Friday, May 09, 2008

De patrão a empregado

Mais uma vez um pedido. Uma ordem? Cada vez mais sem sentido, fora do contexto, do esquema de trabalho. O que fazer? Patrão ou patroa é assim mesmo. Mas sei que assim não fui. Era sensato, respeitava meus funcionários, até estimulei a fundação de um sindicato. Na verdade fiz mais que isso: um imóvel para a sede lhes cedi.... Mas o que esperar de um ex-funcionário grato, mas limitado em matéria de “finesse” e nível cultural? Enriquece, abre, várias firmas, numa delas me emprega, já que estou na pior agora. E mais: coloca a mulher para me comandar. E ela é demais: como o marido fala com sotaque nordestino, desconhece etiqueta, não sabe distribuir os talheres à mesa, nem o lugar que lhe cabe na calçada. Além de tudo é folgada: ainda ontem me pedia para lhe fazer um chazinho; antes fora a ração para os cachorros: vinte quilos que tive que carregar; as compras na quitanda, quantos desmandos... E as missas que tive que assistir! Será que dou uma de bonzinho ou sou bonzinho mesmo? Dizem os amigos que não sei dizer não para ninguém. Até sugeriram haver uma paixão recolhida. Da parte dela, que não sou chegado a mulher com bafo. E casada, com um cabra valente, e de quem dependo! Sim, meu emprego vale ouro, é o que me sustenta. Ganho pouco, mas o que me basta: todos os meses paga a conta do supermercado, da farmácia, do padeiro. Mas ai se minha mulher desconfia que a outra se insinua e me pega pra Cristo: de nada me adiantará tanto esforço para dar uma de bom moço. Moço em termos pois muito já vivi nesta vida. Fui bem sucedido, patrão inclusive da moça que me explora agora. Coitada, será que merece tais palavras? Afinal o dinheiro que recebo em sua empresa dá para o gasto, como disse antes. Depois não vai adiantar me remoer de remorsos e freqüentar missas e padre Marcelo. Irei do mesmo jeito para o inferno e sem companhia, já que ela e a outra são vítimas. Mas será que devo incluir na lista a minha esposa? Afinal não a traio, me faço de desentendido frente aos encantos da nordestina, que tem na verdade o coração de ouro; nem desconfia que me humilha com seus excêntricos pedidos: “ Pode me acompanhar à missa, seu Francisco? ”
Ah, é demais essa situação! A quantas tenho que me submeter! Penso até que gosto dela um pouquinho. Será mesmo? Será o Benedito?
Enquanto penso se gosto ou não gosto vou tocando o barco, um tanto humilhado mas também lisonjeado. No mínimo ela me admira! Se não tenho “tutu”, tenho cultura, fineza, posso até lhe dar aulas de etiqueta.
Estranho mundo, que gira, gira, leva , trás , me apronta uma dessas, o que mais será que posso esperar?...

Cecília
08-05-08

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