Nos teus humores viajo
Vou da tristeza à felicidade,
como se vontade própria não tivesse
e a tua fosse a minha alegria.
Sou, pois, movida por emoções alheias,
que no fundo desconheço.
Indícios me guiam
talvez por falsos caminhos,
do teu coração mais me afastando
enquanto penso que te conquisto.
Se incapaz sou de ler a tua alma,
mereço que te afastes
ou saias de uma vez da minha vida
Cecília
20-12-07
Thursday, December 20, 2007
Presentes para as festas
Nossas tentativas de entender o mundo sempre oscilam entre "zoom in" e "zoom out"
TENHO UM carinho especial pelos livros de imagens de Istvan Banyai. Dois estão disponíveis no Brasil: "Zoom", em sua 16ª reimpressão (Brinque-Book), e "O Outro Lado", que acaba de ser publicado (Cosac Naify). São livros sem palavras, em que a série de imagens constitui uma história e, ao mesmo tempo, uma reflexão.Nesta época de amigos secretos e de propósitos para o Ano Novo, esses dois pequenos livros são o brinde que mais gosto de oferecer. Além de agradar (espero) a adultos e crianças, eles dizem algo essencial sobre minha maneira de pensar e de viver, ou melhor, sobre como gostaria de conseguir pensar e viver. "O Outro Lado" é, dos dois, o mais fantasioso e, talvez, o mais complexo. À força de folheá-lo, cheguei a este resumo de sua sabedoria: 1) sempre há um outro lado; 2) vale a pena, em cada situação, olhar para nós mesmos do ponto de vista daqueles que estamos observando; 3) esse esforço não é apenas um jogo no qual brincaríamos de passar de um lado ao outro do espelho; 4) tampouco trata-se apenas de saber se colocar nos sapatos dos outros (o que já não seria mal); 5) os desenhos revelam que, quando a gente se desloca para o lugar dos outros, quando a gente se mexe para "o outro lado", algo muda: o resultado final não é só a mesma cena vista de ângulos opostos, mas é, de repente, uma nova cena. Veja se você concorda. "Zoom" é de uma leitura mais imediata, mas não por isso é menos rico. Para não estragar o prazer dos leitores, invento uma seqüência parecida com a do livro, mas diferente dela: no começo, você vê alguém de costas, sentado à frente de uma tela de computador, e imagina que esse seja o cenário da história que começa. O zoom, afastando seu olhar, amplia o campo visual, e eis que aparece o seguinte: aquele cenário inicial é uma propaganda de informática numa revista que está nas mãos de alguém sentado na sala de espera do dentista. Antes de decidir que esse seria, então, o cenário da história, espere: o zoom vai recuar de novo. E por aí vai. "Zoom" pode ser lido do começo ao fim (sucessão de ampliações do campo visual - "zoom out") ou do fim ao começo ("zoom in": aproximação progressiva do nosso olhar, que, portanto, enxerga de maneira cada vez mais detalhada, mas também com cada vez menos compreensão do conjunto, que se perde a cada aproximação). Para quem lê do começo ao fim, o livro vale como uma meditação apaziguadora sobre a pouca relevância das pequenas coisas nas quais encalha o narcisismo da gente -a começar pela nossa própria pessoa. Ele lembra um pouco aquelas fantasias por meio das quais as crianças tentam aliviar o fardo do olhar dos pais, que permanentemente tenta convencê-las de que elas são seres únicos e extraordinários. Nessas fantasias, as crianças imaginam, por exemplo, que nosso "universo" seja apenas um viveiro de bactérias no ventre de um gigante -os terremotos e as inundações sendo, respectivamente, acessos de tosse ou bebedeiras de nosso hóspede desmedido. E não acaba assim: o gigante, por sua vez, sem se dar conta, poderia ser um vírus no corpo de um supergigante, que, por sua vez... Mas, fora esse exercício salutar, que encolhe o narcisismo (ele sim, gigantesco) do qual sofremos normalmente, "Zoom" é também uma espécie de meditação, por assim dizer, cognitiva. Explico. Nossas tentativas de entender e explicar o mundo estão sempre oscilando entre um "zoom in" e um "zoom out". Ou seja, entre a aproximação máxima que nos permite encontrar a causa de nossos males no microscópio (invasores invisíveis, genes, cromossomos etc.) e a distância máxima que nos leva a procurar a explicação do que acontece, por exemplo, na disposição dos astros na hora de nosso nascimento ou no dia de hoje. Com isso, alimentamos oposições, quase sempre estéreis, entre explicações pelo infinitamente pequeno e explicações pelo quadro mais amplo -no meu campo, entre a descrição da química invisível que regula nossa mente e a consideração de eventos externos que nos afetam. Meu propósito, para o ano que vem, é que a gente não fique travado carregando na mão apenas duas objetivas separadas, uma macro e uma teleobjetiva, mas que estejamos dispostos a acionar constantemente o nosso zoom -"zoom in" e "zoom out". E também, quase ia esquecer, que sejamos capazes de enxergar sempre "o outro lado".
