Thursday, December 08, 2011

Pentimentos

Contardo Calligaris
Sonhamos com escolhas passadas alternativas, que teriam nos levado a um presente diferente
"Pentimento" é a palavra italiana para arrependimento, mas designa (em muitas línguas) uma pintura, um desenho ou um esboço encoberto pela versão final de um quadro.
Às vezes, com o passar do tempo, a tinta deixa transparecer uma composição em cima da qual o artista pintou uma nova versão.
Outras vezes, os raios-x dos restauradores desvendam opções anteriores, que permaneceram debaixo da obra final. Esses esboços ou pinturas, que o artista rejeitou e encobriu, são os pentimentos, que foram descartados sem ser propriamente apagados.
Visível ou não, o pentimento faz parte do quadro, assim como fazem parte da nossa vida muitas tentações e muitos projetos dos quais desistimos. São restos do passado que, escondidos e não apagados, transparecem no presente, como potencialidades que não foram realizadas, mas que, mesmo assim, integram a nossa história.
Pensei nisso assistindo a "Um Dia", de Lone Scherfig, que estreou na sexta passada. O filme é a adaptação do romance homônimo de David Nicholls (Intrínseca), que foi uma das leituras que mais me tocaram neste ano e que já comentei brevemente na coluna de 21 de julho.
O livro e o filme (cujo roteiro é do próprio Nicholls) contam a história de Emma e Dexter, que são unidos pelo pentimento: cada um deles é o grande pentimento do outro -ou seja, ao longo dos anos, cada um é, para o outro, a lembrança de que um outro destino teria sido possível.
Reflexões, saindo do cinema:
1) Nossas vidas são abarrotadas de caminhos que deixamos de pegar; são todos pentimentos, mais ou menos encobertos: histórias que não se realizaram. Por que não se realizaram? Em geral, pensamos que nos faltou a coragem: não soubemos renunciar às coisas das quais era necessário abdicar para que outras escolhas tivessem uma chance. E é verdade que, quase sempre, desistimos de desejos, paixões e sonhos porque custamos a aceitar que nada se realiza sem perdas: por não querermos perder nada, acabamos perdendo tudo.
Emma e Dexter, por exemplo, ficam cada um como pentimento do outro porque nenhum dos dois consegue renunciar à sua insegurança (que é, aliás, o que os torna tão tocantes e parecidos com a gente): ela morrendo de medo de ser rejeitada, e ele, sedento de aprovação, fama e sucesso.
2) O problema dos pentimentos é que eles esvaziam a vida que temos. O passado que não se realizou funciona como a miragem da felicidade que teria sido possível se tivéssemos feito a escolha "certa". Diante disso, de que adianta qualquer experiência presente? Emma e Dexter, por exemplo, são condenados a fracassos amorosos pela própria importância de seu pentimento.
3) Nem sempre os pentimentos são bons conselheiros -até porque, às vezes, eles são falsos (esse, obviamente, não é o caso de Emma e Dexter). Hoje, é fácil esbarrar em espectros do passado: as redes sociais proporcionam reencontros improváveis e, com isso, criam pentimentos artificiais. Graças às redes, uma história que foi realmente apagada da memória (não apenas encoberta) pode renascer como se representasse uma grande potencialidade à qual teríamos renunciado.
No reencontro, um namorico da adolescência, insignificante e esquecido, transforma-se em (falso) pentimento, ou seja, numa aventura que poderia ter aberto para nós as portas do paraíso (onde ainda estaríamos agora, se tivéssemos ousado trilhar esse caminho).
Quando examino as fotos de minhas turmas do colégio, sempre fico com a impressão de que deixei amizades e amores inacabados ou nem começados, mas que teriam revolucionado meu futuro. É como se me perguntasse "Quem era minha Emma? Para quem eu era o Dexter?", fantasiando pentimentos de relações que nunca existiram.
Somos perigosamente nostálgicos de escolhas passadas alternativas, que teriam nos levado a um presente diferente. Se essas escolhas não existiram, somos capazes de inventá-las -e de vivê-las como pentimentos.
Avisos: os pentimentos não são necessariamente recíprocos, e os falsos pentimentos, revisitados, são pequenas receitas para o desastre.

Monday, December 05, 2011

Melhor idade?

Talvez seja isso envelhecer
Não ter sonhos e não dar a mínima por não tê-los
Sentir um peso que doença nenhuma justifica
Ter pensamentos tristes
Esperar que alguém chegue, trazendo luz e alegria
Por que alguém? Não se pode sair sozinho da letargia?
Talvez sim, mas a felicidade tornou-se fugidia... distante.
Luta insana, desigual, a exigir empenho, pouco descanso,
que a tristeza pega,ou lembranças(tristes lembranças).

Preencher o tempo numa Felicidade sem sonhos:
É este o desafio, coisa para gente grande:
Sem o olhar pra frente, um esforço que não tem tamanho...

Cecília

Friday, October 07, 2011

O sentido faz falta?

CONTARDO CALLIGARIS



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A gente procura um sentido para a vida somente quando o cotidiano perde sua graça e seu encanto
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É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro".
Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?".
Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver.
Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma.
Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.
Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido.
A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto.
Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".

Wednesday, October 05, 2011

Blue Valentine

Crítica: Namorados para Sempre

Fred Burle

Terminar um relacionamento não é fácil. Às vezes, começar também não. A verdade é que mantê-lo é que é o mais difícil. Ora com poesia ora sem poesia alguma, é com esta visão realista que o diretor Derek Ciafrance transpõe para a tela um dos amores mais comuns: aquele que é baseado na ocasião, quando nunca realmente existiu.


Dean (Ryan Gosling) e Cindy (Michelle Williams) não vivem o melhor dos momentos no casamento, mas fazem de tudo para esconder isso da filha. Ele faz de tudo para melhor a situação, mas ela, por algum motivo, não parece mais disposta a trilhar aquele caminho.


Por mais que o personagem de Ryan Gosling seja extremamente bonzinho e simpático, fica claro que existem motivos reais para a frustração da mulher. É com uma montagem sutil e de difícil leitura – para o espectador acostumado a linearidades – que o filme explicará, bem aos poucos, indo e vindo através dos anos, porquê o casamento não deu certo.


O primeiro quarto do longa é dedicado a construir a mise-en-scène de crise, deixando fértil o terreno para o que se segue. “Como confiar nos seus sentimentos, quando eles desaparecem?”, pergunta a filha. “Acho que você só poderá descobrir, se tiver o sentimento”, responde a avó. Naquele diálogo aparentemente solto no meio do filme reside a chave para a sua total compreensão.


Salvo raros momentos românticos encantadores – vide Cindy dançando na rua ao som do banjo de Dean – é no clima depressivo que o filme se baseia. É num quarto de motel, de decoração futurista, capenga e azulada que o diretor encontra o cenário perfeito para desenvolver o seu blue valentine.


Ryan Gosling ficou fora do Oscar, infelizmente, mas a justiça se fez pela indicação de Michelle. Sua Cindy soa misteriosa, é menina, vadia, mãe, enfermeira, frígida e fogosa. Tudo ao mesmo tempo. Defeituosa e qualitativa, é afinal, absolutamente humana.


A fervura ou frieza do casal não é fruto do acaso. É influenciado por circunstâncias, pessoas e desejos oprimidos. O que se passa hoje é resultado do que foi construído desde o passado. O longa nos joga na cara que, por estas e por outras, não podemos julgar as atitudes de cada um (por mais estranhas que pareçam no momento), sem sabermos exatamente o quê as levou a cometê-las.


Filme de baixíssimo orçamento (apenas 1 milhão de dólares), “Blue Valentine” é mais um indie que mostra que a força de uma obra está no seu roteiro e na paixão com que seus envolvidos a realizam. Com depressão e realismo, mostra que a música que embala o amor pode ser a mesma que embala o ódio e a mágoa.

Blue Valentine

Um belo filme

" Anti-Romance" para incomodar quem ama
Direção delicada, roteiro cruelmente realista e performances inspiradas unem-se para “desmascarar” o mais tradicional dos vínculos afetivos em uma história sobre o amor e como ele se dilui.


Darlano Didimo



História de amor é o tema preferido do cinema mundial, dando origem a inúmeras produções recentes que, em sua maioria, optam por satisfazer o espectador com um final feliz. E quem não gostaria de viver um romance como os de Hollywood? Encontrar a pessoa certa, ser correspondido, iniciar o relacionamento e sustentá-lo até o fim da vida de ambos (ou pelo menos durante um período que torne a experiência inesquecível) é o sonho de nove em cada dez pessoas. “Namorados Para Sempre” também tem essa fatia fantasiosa, mas faz questão de fazê-la desmoronar com uma segunda linha de tempo que coloca a dura realidade da vida a dois em evidência.

