FERREIRA GULLAR
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Confesso que ainda me pergunto o que levou à vitória de Lula e à sua crescente popularidade
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NÃO SOU cronista político e, por isso, não me sinto obrigado a comentar, a cada semana, o que ocorre com o governo, com o Congresso, com as leis que foram votadas ou não. Mas isso não me impede de pensar sobre tais problemas e tentar entender o que ocorre no país e, sobretudo, o que nos espera.
Confesso que até hoje me pergunto que fatores determinaram a vitória de Lula, reeleito com mais de 58 milhões de votos. E mais: o aumento de sua popularidade, menos de um mês após a eleição, sem que nada tenha feito a não ser jurar que vai fazer o país crescer 5% em 2007. Não apresentou um programa que garanta isso, não apresentou plano de governo nenhum para este mandato e, não obstante, cresce seu prestígio na opinião pública. Por quê?
Os números indicam que a maioria dos eleitores de Lula está no Nordeste e no Norte, regiões em que vive a maior parte da população pobre do país e onde houve maior investimento do Bolsa Família. Isso, sem dúvida, pesou no resultado eleitoral, como pesaram o aumento do salário mínimo, o empréstimo consignado e outras benesses com que ele adoçou a boca de muita gente país afora. A verdade, porém, é que essas medidas não foram suficientes para lhe dar a vitória no primeiro turno. Qual foi, então, o fator que o fez crescer no segundo turno, e Alckmin, que vinha em ascensão, cair?
Lembremos que, se o escândalo do dossiê influiu no resultado do primeiro turno, favorecendo Alckmin, não poderia ter efeito contrário ou nulo no segundo, uma vez que nenhuma explicação havia sido dada acerca da origem do dinheiro. Então por que Lula cresceu e Alckmin caiu? O elemento novo introduzido na disputa eleitoral, como se sabe, foi a privatização. No último debate na TV, Lula acusou o adversário de pretender privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil, sem que tal afirmação tivesse o menor fundamento. Alckmin denunciou a mentira, e Lula, na mesma hora, admitiu: "Se vocês privatizaram tudo, certamente vão privatizar o resto". Era a confissão de que se tratava de um golpe eleitoreiro. Apesar disso, a partir de então, a campanha de Lula na TV passou a afirmar que Alckmin significava uma ameaça concreta de privatização do BB, da Petrobras e da Caixa Econômica. Desse argumento necessitavam uma parte da esquerda (para reconciliar-se com Lula) e os militantes do PT, que só então se animaram a sair às ruas. Tratava-se agora de defender a "soberania nacional" e, diante de tarefa tão patriótica, que importância tinham o mensalão, o valerioduto, o dossiê fajuto?
Claro, todos os lulistas sabiam que a ameaça de privatização não existia, mas havia ali um fator em que realmente acreditavam: a necessidade de imprimir à economia brasileira um outro rumo, em que o Estado tenha o controle de todo o processo econômico. Um Estado anti-capitalista? Talvez...
Se alguém sonha com isso, sonha em vão. Mas sonho é sonho, não precisa de viabilidade comprovada, especialmente quando a ele se juntam elementos que, se oníricos não são, nutrem-se de fatores subjetivos, como os ressentimentos decorrentes da desigualdade social -que efetivamente existe-, e são, com freqüência, politicamente manipulados.
Possivelmente, é por aí que se explica a crença de que Lula, agora, encarna as verdadeiras aspirações populares, dando aos pobres o que eles nunca tiveram e aos capitalistas o castigo que merecem. Se conseguirá satisfazer tais expectativas, não sei, mas que se considera o salvador da pátria, não resta dúvida. Basta ouvi-lo: "Eles em cinco séculos não consertaram o Brasil e querem que eu faça isso em quatro anos". Lula, primeiro e único...
Sucede que a realidade não se deixa subornar e, por isso, ele é obrigado a dizer que manterá a política de superávit primário e juros altos. Mas, ao mesmo tempo, afirma que não vai "fazer contenção em cima dos pobres" e aumenta o salário mínimo para R$ 380. Como crescer ampliando o déficit da Previdência e o custo dos programas sociais? É uma saia justa: se não atende às reivindicações da maioria pobre, teme perder a popularidade; se não cria condições para o investimento privado na produção, corre o risco de sair de cena sem exibir o espetáculo do crescimento. Já se sabe que o corte de impostos para estimular o investimento privado, calculado em 12 bilhões de reais, caiu para 8 bilhões.
Lula talvez enfrente uma situação chaveziana: depois de experimentar a pompa e as delícias do poder, ter que voltar para casa, em São Bernardo, achando que lhe deram pouco tempo para salvar o Brasil.
APRENDENDO COM LEONARDO DA VINCI
2 years ago
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