Contardo Calligaris
TENHO UM carinho especial pelos livros de imagens de Istvan Banyai. Dois estão disponíveis no Brasil: "Zoom", em sua 16ª reimpressão (Brinque-Book), e "O Outro Lado", que acaba de ser publicado (Cosac Naify). São livros sem palavras, em que a série de imagens constitui uma história e, ao mesmo tempo, uma reflexão.Nesta época de amigos secretos e de propósitos para o Ano Novo, esses dois pequenos livros são o brinde que mais gosto de oferecer. Além de agradar (espero) a adultos e crianças, eles dizem algo essencial sobre minha maneira de pensar e de viver, ou melhor, sobre como gostaria de conseguir pensar e viver. "O Outro Lado" é, dos dois, o mais fantasioso e, talvez, o mais complexo. À força de folheá-lo, cheguei a este resumo de sua sabedoria: 1) sempre há um outro lado; 2) vale a pena, em cada situação, olhar para nós mesmos do ponto de vista daqueles que estamos observando; 3) esse esforço não é apenas um jogo no qual brincaríamos de passar de um lado ao outro do espelho; 4) tampouco trata-se apenas de saber se colocar nos sapatos dos outros (o que já não seria mal); 5) os desenhos revelam que, quando a gente se desloca para o lugar dos outros, quando a gente se mexe para "o outro lado", algo muda: o resultado final não é só a mesma cena vista de ângulos opostos, mas é, de repente, uma nova cena. Veja se você concorda. "Zoom" é de uma leitura mais imediata, mas não por isso é menos rico. Para não estragar o prazer dos leitores, invento uma seqüência parecida com a do livro, mas diferente dela: no começo, você vê alguém de costas, sentado à frente de uma tela de computador, e imagina que esse seja o cenário da história que começa. O zoom, afastando seu olhar, amplia o campo visual, e eis que aparece o seguinte: aquele cenário inicial é uma propaganda de informática numa revista que está nas mãos de alguém sentado na sala de espera do dentista. Antes de decidir que esse seria, então, o cenário da história, espere: o zoom vai recuar de novo. E por aí vai. "Zoom" pode ser lido do começo ao fim (sucessão de ampliações do campo visual - "zoom out") ou do fim ao começo ("zoom in": aproximação progressiva do nosso olhar, que, portanto, enxerga de maneira cada vez mais detalhada, mas também com cada vez menos compreensão do conjunto, que se perde a cada aproximação). Para quem lê do começo ao fim, o livro vale como uma meditação apaziguadora sobre a pouca relevância das pequenas coisas nas quais encalha o narcisismo da gente -a começar pela nossa própria pessoa. Ele lembra um pouco aquelas fantasias por meio das quais as crianças tentam aliviar o fardo do olhar dos pais, que permanentemente tenta convencê-las de que elas são seres únicos e extraordinários. Nessas fantasias, as crianças imaginam, por exemplo, que nosso "universo" seja apenas um viveiro de bactérias no ventre de um gigante -os terremotos e as inundações sendo, respectivamente, acessos de tosse ou bebedeiras de nosso hóspede desmedido. E não acaba assim: o gigante, por sua vez, sem se dar conta, poderia ser um vírus no corpo de um supergigante, que, por sua vez... Mas, fora esse exercício salutar, que encolhe o narcisismo (ele sim, gigantesco) do qual sofremos normalmente, "Zoom" é também uma espécie de meditação, por assim dizer, cognitiva. Explico. Nossas tentativas de entender e explicar o mundo estão sempre oscilando entre um "zoom in" e um "zoom out". Ou seja, entre a aproximação máxima que nos permite encontrar a causa de nossos males no microscópio (invasores invisíveis, genes, cromossomos etc.) e a distância máxima que nos leva a procurar a explicação do que acontece, por exemplo, na disposição dos astros na hora de nosso nascimento ou no dia de hoje. Com isso, alimentamos oposições, quase sempre estéreis, entre explicações pelo infinitamente pequeno e explicações pelo quadro mais amplo -no meu campo, entre a descrição da química invisível que regula nossa mente e a consideração de eventos externos que nos afetam. Meu propósito, para o ano que vem, é que a gente não fique travado carregando na mão apenas duas objetivas separadas, uma macro e uma teleobjetiva, mas que estejamos dispostos a acionar constantemente o nosso zoom -"zoom in" e "zoom out". E também, quase ia esquecer, que sejamos capazes de enxergar sempre "o outro lado".