Estreia de Derek Cianfrance nos cinemas, o filme exibe a vida de Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), primeiramente um jovem casal que se conhece pelas artimanhas do destino. Ele é um ajudante de mudanças, enquanto ela estuda para cursar medicina. A paixão brota e os dois iniciam um bonito relacionamento, nem mesmo atrapalhado por um marcante descuido. Os anos passam e depois já os acompanhamos como marido e mulher. A chama do amor, porém, desapareceu e a separação do antes casal unido parece inevitável. O que teria acontecido nesse intervalo de tempo?

Cianfrance prefere não dá respostas. Cabe ao público, especialmente a quem já viveu esse tipo de experiência, preencher a lacuna e se identificar ou não com a história de vida de Cindy e Dean. Mas mesmo que ela não se encaixe no seu perfil, o diretor e roteirista (que nessa função reparte o trabalho com Cami Delavigne e Joey Curtis) faz ser doloroso acompanhar algo que se não tinha tudo para se tornar eterno, pelo menos jamais poderia ter um ponto final tão amargo. Desconstruindo a cultuada instituição casamento e indo contra a corrente do cinema norte-americano o qual representa, o cineasta nos presenteia com um filme que é uma mistura de sentimentos, mas que, acima de tudo, incomoda.

Incomoda por ser visceral, propositalmente destituído de idealizações e comprometido com a verdade que defende. A câmera sempre próxima ao rosto dos personagens revela o desgaste causado pela convivência diária, a dificuldade de criar uma filha e sustentar o lar ou de simplesmente concordarem sobre um assunto banal. Uma inexplicável competividade tomou o lugar do amor e ambos parecem mais felizes sozinhos. Nem mesmo o sexo os faz se entenderem. A passividade provoca o domínio do outro, como tem sido aparentemente com a quieta Cindy, enquanto a argumentação leva a confrontos físicos.

A imaturidade do rapaz continua. Se antes ela causava surpresas agradáveis ou apenas demonstrava a vontade dele de permanecer ao lado da garota, agora ela se tornou um empecilho para que continuem juntos. As bebedeiras revelam um Dean agressivo, sem tolerâncias, sem capacidade de encontrar um emprego. Cianfrance, enfim, o culpa pelo fim do casamento, justificando muito bem a opção ao construir personagens que sem mantém distante de vilões e mocinhos. Eles são complexos e dramáticos, vivem em casa simples e não têm luxos. Podem até ser bonitos, mas o charme ficou pra trás.

Ficou na época em que se conheceram. E o charme nessa linha de tempo do longa não está apenas no casal, mas também na direção de Derek Cianfrance. Delicado como poucos, ele sabe como desenvolver o nascimento de uma paixão, orquestrando cenas que, mesmo com um alto grau de naturalismo, exalam magia, utilizando-se com sabedoria da tocante trilha sonora de Grizzly Bear ou dispensando-a quando o som é feito pelos próprios protagonistas, como na sequência em que Cindy dança enquanto Dean toca ou, na melhor de todas elas, quando os dois escutam música na cama.

O resultado final de “Namorados Para Sempre”, no entanto, não seria o mesmo se não fosse Michelle Williams e Ryan Gosling. A química é visível entre os dois, assim como cessa quando necessário. O desempenho individual merece ainda mais destaque. Gosling surge autêntico e carismático, para depois interpretar um Dean trágico e irresponsável, que não mais leva rosas e sim a um motel de extremo mau gosto. Já Williams mostra porque é uma das melhores atrizes em atividade, justificando sua indicação ao Oscar por meio de uma personagem que encanta sem fazer esforço e que dá dó apenas de olharmos para o seu rosto expressivo.

Mesmo com a lembrança de Williams na temporada de premiações, o filme merecia mais reconhecimento. Mas nem todo mundo sabe lidar com a dor da realidade, com o fato de que o casamento pode não ser a etapa mais bonita de uma vida. Derek Cianfrance defende sua polêmica visão de mundo da forma mais doída possível, felizmente, revelando-se um cineasta que merece ser acompanhado de perto pelos cinéfilos.

P.S.: Não se deixe enganar pelo título brasileiro do filme. “Namorados Para Sempre” é o medíocre nome encontrado pela Paris Filmes para enganar o espectador que busca um romance comum. O título original, “Blue Valentine”, que significa algo como “namorado triste”, é bem mais apropriado.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

Sunday, October 02, 2011

O mercado está condenado

Barbara Gancia


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'Em 12 meses, milhões vão sumir. Isso é só o começo. O pior risco é não fazer nada. Proteja seus ativos'
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REPERCUTIU ATÉ no dogão da dona Maria o show que um operador de mercado deu na BBC nesta semana. Chamado a opinar sobre a crise, ele foi tão contundente que fez a entrevistadora admitir: "O senhor acaba de derrubar o queixo de todos no estúdio".
De fato, o quadro pintado pelo zé-mané foi aterrorizante, um desalento para quem tem ainda alguma ilusão quanto a democracia e o capitalismo. O seu emprego, meu dileto leitor, sua poupança, sua reles existência, aparentemente, nada disso interessa ao sistema financeiro globalizado. Ninguém quer saber, inclusive, do seu voto ou impostos.
Estamos cansados de ouvir essa verdade ser contada pela boca de filósofos como Slavoj Zizek, que vivem de detonar o sistema. Mas quando a crítica vem de dentro apavora um tico a mais.
O operador independente Alessio Rastani (apelido "Ratfuck") foi tão rústico em sua análise sobre a crise na Europa que lembrou Roberto Jefferson quando o deputado apontou o dedo para o então ministro José Dirceu.
O vídeo está aqui youtu.be/BMrHo0Alexw , mas não precisa sair correndo para assistir que eu conto tudo. Antes, porém, algumas considerações sobre a motivação do senhor Rastani.
A mim realmente não importa se o operador é ex-funcionário de algum grande fundo, se tomou um chute no fiofó da Goldman Sachs, se agiu movido por ressentimento ou se expôs os fatos em toda a crueza porque a mulher passou a noite com dor de cabeça.
Tem gente dizendo que se trata de mercenário ou impostor. Ora, será que é tão difícil assim aceitar que até um "trader" possa ter alma? Em vez de insultá-lo, eu lhe daria um troféu. Nunca vi usar de tamanha objetividade para descrever situação tão complexa.
Se você também consegue pressentir que os pacotes foram insuficientes, que falta regulamentação, que nada do que estava errado foi corrigido e que poucos controlam toda a flutuação, também saberá apreciar o que ele disse.
Ele abre sentenciando que "O mercado está condenado". A entrevistadora pergunta o que se deve fazer. "Veja, não tenho esse tipo de preocupação", diz. "Sou um operador de mercado, se enxergo uma oportunidade de ganhar dinheiro, corro atrás. Não é problema meu como vão sanear a economia. Pessoalmente, venho sonhando com esta crise há três anos. Vou confessar uma coisa: eu vou para a cama toda noite sonhando com uma nova recessão, com um momento como este".
Não é de morder uma pessoa capaz desta candura elevada? Rastani continua: "Muita gente ganhou com a crise de 29 e isso não é só para uma pequena elite, é para todos. Quando o mercado despenca, quem planejou pode ganhar com estratégias de 'hedging' e investindo em títulos do governo. Daqui a 12 meses, a poupança de milhões de pessoas irá desaparecer. E isso é só o começo. O pior risco que você pode correr hoje é não tomar providências. Proteja seus ativos. Esta crise é como um câncer. Não se deve esperar que o governo resolva. Prepare-se. Governos não mandam no mundo, quem manda é a Goldman Sachs". E viva a volatilidade! Amigo meu, mestre do universo em pé de igualdade com Gordon Gekko e Sherman McCoy, só ficou decepcionado com essa última parte da fala. "Teria preferido vê-lo desprezar a Goldman Sachs, não é tudo isso, não", disse-me. "De resto, porém, o camarada não errou". Bora andar de montanha-russa, então!

Tuesday, September 20, 2011

Novamente viva

E de repente sua alegria me invadiu
e com ela um sabor diferente na vida:
doce, gostoso,irresistível
mesmo para alguém com dosagem alta de glicemia...

De repente seu jeito casual e simples
despertou em mim a vontade de vestir um jeans
e sair por aí atrás de um picolé de coco,
de um filme bacana no cinema do bairro,
seguido por caminhada pelas ruas de mãos dadas
rindo de bobagens, achando tudo engraçado...

De repente, ante a sua presença
renasceu em mim a vontade de ver a praia, o mar,
e sob sol intenso conversar...conversar... até cansar
E no silêncio a seguir
ainda curtir
o prazer da companhia
o dia
a vida...

