam

Cecília