Contardo Calligaris
Monday, December 17, 2007
Cecília
Quantos artistas
Entoam baladas
Para suas amadas
Com grandes orquestras
Como os invejo
Como os admiro
Eu, que te vejo
E nem quase respiro
Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas
Com todas as letras
Eu te murmuro
Eu te suspiro
Eu, que soletro
Teu nome no escuro
Me escutas, Cecília
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas
Pode ser que entreabertos
Meus lábios de leve
Tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí
Como tantos poetas
Tantos cantores
Tantas Cecílias
Com mil refletores
Eu, que não digo
Mas ardo de desejo
Te olho
Te guardo
Te sigo
Te vejo dormir
Chico Buarque
Entoam baladas
Para suas amadas
Com grandes orquestras
Como os invejo
Como os admiro
Eu, que te vejo
E nem quase respiro
Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas
Com todas as letras
Eu te murmuro
Eu te suspiro
Eu, que soletro
Teu nome no escuro
Me escutas, Cecília
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas
Pode ser que entreabertos
Meus lábios de leve
Tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí
Como tantos poetas
Tantos cantores
Tantas Cecílias
Com mil refletores
Eu, que não digo
Mas ardo de desejo
Te olho
Te guardo
Te sigo
Te vejo dormir
Chico Buarque
Friday, December 14, 2007
Escolha
Escolhi a felicidade.
Uma felicidade relativa, possível, sem fantasias.
Existe?
Sem me rachar por dentro para alcançar alturas,
para as quais não tenho asas;
ou se as tenho, falta coragem, empenho.
Então me contento com o pouco,
que não é tão pouco,
pois me acalma por um tempo.
Só que ao menor sinal de problema,
solta-se a imaginação novamente,
a fim de aquietar com fantasias
o coração sensível e exigente,
que à razão tantas vezes se submete,
não na essência.
Coração rebelde,
carro-chefe da minha vida,
que minhas ilusões carrega,
me leva para frente,
difere, distingue,
se insinua em olhares, sorrisos e gestos,
que só os iguais captam e compreendem...
Escolhi esse jeito de ser meio escondido,
vivendo talvez a metade do que poderia,
mas em paz... talvez apenas sobrevivendo...
Cecília
Uma felicidade relativa, possível, sem fantasias.
Existe?
Sem me rachar por dentro para alcançar alturas,
para as quais não tenho asas;
ou se as tenho, falta coragem, empenho.
Então me contento com o pouco,
que não é tão pouco,
pois me acalma por um tempo.
Só que ao menor sinal de problema,
solta-se a imaginação novamente,
a fim de aquietar com fantasias
o coração sensível e exigente,
que à razão tantas vezes se submete,
não na essência.
Coração rebelde,
carro-chefe da minha vida,
que minhas ilusões carrega,
me leva para frente,
difere, distingue,
se insinua em olhares, sorrisos e gestos,
que só os iguais captam e compreendem...
Escolhi esse jeito de ser meio escondido,
vivendo talvez a metade do que poderia,
mas em paz... talvez apenas sobrevivendo...
Cecília
Colcha de retalhos ( 2 )
Pedaço por pedaço,
como noiva, costuro minha colcha de retalhos.
Ligo sonhos, momentos passados, inesquecíveis olhares,
diálogos, que em minha memória permanecem gravados,
tudo formando uma história única, sem igual:
história de amor e amizade, carinho e lealdade.
Cada pedaço dessa colcha tem seu colorido, beleza, significado
e o todo é o meu, o seu, o nosso retrato,
ainda sem marcas do tempo, que tudo desgasta.
Muitas águas sobre ela rolarão;
deveremos, pois, lhe dispensar muito cuidado.
Só assim permanecerão suas cores originais:
o vermelho da paixão, o verde da esperança,
o azul da pureza e todas as outras cores
a representar a amizade, que a tudo deu início,
e deve ser cuidadosamente preservada.
Amizade: sentimento que traz em si paz e permanência,
anseio maior da humanidade...
Com afeto, serenamente,
costuro nossa colcha de retalhos...
Cecília
como noiva, costuro minha colcha de retalhos.