Cecília
20-09-11

Protocolos do afeto

LUIZ FELIPE PONDÉ



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A prática do afeto na convivência em família pode ser apenas protocolo para despistar o desespero
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Famílias podem ser máquinas de moer gente. Uma das marcas de nossa fragilidade é depender monstruosamente de laços tão determinantes e ao mesmo tempo tão acidentais. O acaso de um orgasmo nos une.
Em meio a jantares e almoços intermináveis, o horror escorre invisível por entre os corpos à mesa.
Talvez muitos pais não amem seus filhos e vice-versa. Quem sabe, parte do trabalho da civilização seja esconder esses demônios da dúvida sob o manto de protocolos cotidianos de afeto.
Até o darwinismo, uma teoria ácida para muitos, estaria disposta a abençoar esses protocolos com a sacralidade da necessidade da seleção natural. Mesmo ateus, que costumeiramente se acham mais inteligentes e corajosos, tombam diante de tamanho gosto de enxofre.
Pergunto-me se grande parte do sofrimento psíquico e moral de muita gente não advém justamente da demanda desses protocolos de afeto. Da obrigação de amar aqueles que vivem com você quando a experiência desse mesmo convívio nos remete a desconfiança, indiferença, abusos, mentiras e mesmo ódio.
A horrorosa verdade seria que existem pessoas que não merecem amor? Pelo menos não de você. Mas você é obrigado a amar irmãos, filhos, pais, avós, e similares. E, se não os amar, você adoece.
Um sentimento vago de desencontro consigo pode ocorrer se um dia você se perguntar, afinal, por que deve amar alguém que por acaso calhou de ter o mesmo sangue que você? Alguém que é fruto de um ato sexual entre o mesmo homem e a mesma mulher que o geraram em outro ato sexual.
Quem sabe a força do "mesmo sangue" seja uma dessas coisas que a experiência moderna esmagou, assim como a crença, para muita gente já vazia, no sobrenatural, na providência divina ou no amor romântico. Sim, o niilismo teria aí uma de suas últimas fronteiras?
É comum remeter esse vazio da perda dos vínculos de afeto ao mundo contemporâneo da mercadoria. Apesar de ser verdade que os laços humanos se desfazem sob o peso do mundo do capital, parece-me uma ingenuidade supor que o mal da irrealidade dos afetos seja "culpa" do capital.
É fato que a modernidade destrói tudo em nome da liberdade do dinheiro, mas é fato também que não criou a espécie em sua miséria essencial. A melancolia tem sido a verdade do mundo muito antes da invenção do dólar.
Por que devo amar alguém apenas porque essa pessoa me carregou em sua barriga por nove meses? Ou porque penetrou, num momento de prazer sexual, a mulher que iria me carregar em sua barriga por nove meses?
Por alguma razão, questões como essas parecem mais sagradas do que Deus, o bem e o mal, ou a vida após a morte. Como se elas devessem ser objetos de maior fé do que as religiosas. Ou porque elas garantem a convivência miúda e tão necessária para a estabilização da sociedade. Só monstros colocariam em dúvida tal sacralidade.
Mas quantas horas nós passamos vasculhando nossas almas em busca de afetos que, muitas vezes, podem ser o contrário do que deveríamos sentir? Ou não achamos nada além da indiferença?
Às vezes, a pergunta pelo amor pode ser apenas um protocolo contra o desespero.
Estamos preparados para pôr em dúvida a normalidade sexual no caso de mulheres que gostam de fazer sexo com cachorros, mas não estamos preparados para suspeitar que grande parte de nosso amor familiar não passe de protocolo social.
Rapidamente, suspeitaríamos que estamos diante de pessoas doentes e sem vínculos afetivos.
Por que, afinal, mulheres homossexuais correm em busca de "misturar" óvulos de uma com a barriga da outra, como se, assim, mimetizassem o coito reprodutivo heterossexual? Será que é amor por uma criança que ainda nem existe ou apenas um desejo secreto de ser "normal"?
Ter filhos é prova desse amor ou apenas um impulso cego que se despedaça a medida que os anos passam?
Um dos nossos maiores inimigos somos nós mesmos, mais jovens, quando tomamos decisões que somos obrigados a manter no futuro. Com o tempo, algo que nos parecia óbvio se dissolve na violência banal de um dia após o outro. Como que diante de um espelho de bruxa.

Wednesday, September 14, 2011

Rebobine, por favor

ANTONIO PRATA



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Se eu batesse as botas agora, meu filme talvez começasse com um momento desses que a gente não se dá conta
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Não acredito em Deus nem em qualquer bônus ou penalidade para além do último suspiro. Como diria meu tio Carlão, botafoguense e, portanto, homem desprovido de ilusões: "Acabou, já era". A frase pode não ser das mais líricas, mas tampouco o é a morte, caro leitor, e envolvê-la em fumos literários serve apenas, como as flores sobre a cova, para disfarçar o mau cheiro que exala do assunto. Melhor é tomar o fim pelo que é: prosaico cessar de reações químicas e impulsos elétricos; bug derradeiro, tão certo quanto irreversível.
Mesmo não tendo a menor esperança de acréscimos ao tempo regulamentar, devo admitir que alimento uma expectativa, não diria "post-mortem", mas "in-mortem": gostaria muito que fosse verdade aquele papo de que, no instante em que se fecham as cortinas, a vida inteira passa na tela do pensamento, em marcha a ré, como uma fita sendo rebobinada.
Tal acontecimento nada teria de metafísico, seria apenas uma reação de nosso cérebro ao apagar das luzes, como um sonho, um delírio. E, como todo sonho, este REM final não primaria pela linearidade, indo de uma ponta a outra de nossa existência aos rodopios.
Se eu batesse as botas agora, meu filme talvez começasse com um momento de prazer corriqueiro, desses de que a gente nem se dá conta, ocupado por alguma tarefa tão urgente quanto desimportante. O calor do sol no rosto, por exemplo, ao abrir a porta pela manhã, para pegar o jornal. O sol, quem sabe, me remeteria a uma tarde da adolescência, na Bahia. O som do mar, a brisa, uma garota me fazendo um cafuné, depois de anos de batalha para que uma garota me fizesse um cafuné -y otras cositas más... Do calor da Bahia ao inverno paulistano, não faz muito tempo: estou sendo apresentado a meu amor. Eu a beijo. Surjo num bar com três amigos queridos, duas e meia da manhã: temos 25 anos e, aos brados, resolvemos todos os problemas da humanidade, anotando as soluções em guardanapos que, logo mais, esqueceremos sobre a mesa. Agora vejo a multidão de cima dos ombros do meu pai, na comemoração de uma vitória do Corinthians, na Paulista. Dou uma cambalhota na piscina de um sítio e a coisa vai ficando abstrata. Há uma sucessão de sabores e cheiros. Boio em brigadeiro, nado em vinho. Refogue alho e cebola, inconsciente! Traga-me uma picanha, exijo cheiro de jasmim! Beatles! Quero ouvir Blackbird mais uma vez! Veja só, minha avó. Três pedaladas na sequência, na bicicleta sem rodinhas. Agora um peito: quando menos espero, surge o útero -e o resto é silêncio.
(Claro, haveria tristezas, também, neste crepúsculo boreal. Pés na bunda ou na quina do móvel, solidão e medo: mas no cômputo geral, uma aflição seria consolada por um pomar, o tédio por um Mark Twain, uma angústia pela visão de minha mulher, de manhã cedinho, passando hidratante nas pernas.)
Talvez, durante esta última sessão de cinema, ter vivido uma boa vida, afinal de contas, fizesse sentido, e o prazer do resumo seria uma espécie de brinde, de bem-casado que se come na saída da festa -mas, infelizmente, não se leva nos bolsos, pois levar é verbo transitivo e mortos, que pena, não transitamos mais.

