Wednesday, December 15, 2010

Susto
De amar e não ser amada
De deixar a vida passar em branco
De nada realizar
De ser diferente
Ter um destino diferente
E não aceitá-lo,
Não compreendê-lo
Medo
De ser deixada às traças
De a ninguém agradar
De ficar só
Eternamente
De me sentir tão só
Que a minha dor pareça única, total, incurável,
Incomunicável
Medo,
Que me faz seguir caminhos que não quero
Que parece não me deixar escolha
A não ser fingir ser outra pessoa
Mais aberta, mais solta
Mais firme em suas escolhas,
Tudo entendendo:
O que passou, o que se passa agora;
Dona do futuro, da própria vida,
um ser livre, em paz, vivendo conscientemente...

Cecília

Para tantas pessoas, frágeis em sua humanidade...


15-06-09

Sunday, December 12, 2010

Gênesis

Fernanda Torres

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Mann criou segunda Bíblia para entender a primeira, enquanto Robert Crumb idolatra as mulheres
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O FUNDO do poço já rendeu uma canção belíssima de Caetano Veloso, mas, de todas as obras baseadas em narrativas bíblicas, nenhuma alcança a profundidade de "José e Seus Irmãos".
A saga da família de Jacó, narrada de maneira seca e objetiva no livro sagrado, se transforma, nas mãos do alemão Thomas Mann, em três volumes fartos e detalhados a respeito dos sentimentos de pastores do Crescente Fértil e de faraós do Egito.
"José e Seus Irmãos" abre os trabalhos com uma parábola a respeito do milagre da encarnação e de como a força amalgamadora do amor uniu a carne ao espírito.
Mann, fiel ao prólogo, faz do amor o norte de sua criação, seja na paixão de Jacó por Raquel, que o leva a 14 anos de servidão a Labão, seja na predileção de Jacó por José, primogênito tardio de Raquel, ou na inveja dos irmãos de José, filhos das outras mulheres de Jacó.
Mann segue rigidamente o argumento sagrado, enquanto preenche de alma a carne enxuta das escrituras. As razões íntimas dos personagens, inexistentes no original, desabrocham na sua releitura, é de enlouquecer de tão belo. "José e Seus Irmãos" é leitura obrigatória, uma segunda Bíblia para entender a primeira.
Recentemente, dei cabo do "Gênesis" do artista americano Robert Crumb. Crumb, ao contrário de Mann, não acrescenta nem uma vírgula ao texto bíblico; é através da volúpia de seus traços que a carnalidade da obra se revela ao leitor.
As coxas grossas, as bundas duras e os bicos tesos dos peitos fartos de Crumb parecem ter nascido para ilustrar a ânsia dos hebreus de fazer valer as palavras de Deus: crescei e multiplicai-vos!
Os homens se deitam como touros com suas esposas, concubinas e escravas; para a atingir o mesmo fim, as mulheres se valem das mais impensáveis artimanhas. Um bom exemplo é o das duas filhas de Ló, sobreviventes de Sodoma e Gomorra, que embriagam o próprio pai e emprenham do progenitor para servir aos desígnios de Deus. Que mal há no incesto diante da ordem suprema de fundar uma nação populosa? O resultado é uma fornicação furiosa que faria ruborizar a mais liberta das devassas e deliciar o mais blasfemo dos cartunistas.
Crumb idolatra as mulheres. Se o amor foi o ponto de partida de Mann, o matriarcado velado da Bíblia foi a pedra fundamental da obra de Crumb. O americano se serviu de um livro chamado "Sarah, the Priestness", de Sevina Teubal, para compreender passagens obscuras para a moral de um ocidental hoje.
Como explicar que o nômade Abraão ofereça a própria mulher aos chefes poderosos de cada cidade que visite, dizendo se tratar de sua irmã? Seria Abraão o primeiro cafetão da história? E como entender o comportamento de Tamar, viúva de Er, filho de Judá, que, ao não ser dada como mulher ao cunhado, se vestiu de prostituta para ser possuída pelo sogro? A resposta estaria, segundo Sevina, em resquícios de um matriarcado ainda latente 3.000 anos antes de Cristo.
Talvez a crença de que o matriarcado seria uma versão mais humana do belicoso patriarcado tenha fundamento. Pode ser que a ideia de posse não fosse tão importante em uma sociedade dominada pelas mulheres. Depois de tantos anos de vitória masculina, é difícil projetar o que teria sido feito de nós se o matriarcado tivesse vingado.
Minhas ilusões a respeito da doce dominação feminina foram por água abaixo no dia em que assisti a um documentário sobre o comportamento das hienas. As fêmeas são o sexo forte nessa sociedade animal. A brutalidade e a feroz virilidade masculina cedem seu posto a uma hierarquia libidinosa, baseada em dominação por servidão lingual. As mais fortes tem a genitália lambida pelas mais fracas, até chegar a uma pobre hiena que satisfaz a todas e não é satisfeita por ninguém.
Dá o que pensar... Seríamos nós mais sensuais se as sacerdotisas da fertilidade estivessem no poder?
As taras de Crumb, sua devoção às curvas apetitosas das filhas de Eva, produziram a mais feminista das interpretações do Gênesis. Senti falta da delicadeza de Mann no trecho final de "José", mas devorei com volúpia as liberdades das Saras, Rebecas, Tâmaras, Lias e Raquéis.
Aconselho ler a Bíblia com o auxílio luxuoso de Crumb e Mann. A mulher e o homem. A carne e o espírito.
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Saturday, December 04, 2010

“Encontro doméstico”

A pequena lagartixa me encara, assustada.
Não me conhece.
Não sabe que não sou de nada,
que não faria mal a uma barata.
Antes, a olho com pena, pensando:
Poderia ser o inverso: eu lagartixa,
e ela este ser grande pensante.
Será que ela pensa?
Parece que sim, pois permanece
me encarando paralisada.
Eu, que tantas vezes me senti assim acuada,
tento ajudá-la a partir:
abro-lhe a janela, mas ela não sai...
Lá fora está frio, é noite.
Por mim, tudo bem,
desde que não invada meu espaço...
Pobrezinha, tão branca!
Parece até transparente.
Volto a pensar:
se fosse eu, assim tão frágil,
que desgraça!
Agora apago a luz, esperando que ela parta.
Acendo-a de novo e nada...
Então, tendo que sair,
deixo-a ali mesmo, no alumínio grudada
E tchau
Boa noite, boa sorte.
E até outra hora.
Mas recomendo aos que ficam,
que não a maltratem
Como é fácil comigo fazer amizade!...

Será que estou ficando louca?
Ou vazia de emoção é a minha vida?
Daqui a pouco estarei fazendo verso pra baratas!!!

Cecília