Saturday, February 14, 2009

Regressarei

Eu regressarei ao poema como à pátria à casa
Como à antiga infância que perdi por descuido
Para buscar obstinada a substância de tudo
E gritar de paixão sob mil luzes acesas

Sophia de Mello Breyner Andresen

Wednesday, February 11, 2009

Carinho Inesquecível

Nós dois, camas separadas
em quarto tão simples... na praia
estendendo os braços
nos dando as mãos...
Era verão?
Quantos filhos tínhamos?
Nem tudo era paz...
Mas...
No gesto espontâneo,
tanto carinho,
que a memória
envolve, guarda, eterniza...


Cecília
16-01-03

( Fomos tão felizes...)

Tuesday, February 10, 2009

O Último Retalho

Aqui termina o livro.Uma colcha de retalhos, como diz o título. Fala a correr do menino da "tia"Judite, todo ele em estilo coloquial, de quem está conversando com ele próprio. E havia tanto a falar desse tempo. Fala de Lisboa, também correndo, como se quisesse chegar depressa a algum lugar. Acho que fui sempre assim na vida.
Vivendo os momentos, como se a vida fosse terminar no outro dia. Com a intensidade possível; como alguém que espera um sonho maior ao acordar no dia seguinte. E o encontra e o realiza com toda a paixão e fogo de que é possuidor, mas também com a pressa urgente de chegar ao sonho novo, que o amanhã lhe trará.
Fui assim com tudo. Odiando o tédio da coisa repetida; procurando em cada dia a garantia de um amanhã diferente. E talvez só isso possa explicar o porquê de tantas testemunhas, presenças na minha vida.
É a outra imagem de mim, a que me habituei a chamar de Marcos Leal. Poeta, caçador de sensações. Que é feliz hoje em África, enquanto sonha estar amanhã no outro lado do mundo. Que viveu correndo, sem se fixar a coisa nenhuma, nem a ninguém.Esse é que foi o que amou as tempestades, que ia sempre procurar mais longe. Sofrendo com a dor de perder o amor que sentia, mas que partia à procura do amor que adivinhavaestar esperando por ele, no dia seguinte.
Talvez fosse ele que devesse ter escrito a história da sua vida e não eu. A vida dele foi sem dúvida mais interessante, mais cheia de aventura, mais cheia de mulheres bonitas. Enquanto eu, sou um chato. Que ama seus amigos com uma imensa devoção. Que ama a sua família e é fiel a quem ama. Que ama a Pátria onde nasceu um dia, e tudo faz para a honrar e engrandecer, onde quer que esteja.
O Marcos Leal não tem família e não tem Pátria. Ama a quem ama, com imensa intensidade. e se ama a Portugal, da forma como ama, não é porque o sinta Pátria, mas porque o sinta amante. E a família é para ele só e exclusivamente cumplicidade Eu que me preocupe com as regras do não mentir, do cumprir tudo o que se promete, de não falhar com os amigos, de estudar, de ler, tomar banho todos os dias, tirar os cotovelos de cima da mesa às refeições. A relação dele com os filhos é só cumplicidade.
E foi, nesta dualidade entre a responsabilidade e a procura, que fui percorrendo a estrada que estava à minha espera, desde o princípio do sonho e da vida. Com altos e baixos, como costuma acontecer com as estradas. Mas também com muita coerência.
_ Se fui feliz? Se ser feliz é juntar todos os momentos de felicidade, então eu diria que sim; fui muito feliz. Fui feliz, até, quantas vezes, na própria dor, já que até para ser feliz é preciso ter vocação. Todos nós conhecemos pessoas que já nasceram com 200 anos de idade, incapazes de sonhar ou realizar coisas novas. Que se sentam a uma mesa na noite de Natal e começam: - "Será que o peru não vai fazer-me mal? E essa fafofa, não irá provocar-me azia?"
São todos aqueles que toma calmante na noite de núpcias, com medo de ter insônia. Não poderão ser felizes nunca, até porque lhes falta vocação.
A minha mãe é que estava certa:
_ Filho, agradece sempre a Deus o teres nascido. Ele foi tão bom para ti.
E foi.