Monday, September 12, 2011

Marketing Francês

LUIZ FELIPE PONDÉ


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Nada há na Revolução Francesa que remotamente tenha a ver com liberdade, igualdade e fraternidade
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A Revolução Francesa (1789-1799) é um fenômeno de marketing. Foi importante para medirmos a febre de um país sob um rei incompetente e não para nos ensinar a vida cotidiana em democracia.
Nada há na Revolução Francesa que tenha a ver com liberdade, igualdade e fraternidade. Essas palavras são apenas um slogan que faz inveja a qualquer redator publicitário.
Esse slogan, aliado ao que os revolucionários fizeram (mataram, roubaram, violentaram, enfim, ideologizaram a violência em grande escala), é uma piada.
É uma aula de marketing político: todo mundo cita a Revolução Francesa como ícone da liberdade.
O marketing da revolução ficou a cargo da filosofia. Primeiro caso na história de um fato claramente ideologizado para vermos nele outra coisa. Os "philosophes" do Iluminismo contribuíram muito para essa matriz do marketing político de todos os tempos, a Revolução Francesa.
Começa com a criação da ideia de que existe uma coisa chamada "povo que ama a liberdade" para além da violência que ele representa quando desagradado.
"Povo" é uma das palavras mais usadas na retórica democrática e mais sem sentido preciso.
A única precisão é quando há violência popular ou quando muitos morrem de fome por conta da velha miséria moral humana.
As "cheerleaders" da primavera árabe têm orgasmos nas ruas de Damasco, Trípoli, Cairo e Tunis. Já imaginam os árabes lendo Rousseau, Marx e Foucault (que, de início, "adotou" a revolução iraniana).
Dançam para esses movimentos como se ali não estivessem em jogo divisões religiosas atávicas do próprio islamismo, quase total ausência de instituições políticas, tribalismo atroz, grupos religiosos fanáticos muito próximos do crime organizado, para não falar do óbvio terrorismo.
De vez em quando, o "povo" mata, lincha, violenta e destrói cidades, a casa dos outros e o diabo a quatro.
Mas como (e isso é um dado essencial do efeito do marketing da Revolução Francesa) pensamos que o mundo começou em 1789, achamos que o "povo" nunca destruiu tudo o que viu pela frente antes da queda da Bastilha.
A historiadora americana Gertrude Himmelfarb, em seu livro essencial "Caminhos para a Modernidade", publicado no Brasil pela É Realizações, chama o iluminismo francês de "ideologia da razão", com toda razão.
Os "philosophes" criaram um fantasma chamado "la raison", que seria a deusa dos revolucionários.
Se no plano bruto "la raison" justificaria assassinatos nos tribunais populares (que deixam as "cheerleaders" dos movimentos populares até hoje em orgasmo), no plano sofisticado do pensamento, seria a única capaz de entender e organizar o mundo desde então.
Esse fantasma da "la raison" nada tem a ver com a necessária faculdade humana de pensar para além dos desejos e medos humanos, que é muito dolorosa e rara.
Ela é uma deusa mítica que ficaria no lugar do Deus morto, dando a última palavra para tudo.
Foram muito mais os britânicos e americanos que nos ensinaram a vida cotidiana em democracia. Mas o iluminismo anglo-saxão não foi marqueteiro.
Nas palavras de Himmelfarb, os britânicos, com sua "sociologia das virtudes", buscavam compreender como as pessoas e as sociedades geram virtudes e vícios. Entre elas, a benevolência e o hábito de respeito à lei comum.
Os filósofos americanos criaram uma "política da liberdade", nas palavras de Himmelfarb.
Eles associavam a qualidade de pensadores a de homens políticos práticos que investigavam a liberdade, não como uma ideia abstrata, mas como algo a ser preservado pela lei da tentativa contínua do homem em destruí-la em nome de qualquer delírio.
Daí as instituições americanas serem as mais sólidas, até hoje, em termos de defesa dos indivíduos contra os delírios do governo e do Estado.
Os britânicos e os americanos nos ensinaram a liberdade que conhecemos e que dá a você o direito de dizer e pensar o que quiser nos limites da lei.
É hora de deixar nossos alunos lerem mais Locke, Hume, Burke, Tocqueville, Stuart Mill, Oakeshott, Berlin, os federalistas e antifederalistas, Rawls, Strauss e não apenas Rousseau, Marx e suas crias.

E se o futuro chegasse hoje?

GUSTAVO CERBASI


Esqueça a ideia de poupar para consumir todo seu dinheiro no futuro.
Você já sabe que, para ter as finanças em equilíbrio, precisa poupar parte do que ganha. O motivo para isso? Garantir condições de desfrutar de um futuro que pode não ser tão abastado quanto hoje, ao menos em termos de oportunidades de trabalho.
Pequenas porções de dinheiro plantadas hoje serão multiplicadas por suas escolhas de investimento e podem se transformar no seu ganha-pão de amanhã. Porém você corre o risco de, uma vez motivado a poupar, entusiasmar-se com os investimentos ou com os negócios e, viciado no processo de enriquecimento, esquecer de viver o hoje.
Em minha experiência como consultor, acompanhei diversos casos de consumidores compulsivos que se transformaram em poupadores também compulsivos. Não ganharam nada com isso, apenas trocaram 8 por 80.
Não há vantagem em poupar em excesso, pois assim você abre mão de um nível de consumo e de conforto que pode lhe trazer bem-estar e contribuir para uma benéfica movimentação da economia.
Além disso, de pouco adiantará ter muito dinheiro amanhã se você se acostumar a viver de maneira exageradamente simples. Porém algo deve ser poupado, e seu desafio é encontrar o equilíbrio entre quanto gastar e quanto poupar.
Não estou propondo nenhuma tese nova ao sugerir que você pondere o quanto vale a pena pensar no futuro. Eduardo Giannetti, em seu livro "O Valor do Amanhã" (Companhia das Letras), discute longamente o assunto e nos explica que tendemos a dar maior importância ao presente do que ao futuro.
Não é preguiça ou negligência, mas sim uma defesa natural. Talvez em um nível não muito consciente, nosso cérebro tenta nos convencer de que é melhor gastar nosso dinheiro já.
Isso será verdade, caso uma fatalidade venha a encerrar nossa vida ainda hoje -um risco real que acomete a todos nós.
Porém vivemos também o risco de sermos abençoados pela evolução da medicina e da educação, tornando viável viver por mais tempo do que nossos pais. Se gastarmos demais, nos arrependeremos.
Consequentemente, temos de evitar gastar a ponto de inviabilizar nossa possível sobrevivência por mais de um século, mas também evitar poupar a ponto de nos arrependermos se o futuro chegar para nós cedo demais. Equilíbrio é a palavra-chave.
O ideal é que você gaste com qualidade o quanto pode hoje, e poupe com inteligência o mínimo de que precisa para que seu interessante padrão de consumo não falte amanhã. Isso é bom para você e para toda a cadeia produtiva que é movimentada pelo dinheiro que você põe para trabalhar.
Rico não é aquele que tem um patrimônio inesgotável, mas sim quem obtém satisfação e sentimento de realização durante a maioria dos minutos de seu dia e com a maioria dos reais que consome a cada mês, ao mesmo tempo em que poupa o suficiente para não perder essa prazerosa sensação, se o futuro demorar a acontecer.
Se for um jovem, talvez esse rico tenha poucas reservas financeiras, mas o suficiente para estar bem se mantiver com disciplina seu ritmo de poupança por toda a vida. Se não vier a viver muito, não deixará muito dinheiro, mas terá vivido bem.
Se estiver feliz com seu trabalho e se mantiver poupando por muitos anos, talvez corra o risco de não consumir o dinheiro poupado.
Mas é aqui que cabe o início de outra importante discussão entre os brasileiros: esqueça a ideia de poupar para consumir todo seu dinheiro no futuro!
Se pensar assim, talvez comece a consumir cedo demais, e vai acabar morrendo de ansiedade pelo esgotamento do dinheiro, e não de causas naturais. Não vale o risco.
Poupe o suficiente para ter certeza de que não faltará dinheiro. Se deixar herança, sorte dos herdeiros. Se viver mais, sorte deles também, de contarem com a rica presença de seu ascendente por mais tempo.
Por esse raciocínio, nada traduz melhor o conceito de riqueza do que a segurança proporcionada pela sustentabilidade de nossas escolhas. Pense nisso, ainda hoje.

GUSTAVO CERBASI é autor de "Casais Inteligentes Enriquecem Juntos" (ed. Gente) e "Investimentos Inteligentes" (Thomas Nelson).

Retrato

Hoje Tetê me trouxe uma lembrança de mim
Memória do meu rosto de menina:
Cabelos repartidos e presos lateralmente
Olhos grandes, longas pestanas
Rosto redondo de anjo
Olhar penetrante, curioso, observador
Tive saudade de mim,
De um tempo que só se foi externamente
Pois continua dentro de mim
Tetê, que mágica você fez!...
Estava tão distraída...
Você me trouxe de volta para mim...

Cecília
11- -09-11

Friday, July 08, 2011

Ordem e Caos



Ordem

A mesa posta
A garrafa cheia
O desejo contido
O equilíbrio
O cabelo feito
A casa arrumada
Tempo presente privilegiado
Noite e dia adequadamente vividos
Sonho e realização na mesma proporção
Controle, contenção

- Talvez só fora de nós
a ordem, a perfeição-



Caos

Embalagem vazia
A cama desfeita
Água vazando pela torneira
O coração em frangalhos
Incoerência,
Desligamento
Improviso
Cabelos em desalinho
Olhar perdido
E à flor da pele as emoções


Nas linhas que se misturam, entrelaçam
Minha vida, meu retrato
Fragmentos talvez de outras vidas
Luz, sombra, alternância, repetição...


Cecília

Inspiração em desenho de M. C. Escher
Exposição no CCBB de São Paulo em julho 2011

Tuesday, June 14, 2011

Meu irmão Kierkegaard

LUIZ FELIPE PONDÉ

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Somos um nada que ama. Tanto a angústia como o amor são "virtudes práticas" que demandam coragem
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QUANDO VOCÊ estiver lendo esta coluna, estarei em Copenhague, Dinamarca, terra do filósofo Soren Kierkegaard (1813-1855), pai do existencialismo. Ao falarmos em existencialismo, pensamos em gente como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Albert Camus, tomando vinho em Paris, dizendo que a vida não tem sentido, fumando cigarros Gitanes.
O ancestral é Pascal, francês do século 17, para quem a alma vive numa luta entre o "ennui" (angústia, tédio) e o "divertissement" (divertimento, distração, este, um termo kierkegaardiano).
O filósofo dinamarquês afirma que nós somos "feitos de angústia" devido ao nada que nos constitui e à liberdade infinita que nos assusta.
A ideia é que a existência precede a essência, ou seja, tudo o que constitui nossa vida em termos de significado (a essência) é precedido pelo fato que existimos sem nenhum sentido a priori.
Como as pedras, existimos apenas. A diferença é que vivemos essa falta de sentido como "condenação à liberdade", justamente por sabermos que somos um nada que fala. A liberdade está enraizada tanto na indiferença da pedra, que nos banha a todos, quanto no infinito do nosso espírito diante de um Deus que não precisa de nós.
O filósofo alemão Kant (século 18) se encantava com o fato da existência de duas leis. A primeira, da mecânica newtoniana, por manter os corpos celestes em ordem no universo, e a segunda, a lei moral (para Kant, a moral é passível de ser justificada pela razão), por manter a ordem entre os seres humanos.
Eu, que sou uma alma mais sombria e mais cética, me encanto mais com outras duas "leis": o nada que nos constitui (na tradição do filósofo dinamarquês) e o amor de que somos capazes.
Somos um nada que ama.
A filosofia da existência é uma educação pela angústia. Uma vez que paramos de mentir sobre nosso vazio e encontramos nossa "verdade", ainda que dolorosa, nos abrimos para uma existência autêntica.
Deste "solo da existência" (o nada), tal como afirma o dinamarquês em seu livro "A Repetição", é possível brotar o verdadeiro amor, algo diferente da mera banalidade.
É conhecida sua teoria dos três estágios como modos de enfrentamento desta experiência do nada. O primeiro, o estético, é quando fugimos do nada buscando sensações de prazer. Fracassamos. O segundo, o ético, quando fugimos nos alienando na certeza de uma vida "correta" (pura hipocrisia). Fracassamos. O terceiro, o religioso, quando "saltamos na fé", sem garantias de salvação. Mas existe também o "abismo do amor".
Sua filosofia do amor é menos conhecida do que sua filosofia da angústia e do desespero, mas nem por isso é menos contundente.
Seu livro "As Obras do Amor, Algumas Considerações Cristãs em Forma de Discursos" (ed. Vozes), traduzido pelo querido colega Álvaro Valls, maior especialista no filósofo dinamarquês no Brasil, é um dos livros mais belos que conheço.
A ideia que abre o livro é que o amor "só se conhece pelos frutos". Vê-se assim o caráter misterioso do amor, seguido de sua "visibilidade" apenas prática.
Angústia e amor são "virtudes práticas" que demandam coragem.
Kierkegaard desconfia profundamente das pessoas que são dadas à felicidade fácil porque, para ele, toda forma de autoconhecimento começa com um profundo entristecimento consigo mesmo.
Numa tradição que reúne Freud, Nietzsche e Dostoiévski (e que se afasta da banalidade contemporânea que busca a felicidade como "lei da alma"), o dinamarquês acredita que o amor pela vida deita raízes na dor e na tristeza, afetos que marcam o encontro consigo mesmo.
Deixo com você, caro leitor, uma de suas pérolas:
"Não, o amor sabe tanto quanto qualquer um, ciente de tudo aquilo que a desconfiança sabe, mas sem ser desconfiado; ele sabe tudo o que a experiência sabe, mas ele sabe ao mesmo tempo que o que chamamos de experiência é propriamente aquela mistura de desconfiança e amor... Apenas os espíritos muito confusos e com pouca experiência acham que podem julgar outra pessoa graças ao saber."
Infelizes os que nunca amaram. Nunca ter amado é uma forma terrível de ignorância.

Thursday, May 26, 2011

Em busca de limite

ROSELY SAYÃO



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O que temos feito para que os jovens amem a vida, tenham respeito por si mesmos e construam um futuro?
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"Socorro! Não estou sentindo nada/ Nem medo nem calor nem fogo/ Não vai dar mais pra chorar/ Nem pra rir... Socorro!"
Esse é o trecho inicial de uma canção, composta por Arnaldo Antunes e Alice Ruiz, que foi bem lembrada por uma conhecida que passou um Dia das Mães bem difícil.
Nesse dia, ela enfrentou a morte de dois jovens de 21 anos: um primo e a irmã de uma amiga. Os dois perderam a vida em situações bem semelhantes que envolveram a combinação jovem + ingestão de bebida alcoólica + direção em alta velocidade.
"Como ajudar esses jovens?", perguntou. A questão que ela dolorosamente levantou faz muito sentido.
Hoje, acidentes de trânsito são uma das maiores causas da morte de jovens, e as estatísticas apontam que a embriaguez está presente principalmente quando as vítimas têm entre 18 e 30 anos.
O que temos feito para que esses jovens amem a vida, desenvolvam o autocuidado e atitudes de respeito por si mesmos, tratem suas emoções com delicadeza e construam um projeto de vida que lhes permita olhar para o futuro como um alvo a ser alcançado e não uma fatalidade ou determinação?
Temos estimulado o consumo na vida deles, de todos os modos. Carro, telefone celular e computador, por exemplo, não são desejados por eles pelas suas funções básicas e sim pelo modelo, pelas funções complementares, pela aparência e, principalmente, pelo status que a posse desses objetos lhes confere.
O carro não é um sonho de consumo para os jovens por facilitar suas vidas pela locomoção de um lugar para outro, por exemplo.
Vale muito mais, quando não somente, pelo valor que ele agrega à sua pessoa. Um jovem sente que tem mais valor quando tem um carro, mesmo que não tenha sido fruto de seu trabalho.
E o que falar da competição? Desde que são pequenos, desejamos que sejam os melhores, os primeiros da fila, os campeões. Mas, fora do esporte, a competição não facilita a vida de nossos jovens.
Ao contrário: funciona como uma pressão muitas vezes avassaladora.
Vocês sabem que os jovens, no ano do vestibular, contam, muitas vezes estimulados pelas escolas, quantos são os pares que precisam derrubar para entrar na faculdade almejada?
Ah! Não podemos esquecer também que, de muitas formas, ensinamos a eles que o que vale na vida é a curtição do aqui e agora: prazer e diversão devem ser os ingredientes básicos do cotidiano que vivem.
E assim vivem eles, de balada a balada, de beijo a beijo, de uma rede virtual a outra, de uma transa a outra, de um esporte radical a outro.
Mas, pelo jeito, isso não está dando certo. Estudos de todas as partes do mundo acusam: as taxas de suicídio entre os jovens têm aumentado assustadoramente, e nosso país não é uma exceção a essa tendência.
Precisamos ouvir esses jovens. O que os inquieta, o que lhes tira a tranquilidade, qual a visão de mundo que eles têm? O que eles aprendem conosco, o que criticam em nosso modo de viver, quem são seus oponentes?
Um jovem conhecido me procurou para trocar ideias a respeito da sua vida e começou logo dizendo que me procurara por saber que eu não conversaria com ele como se fosse sua amiga e que ele sabia que, caso ele precisasse, eu daria uns "toques pesados" para ele.
Traduzindo: o que ele pedia era uma escuta atenciosa e, depois, uma bronca. Que ele levou por merecimento ""aliás, ele já sabia disso desde o início de nossa conversa"" e gostou de ter levado.
De jovens, bastam eles. A juventude exaure, sabia leitor? Talvez nossos jovens precisem da companhia de pessoas mais velhas, dos adultos, por exemplo. Onde estão eles? Curtindo sua própria juventude já ida...