Rodrigo Leal Rodrigues

( aquele que não canso de homenagear - Cecília)

Monday, February 09, 2009

Metamorfose

Por que os clássicos são pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda?
AO SER indagado se não tinha esperanças, Kafka disse, "esperanças há muitas, mas não para nós". Janouch narra um dia em que ele, com 20 anos, disse a Kafka, então com 40, "hoje não estou entendendo nada do que você diz". Kafka respondeu "deve ser a misericórdia de Deus, porque sendo você jovem, e estando eu hoje pessimista, se você me entendesse, você ficaria mal". Confessa: "o pessimismo é meu pecado".Por que os clássicos são tão pessimistas? Seria o trágico uma moda? Três mil anos de moda? Improvável. Na sua coluna de 21 de janeiro, meu colega ilustrado (velha piada entre nós) Marcelo Coelho critica "meu" pessimismo. Colunistas que "matam a esperança" são supérfluos. O bom jornalismo opinativo é pautado pelo conflito de ideias, por isso, agradeço suas críticas. Ele acha que ao duvidar do Iluminismo reforço forças regressivas na experiência humana. Eu penso que o Iluminismo é que é regressivo porque caminha sobre fantasias enquanto os homens caminham sobre tumbas. Nós modernos somos a raça mais covarde que caminhou sobre a Terra. Não escrevo para tornar a vida do meu leitor melhor. Escrevo e leio para não me sentir só. Quando olho os "avanços" da nossa minúscula história, penso: como nos verão em mil anos? Como a decadência do século 17? Rirão de nós porque demos direitos aos ratos, enquanto fizemos dos bebês lixo reciclável pelo direito de gozar mais? Respondo a pergunta "o que eu acho da Revolução Francesa?" com "ainda é cedo pra dizer qualquer coisa". Imaginem dois africanos no século 19. Um vende o outro como escravo (negros vendiam negros). O escravo é levado para os Estados Unidos e lá sofre todo tipo de horror da escravidão. O outro fica livre e feliz na África. Adiantem o filme. O bisneto do escravo mora nos EUA, casa na praia, filhos na faculdade, e a esposa, bisneta de outro escravo, médica de sucesso. Voltem pra África. Muitos bisnetos do que ficou lá continuam a viver em seus buracos, matando-se do mesmo jeito (como acabou a escravidão, perderam a chance de vender seus "irmãos"). Famílias afundam na miséria. Qual é a moral desta história? Que a escravidão foi uma bênção para os afro-americanos porque os levou para os EUA? E a liberdade do outro, a maldição de seus bisnetos? Os afro-americanos, que hoje celebram a vitória do Obama, depois de muito sofrimento, diriam "ainda bem que nossos bisavós foram escravos"? Não! A escravidão é um horror. A questão é outra: qual o sentido da história humana? Nenhum. A história não é a luta entre a luz e as trevas. Não porque elas não existam, mas porque não sabemos identificar, com o microscópio das ideias claras e distintas de que dispomos, a trama infinita de suas relações. Um homem faz o que pode em meio a opacidade do mundo. Meu pecado é não fazer o marketing da democracia de massa. Falsos sentimentos são comuns nos homens, logo, quanto mais homens, maior a chance de mentira, por isso desconfio de bons sentimentos em grandes quantidades. Mais? Os índios não vivem em comunhão com a natureza, apenas ficaram na idade da pedra em técnicas de domínio da natureza, como muitos africanos que ficaram na África. A ciência e a política tampouco fazem os homens melhores. O mundo não é dividido entre elite má e pobre bom. Se a elite é cruel, o povo é violento e interesseiro. Os homens não são iguais, alguns são melhores. A igualdade ama o medíocre. É mentira que todo mundo possa julgar as coisas por si só. A propaganda desta mentira gera uma horda de invejosos que sonham em destruir quem eles julgam livres. Supérfluo? Mentira. Num mundo parasitado pelo marketing como forma de vida, ser pessimista é um método. Não se trata de dizer morbidamente "o mundo é mau", mas reconhecer que no humano a verdade é uma ferida incurável. A esperança que conta é a do animal ferido. Nada disso implica concordar com crianças mortas. O debate ao redor da esperança não é um problema do quão otimista somos, mas o que em nós nos faria colaborar com nazistas na França ocupada, além do medo. Manter o emprego? A chance de destruir alguém melhor do que eu? Tomar a mulher de alguém? Promoção pessoal? Nada mais banal, nada mais humano. Na "Metamorfose", Gregor Samsa, agora uma barata, vê a delícia que é caminhar de cabeça pra baixo com suas perninhas coladas ao teto. Sente-se finalmente feliz. A barata é a otimista em Kafka. luiz.ponde@grupofolha.com.br

Luiz Felipe Pondé