Saturday, May 21, 2011

Considerações sobre novos desejos

CONTARDO CALLIGARIS




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Causa da depressão pode não ser perda e frustração, mas a chegada de novo desejo, que é silenciado
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UM JOVEM não sabe o que ele está a fim de fazer da vida, e os pais pedem que eu descubra qual é o desejo do filho, de modo que ele possa escolher o vestibular e a profissão que ele "realmente" gostaria.
Na mesma semana, encontro um adulto que acha que, de fato, nunca fez nada por desejo. Embora bem-sucedido, queixa-se de que suas escolhas (profissionais e amorosas) sempre teriam sido circunstanciais, efeitos de oportunidades encontradas ao longo do caminho. Ele pede, antes que seja tarde, que eu o ajude a descobrir qual é "realmente" o seu desejo.
Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo: quem viver segundo seu desejo será, no mínimo, mais alegre. Esta é mesmo uma boa definição da alegria: a sensação de que nosso desejo está engajado no que estamos fazendo, ou seja, de que nossa vida não acontece por inércia e obrigação. Inversa e logicamente, muitos estimam dever sua (grande ou pequena) infelicidade ao fato de terem dirigido a vida por caminhos que - eles declaram - não eram exatamente os que eles queriam.
Pois bem, esse pressuposto e os pedidos que recebi se chocam com esta constatação: o "nosso desejo" nunca é UM desejo definido por UM objeto ou por UM projeto. Não existe, nem escrito lá no fundo escondido de nossa mente, UM querer definido, que poderíamos descobrir e, logo, praticar com afinco e satisfação porque estaríamos fazendo aquela coisa ou caçando aquele objeto aos quais éramos, por assim dizer, destinados. Nada disso: de uma certa forma, todos os objetos e os projetos se valem, e nenhum é "nosso" objeto ou projeto específico. Ou seja, nós desejamos sempre segundo as circunstâncias, os encontros, as oportunidades - segundo as tentações, se você preferir.
Somos volúveis? Nem tanto, pois cada objeto e projeto não substitui necessariamente o anterior. O que acontece é que desejar é uma atividade inventiva a jato contínuo.
Por consequência, mesmo quando estamos alegremente convencidos de estar fazendo o que queremos com nossa vida, nunca estamos ao abrigo do surgimento de desejos novos.
Claro, podemos aceitar esses desejos novos. Por exemplo, em "As Confissões de Schmidt" (que não é um grande filme), de A. Payne, com Jack Nicholson, o protagonista acorda de noite, olha para sua mulher de sei lá quantos anos e se pergunta estupefato: "Quem é esta mulher que dorme na minha cama?". Logo, ele dá um rumo novo à sua vida, colocando o pé na estrada. Mas a expressão de seus novos desejos é fortemente facilitada por duas circunstâncias: providencialmente, o protagonista se aposenta e fica viúvo. Nessas condições, escutar novos desejos fica fácil, não é?
Agora, imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ("deixe para lá, é besteira"). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá sua alegria.
Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos? Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente: afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.
Infelizmente, essa negligência tem um custo alto. Sempre entendi assim a "Metamorfose", de Kafka: alguém acorda, e o que até então era uma vida normal e legal, de repente, aos seus olhos, é uma vida de barata.
Nota útil para a clínica da depressão. Às vezes, procuramos em vão as causas de uma depressão; será que houve lutos ou perdas? Nada disso; está tudo bem, trabalho, família, filhos e tal, mas o indivíduo entristece, volta a fumar e a beber como se quisesse encurtar a vida, engorda como se estivesse num mar de frustração e precisasse de gratificações alternativas.
Em muitas dessas vezes, a origem da depressão não é uma perda, nem propriamente uma frustração, mas a aparição de um desejo novo que não foi reconhecido. E os novos desejos, sobretudo quando são silenciados, desvalorizam a vida que estamos vivendo.
Moral da fábula: 1) Não existem vidas definitivamente resolvidas, pois novos desejos surgem sempre; 2) É bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los.

Sunday, May 15, 2011

Fim de Festa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - E, quando melhores estão as coisas, surge a vontade antiga: acreditar outra vez. Já nem importa simplesmente acreditar em quê, mas acreditar em si mesmo, no amor, no trabalho, na virtude, no inferno ou no nada.
A culpa já não é mais da vida -é nossa. E nisso não há consolo nem glória. Deixamos que as coisas se gastassem e, de tanto evitá-las, de tanto nos guardar para uma oportunidade que nunca veio -e agora sabemos que não adianta vir-, construímos o vácuo que nos conserva monotonamente iguais e frios, como um réptil de duras escamas, a esconder a fragilidade de uma carne virgem e condenada a ser carne.
Também não é o caso de desesperar. O desespero é solução da tribo dos traídos ou dos ofendidos -e, à distância em que nos colocamos dos seres e das coisas, ficamos protegidos das traições e das ofensas. "Turris eburnea, ora pro nobis" -nem adianta repetir as ladainhas da infância nem as imprecações e blasfêmias da mocidade.
Isto posto, seguir em frente (se ainda há frente), com a certeza de que não vai acontecer nada, nem mesmo a morte.
De tanto esperá-la, de tanto temê-la, assimila-se a morte como um acontecimento presente, que está acontecendo a cada minuto, neste momento, espremendo o corpo contra o tempo que ainda falta curtir -igualzinho a um fim de férias, de festa ou de recreio que sabemos que vai acabar daqui a pouco e não adianta iniciarmos nova conversa ou nova brincadeira: não haverá tempo.
Sobra então o compromisso com a hora da hora em torno da hora -e qualquer brincadeira ou conversa será sem sentido. E enquanto tudo não acaba, há tempo para pensar em tudo, tempo para pensar no tempo, vontade de ter vontade.
Mesmo assim, no corredor final, a vida vale a pena mesmo que a alma seja pequena?

Friday, May 06, 2011

Uma nova terra, um novo chão

Uma nova terra
um novo som
em diferentes instrumentos...
Quem irá tocá-los
num ritmo que não é o meu?
Será o teu?
Enquanto o sol adormece
num crepúsculo encantador
penso na terra que deixei...
Por lá alguém!
Uma nova terra, um novo chão...
Meu novo desabrochar...

Vera de Barcellos
( minha nova amiga)

Wednesday, May 04, 2011

A forma e a função

LULI RADFAHRER



A tecnologia não copia a inteligência: ela mimetiza o processo sofisticado e complexo que é a vida


É interessante pensar que, por mais que muitos se queixem da velocidade e da abrangência das mudanças, são poucos aqueles capazes de imaginar um mundo sem internet ou telefones celulares. As tecnologias, quando bem-sucedidas, têm uma tendência natural a se misturar com os processos que amplificam e se tornarem invisíveis. Pense em logística ou energia elétrica, por exemplo: elas transformaram o cotidiano de tal forma que a sua ausência é quase uma curiosidade histórica ou antropológica.
Com a digitalização e as redes acontece a mesma coisa. Elas criam novos desafios à medida que resolvem os problemas das épocas passadas, em um processo de complexidade crescente e desequilíbrio permanente, em que não há estado ideal ou final. Nunca poderemos dizer que o mundo foi computadorizado ou digitalizado para sempre. Não dá nem para saber o que isso significa, ou mesmo se estaremos por lá para testemunhá-lo. A ideia de um problema "resolvido" ou "perfeito" é uma ilusão de controle típica do homem ocidental.
É fundamental compreender o progresso em sua verdadeira forma. O grande erro dos cientistas da informação do século passado foi acreditar que a tecnologia poderia sintetizar a inteligência. O que ela mimetiza, na verdade, é um processo muito mais sofisticado e complexo: a própria vida, em que pequenos organismos, frágeis e codependentes, se apoiam e parasitam mutuamente, resolvendo seus problemas em grupo enquanto criam outros, em um ciclo evolutivo infinito.
Pelo que se vê hoje, o mundo do futuro deverá ter um ecossistema de milhões de aparelhos tecnológicos de diversos tamanhos, cujos comportamentos parecerão orgânicos. Ele não será, como se pensava no início do Modernismo, um sistema único, eficiente, industrial, minimamente planejado e limpo. Pelo contrário, hoje a inovação tem mais a cara daquilo que o mercado quiser pagar, mesmo que não seja necessariamente melhor para seus usuários, do que a invenção genial de um cientista louco. Não é melhor nem pior, só é diferente.
Estamos saindo de um sistema em que a forma seguia a função e que tudo fazia sentido mecânico para um ambiente simbólico em que as máquinas morrem mais rápido que seus usuários e que a forma não consegue nem saber qual é a sua função. Deixadas de lado questões práticas de ergonomia, hoje a função é a manifestação microscópica das ideias. Ela cabe em uma antena, em um chip de silício. E pode ser mudada a qualquer instante.
Como toda ideia, os novos objetos --um iPad, por exemplo-- não aceitam definições absolutas e estão em constante mutação. É fácil entender por que tantos sofrem crises de identidade.
A era das certezas vem chegando ao seu final, e a falta de referências é típica de um ambiente cujos parâmetros são fragmentados e mudam o tempo todo. Se hoje os hábitos, as tradições e a continuidade vêm desaparecendo, é porque perdem terreno para a flexibilidade, a mobilidade, a imaginação e a criatividade.
Não é o fim do mundo como o conhecemos, mas é o fim de um modo de pensar que tentou controlar o ambiente à sua volta. Se essa transição provoca insegurança, vale lembrar que o taoísmo e o budismo sempre disseram que todo movimento só é causado pelo constante desequilíbrio.

Sunday, April 17, 2011

Curiosidade despertada

A verdade ELIANE CANTANHÊDE O artigo autobiográfico do economista Persio Arida na revista "Piauí" é uma preciosidade. Num texto primoroso, ele coloca as coisas no seu devido lugar, mostrando os erros horrendos dos militares da época, mas também reconhecendo o quão equivocada foi a luta armada. Não apenas na tática, mas igualmente nos propósitos. Sem querer, Persio dá um roteiro impecável para a Comissão da Verdade que tramita no Congresso e se propõe a reconstituir a história como ela é, pelo lado que ganhou à época e pelo que ganhou agora. Ali estão, contados com a serenidade possível, praticamente dispensando adjetivos, a sua prisão, a tortura, a asfixia pela asma não medicada, o impacto do assassinato do militante Bacuri. É o que a esquerda quer da comissão. Mas ali está igualmente uma reflexão madura, honesta e corajosa sobre os erros da militância armada -e avaliação, execução e objetivo. E é isso o que os militares reivindicam da comissão. Ao falar sobre a luta armada, Persio lembra sua angústia ao finalmente admitir para si próprio: "O que teria acontecido com os direitos humanos se aquele movimento tivesse dado certo?". E responde: "Sua dinâmica continha o mesmo vírus que fez, em outros momentos da história, militantes de excepcional pureza revolucionária se transformarem, no poder, em mandantes de mortes em massa e de torturas. (...) O terror legitimado pela utopia revolucionária. Teríamos trocado seis por meia dúzia". Então, vamos trucidar mais uma vez os militantes que já foram literalmente trucidados? Desdenhar dos que foram presos, torturados, humilhados e alquebrados? Não. Nem Persio o fez. Sua conclusão, machadiana, diz tudo numa única frase: "A militância contribuiu, por vias tortas, para a volta da democracia -mas nisso se esgotara todo o seu sentido". Eis uma boa reflexão para a história -não só a dele, mas a do país.

Saturday, March 26, 2011

Solidão crônica

DRAUZIO VARELLA




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A solidão crônica interfere na qualidade do sono, causa fadiga e reduz a sensação de prazer
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O ISOLAMENTO social aumenta o risco de morte tanto quanto o cigarro, e mais do que o sedentarismo ou a obesidade.
A relação entre vida solitária, doenças cardiovasculares, depressão e incidência de infecções foi demonstrada em mais de cem estudos epidemiológicos publicados a partir dos anos 1980. Esses estudos, no entanto, não explicam os mecanismos através dos quais o isolamento aumenta a mortalidade.
Nos últimos dez anos, os efeitos biológicos da solidão se tornaram mais conhecidos graças ao trabalho inovador de um grupo da Universidade de Chicago, dirigido por John Cacciopo.
Por meio de questionários para avaliar o grau de isolamento social dos participantes de testes psicológicos e de exames laboratoriais, o grupo de Chicago concluiu que embora episódios passageiros de solidão sejam inevitáveis e desprovidos de repercussões orgânicas relevantes, quando o isolamento persiste de forma crônica, suas consequências se tornam especialmente nocivas.
Algumas pessoas que vivem isoladas não se sentem solitárias, enquanto outras têm a sensação de estar sozinhas apesar da vida social intensa. A percepção subjetiva da solidão é mais importante para o bem-estar individual do que qualquer medida objetiva do número de interações sociais.
Numa escala criada para avaliar o grau de isolamento pessoal, aqueles com escore mais alto apresentam alterações bioquímicas sugestivas de que seus dias são conturbados. Neles, por exemplo, estão elevadas as concentrações urinárias de cortisol e epinefrina, moléculas associadas aos níveis de estresse.
Esse dado ajuda a explicar porque os solitários crônicos ficam estressados diante de situações que outros enfrentam com naturalidade, como falar em público ou conversar com desconhecidos.
Na evolução de nossa espécie, a ansiedade provocada pela solidão funcionou como sinal de alerta para que o indivíduo procurasse a proteção do grupo. Num mundo povoado por predadores, que chance de sobrevivência teria um animal fraco como nós perambulando sozinho?
Nesse sentido, o sofrimento que a solidão traz é faca de dois gumes: de um lado, colabora para a adaptação ao meio porque favorece o agrupamento; de outro, prejudica o organismo quando se torna crônico.
O grupo de Chicago investigou as repercussões imunológicas do isolamento prolongado. Nos solitários estão mais ativos os genes que promovem inflamação, enquanto aqueles envolvidos na resposta imune contra os vírus exibem atividade diminuída. Por essa razão, eles apresentam maior susceptibilidade às infecções virais (da gripe ao HIV) e à doença cardiovascular, enfermidade associada aos processos inflamatórios.
A solidão crônica interfere com a qualidade do sono, é causa de fadiga e reduz a sensação de prazer associada a atividades recreativas. Para agravar o isolamento, os já solitários tendem a reagir negativamente aos estímulos e a desenvolver impressões depreciativas a respeito das pessoas com as quais interagem.
A avaliação das funções cerebrais por meio de ressonância magnética funcional, mostra que a solidão crônica afeta o córtex pré-frontal, área localizada na parte da frente do cérebro, crucial para a tomada de decisões racionais, como as de planejar o melhor caminho para o trabalho ou a hora de ir ao banco.
O comprometimento do córtex pré-frontal ajuda a entender por que as pessoas que se sentem isoladas correm mais risco de comer mal, fumar, abusar do álcool, ganhar peso e levar vida sedentária.
Estudos com irmãos gêmeos revelam que a solidão crônica não depende exclusivamente das características do meio, mas apresenta aspectos hereditários. É como se existisse um "termostato genético" para a capacidade de lidar com a solidão, ajustado em níveis diferentes em cada um de nós.
Isso não quer dizer que nossos genes nos condenariam à vida solitária, mas que estão por trás da intensidade da dor sentida quando estamos sós.
Com o celular e a internet criamos possibilidades ilimitadas de interações sociais, num único dia podemos entrar em contato com um número de pessoas que nossos antepassados levariam anos para conhecer. Contraditoriamente, o contingente dos que se queixam da falta de alguém com quem compartilhar sentimentos íntimos aumenta em todos os países.

DESCRIÇÃO

O fundo é rosa marmorizado;
a moldura e os números são dourados.
O cabelo é negro, a vestimenta larga.
De longe não a vejo bem (imagem desfocada);
mas sei que tem os olhos baixos e os braços frágeis.

Algo a prende, lhe pesa,
a conserva como estátua
-róseos laços, esfera dourada.
Chego mais perto, lhe querendo ver os traços
mas sei de antemão que são belos e enigmáticos.

Estranha, idealizada figura de mulher,
em um pedestal colocada,
a ele atada solitariamente,
a preencher através do tempo,
o sonho e o ideal de toda a humanidade.

(calendário, abril de 1998)

Cecília

Tuesday, March 22, 2011

Uma crítica do ótimo "Cópia Fiel"

“Cópia Fiel” mostra a natureza instável do amor
17/3/2011 10:32, Redação, com Reuters - de São Paulo

Melhor atriz no Festival de Cannes 2010, Juliette Binoche resplandece em Cópia Fiel, novo filme do diretor iraniano Abbas Kiarostami. Refletindo uma preocupação presente ao longo da própria obra de Kiarostami e de outros cineastas iranianos, bem como particularmente num trabalho recente do brasileiro Eduardo Coutinho (Jogo de Cena), Cópia Fiel constroi um admirável jogo de verdades e mentiras de um casal, formado por Juliette Binoche e o cantor lírico britânico William Shimell, estreando no cinema.

A verdadeira natureza do relacionamento destes dois é uma das chaves da descoberta da história, cheia de camadas, climas e evocações. Filmado em belíssimos cenários da Toscana, o filme é uma joia intimista, pulsante nos rostos de seus atores e em que o uso do discurso amoroso – oscilando entre o inglês, o francês e o italiano – é movido pelas chamas, ora amortecidas, ora vibrantes, da maturidade.

Nas primeiras cenas, vê-se o escritor James Miller (Shimell) chegando a uma cidadezinha italiana para uma palestra sobre seu novo livro sobre arte, que se chama justamente Cópia Fiel. A partir de detalhes aparentemente banais, evidencia-se um dos temas do filme, sobre as contínuas interrupções do discurso, qualquer que seja. Como quando a apresentação de Miller é interrompida pelo toque de seu próprio celular e pela entrada de uma espectadora atrasada (Juliette Binoche) e seu filho (Adrian Moore).

O fato de que ela se senta entre os lugares reservados na plateia e que cochiche com o tradutor do livro, ao seu lado, parece evidenciar que ela é íntima do escritor. Mais tarde, uma conversa com o filho dá a pista de que, na verdade, ela procura essa intimidade. Quando Miller e ela finalmente se encontram, na loja de antiguidades dela, eles parecem na verdade estranhos que podem ou não querer se conhecer.

Sem querer estragar o jogo da narrativa, o relacionamento entre os dois atravessa vários climas, da tentativa de sedução ao compartilhamento de lembranças e sensações. É como se estes dois tivessem vivido algumas vidas diferentes e, em algumas, se encontrado, noutras, se perdido – sem que isso acarrete nada de sobrenatural, apenas experiências diversas ao longo dos anos.

Além da natureza instável do amor, Cópia Fiel toca outros temas – o primeiro deles, o que dá nome à obra, em torno da importância da discussão sobre o que é autêntico ou falsificado, e o valor, relativo ou absoluto, das muitas cópias encontradas no mundo da arte.

Nesta discussão, é envolvido inclusive um casal de passagem, (o famoso roteirista Jean-Claude Carrière e Agathe Natanson). Justamente quando procura engajá-los a favor de seus argumentos, a protagonista encontra no passante ocasional um intérprete ideal do que está, emocionalmente, tentando dizer a Miller – sem que este a entenda, independentemente da língua que ela fale.

Essas várias línguas que se sobrepõem são o símbolo vivo das várias camadas de incompreensão que podem se acumular entre as pessoas nesta Babel que não é só linguística, mas sobretudo emocional e amorosa. Os vários casais que aparecem no filme – os jovens noivos apaixonados que se sucedem para uma foto junto a uma estátua tida como portadora de sorte; o par maduro que conduz o filme; e uma dupla de velhinhos que eles encontram perto do final – todos se somam como retratos dos vários tempos do amor.

Essa maneira circular de expor seu tema é o grande segredo da magia do filme, que demonstra o engenho raro de sua direção e de sua dupla principal de atores, conduzindo-se esta espiral de sensações com inteligência e sutileza exemplares. Não é o tipo do filme que se vê todos os dias. Mas é certamente o tipo que se deseja imediatamente rever.

Wednesday, February 23, 2011

Será?

LUIZ FELIPE PONDÉ

"Femmes aux hommes"


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Mulher não gosta de covarde, mesmo que seja covarde em nome dos "direitos femininos"
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MUITAS LEITORAS se queixam de que nunca falo sobre os males masculinos. Hoje, vou pagar uma parte desta dívida. Como todo homem que gosta de mulher, sou um escravo do desejo de deixá-las felizes. Que inferno...
Recentemente, numa entrevista, uma jornalista me perguntou se acredito que os homens tenham medo de mulheres inteligentes. E também o que seria mais importante numa mulher, beleza ou inteligência.
Antes de tudo, um reparo. Neste assunto, não consulte as feministas porque elas não entendem nada de mulher. Tampouco pergunte aos homens que chamam as mulheres de "vítimas sociais", porque são frouxos. Pobres diabos: mulher não gosta de covarde, mesmo que seja covarde em nome dos "direitos femininos".
A segunda pergunta (o que é mais importante numa mulher, a inteligência ou a beleza?) é fácil: a beleza vem em primeiro lugar, nunca a inteligência. Quando um homem disser pra você que ele prefere mulheres inteligentes, ele quer te pegar. Ou, pior, ele tem medo do patrulhamento das feias e das chatas, que no Brasil, graças às deusas, não crescem em número porque as mulheres brasileiras são como dizem os franceses "femmes aux hommes" (mulheres para os homens).
Por que é necessário ter coragem pra dizer que a inteligência feminina não é erotizada pelos homens? Ora bolas, porque atualmente falar para as mulheres que inteligência vale mais do que a beleza é um "dever de todo cidadão".
Uma mulher poderá fazer uma queixa contra você na delegacia da mulher caso você não diga para ela que inteligência numa mulher é fundamental. Não se engane: inteligência nunca é fundamental. Mas, não exagere para o outro lado: as burrinhas enchem o saco depois de duas horas de sexo.
Quanto à primeira questão (os homens têm medo de mulheres inteligentes?), a resposta é simples: sim, sempre; só os mentirosos e medrosos negam este fato. Melhor dizendo, o homem sempre tem medo da mulher, principalmente quando está interessado nela.
Segundo os darwinistas, esta seria uma característica atávica, desde a savana africana. Medo da infidelidade, medo da impotência, medo do ridículo.
Mas há sutilezas nisso tudo. O homem prefere a beleza, mas num relacionamento de longo investimento, outras característica pesam, às vezes, mais do que a beleza pura e simples. Por exemplo, evidências de que ela seja fiel, boa mãe para seus futuros filhos, generosa, doce (coisa rara em mulheres excessivamente competitivas, como é comum em cidades do tipo São Paulo, mas menos comum em outras regiões, como Minas Gerais ou Nordeste onde elas são mais "sorridentes").
Beleza demais pode dar medo quando ela é sua mulher. Garanhões costumam rondar mulheres bonitas demais. Se você só quer "pousar de poderoso" com uma gostosa, tudo bem, mas se quiser viver com ela, aí a coisa pega. Para pilotar um Boeing você tem que ser competente em muita coisa, e nem sempre dá, num cenário violento e volátil como o mundo contemporâneo, onde as mulheres têm mais opção de escolha afetiva e profissional.
Por que, muitas vezes, é tão difícil para as mulheres aceitarem que a inteligência numa mulher não seja essencial? Porque, ao contrário dos homens (esses seres primitivos, insensíveis e promíscuos... risadas...), as mulheres erotizam a inteligência no homem, às vezes, mais do que a beleza pura e simples.
Eu arriscaria dizer que a inteligência quando associada à coragem (virilidade) pode ser um afrodisíaco imbatível para as mulheres numa noite de calor.
Resumo da ópera: a inteligência numa mulher é um risco interno à relação porque o homem pode se sentir "menor" do que ela.
Já a beleza feminina é sempre um risco externo porque o cara sente medo de perdê-la porque sabe como os outros caras pensam.
Já a inteligência num homem nunca é um risco interno à relação porque as mulheres dão nó em qualquer homem. Mas, é sempre um risco externo porque as mulheres sabem como suas parceiras pensam: se, além da inteligência, o cara tiver "atitude" (a soma disso dá em charme), aí, meu bem, se prepare para a cobiça de suas amigas.

A experiência que eu tenho lhe dá razão... (Cecília)

Thursday, February 10, 2011

Escrevendo simplesmente...

Bem-estar presente (a que devo)

Um lexapro... e mais meio
Grupo de amigos
Duas amigas mais íntimas
Filhos de longe dando força
Duas cachorrinhas a fazer companhia
Um objetivo alcançado,
outros ao seu tempo definidos
Olhar, portanto, à frente
e mais importante:
reconhecimento do bem–estar presente
Um pensamento amoroso
( não mais que isso para não perturbar a mente)
Vontade de escrever, criar, aprender
Amor às meninas
Regozijo pela volta do amigo,
Movimento
Esforço para vencer meus medos
Propósito de viver cada dia plenamente
do alvorecer ao anoitecer
... e de aprender com a noite
que iluminamos para prorrogar o dia,
mas que é perfeita em si mesma,
favorecendo a contemplação, o descanso
e uma certa inquietação de alma,
necessária para nos reconhecermos únicos,
donos das nossas vivências, emoções e pensamentos.
Valorização do tempo
(com ele, passamos, como os que nos antecederam),
evitando frustração, se não vejo na vida maior sentido...

Cecília (09-02-11)

Thursday, February 03, 2011

Vou retocando a poesia,
quem dera a vida...
Corto, acrescento,
mudo o que não gosto
Filosofo
E ela fica quase como eu queria,
entregando o que penso, sinto
fechando, agora sim,
com a minha assinatura, data,
peça acabada
transparente, clara...


Cecília

02-02-11

Friday, January 07, 2011

Pequeno mundo

Na imensidão de tudo o que existe
um pequeno ser se move
num espaço também mínimo.
É um ponto quase invisível
feito de intensidade, contradições,
deslumbramentos e medos,
descobertas, reformulações e criações.
Ciente de sua transitoriedade,
tenta deixar marcas de sua passagem.
Para isso procura se superar,
deixar descendência,
fazer brilhar a sua luz,
propagar energia,
que tira da alma, da inteligência e do corpo que as abriga...
Olhando para si, se percebe um mundo
tão complexo como o outro maior em que vive,
sendo dele quase o reflexo ...
E então se conforma com a brevidade da sua existência,
com a essência transitória de todas as coisas...
E passa... levando consigo
... um obstinado flerte com a eternidade...

Cecília