Ligo sonhos, momentos passados, inesquecíveis olhares,
diálogos, que em minha memória permanecem gravados,
tudo formando uma história única, sem igual:
história de amor e amizade, carinho e lealdade.
Cada pedaço dessa colcha tem seu colorido, beleza, significado
e o todo é o meu, o seu, o nosso retrato,
ainda sem marcas do tempo, que tudo desgasta.
Muitas águas sobre ela rolarão;
deveremos, pois, lhe dispensar muito cuidado.
Só assim permanecerão suas cores originais:
o vermelho da paixão, o verde da esperança,
o azul da pureza e todas as outras cores
a representar a amizade, que a tudo deu início,
e deve ser cuidadosamente preservada.
Amizade: sentimento que traz em si paz e permanência,
anseio maior da humanidade...
Com afeto, serenamente,
costuro nossa colcha de retalhos...
Cecília
Ressonar ( 2 )
Pousa
sobre meu braço
tua cabeça,
e dorme.
faz como o viajante
que longamente andou,
cansado,
e encontra afinal,
em meu porto,
o seu abrigo.
Ao lado do meu,
estende o teu corpo,
e como a criança,
abandonada ao calor da mãe,
cerra teus olhos sobre o dia,
e dorme.
com teu afeto,
faz-me sentir de novo um menino,
quando mais pareço homem.
faz reviver, dentro de mim,
o ser antigo.
Sobre meu braço
pousa tua cabeça,
e docemente, amiga,
dorme.
Sérgio Paolozzi
sobre meu braço
tua cabeça,
e dorme.
faz como o viajante
que longamente andou,
cansado,
e encontra afinal,
em meu porto,
o seu abrigo.
Ao lado do meu,
estende o teu corpo,
e como a criança,
abandonada ao calor da mãe,
cerra teus olhos sobre o dia,
e dorme.
com teu afeto,
faz-me sentir de novo um menino,
quando mais pareço homem.
faz reviver, dentro de mim,
o ser antigo.
Sobre meu braço
pousa tua cabeça,
e docemente, amiga,
dorme.
Sérgio Paolozzi
Amanhecer
24 horas.
Inumeráveis gotas de infinito
que eu devo, uma a uma,
devotamente,
apalpar, saborear, sorver.
O dia está entrando
pela janela,
ou está saindo, de mim,
prá fora dela?
Sérgio Paolozzi
Inumeráveis gotas de infinito
que eu devo, uma a uma,
devotamente,
apalpar, saborear, sorver.
O dia está entrando
pela janela,
ou está saindo, de mim,
prá fora dela?
Sérgio Paolozzi
Friday, November 30, 2007
Thursday, November 22, 2007
Vida
Ao longo da vida
a gente se perde, se acha,
se fere, se abraça
erra, acerta,
se perdoa, se amaldiçoa
segue, persegue
algo distante,
que não tem tamanho
talvez Felicidade,
Paz ou algo mais....
Voltar? Só em sonho
ou pensamento
Nunca se tem uma chance,
de no passado mexer.
Pelo caminho deixamos
marcas, plantas,
que um dia hão de crescer:
nossos filhos, nossos amigos,
um pouco de nossa alegria
nosso jeito de viver
(e quem sabe também
o gosto de escrever)...
Deixamos portas abertas,
caminho um pouco mais livre
de pedras, poeira e espinhos.
Talvez esteja aí
O porquê de existirmos,
a razão do nosso viver
Parece tão simples...
E é...
O que nos cabe provar?
Erros...
São parte deste sofrido,
por vezes alegre,
apaixonante caminhar...
Cecília
a gente se perde, se acha,
se fere, se abraça
erra, acerta,
se perdoa, se amaldiçoa
segue, persegue
algo distante,
que não tem tamanho
talvez Felicidade,
Paz ou algo mais....
Voltar? Só em sonho
ou pensamento
Nunca se tem uma chance,
de no passado mexer.
Pelo caminho deixamos
marcas, plantas,
que um dia hão de crescer:
nossos filhos, nossos amigos,
um pouco de nossa alegria
nosso jeito de viver
(e quem sabe também
o gosto de escrever)...
Deixamos portas abertas,
caminho um pouco mais livre
de pedras, poeira e espinhos.
Talvez esteja aí
O porquê de existirmos,
a razão do nosso viver
Parece tão simples...
E é...
O que nos cabe provar?
Erros...
São parte deste sofrido,
por vezes alegre,
apaixonante caminhar...
Cecília
"Day After"
O que fiz hoje do meu dia?
Andei meio às cegas e às tontas pela casa,
passando por tudo indiferente, apática
Depois me atirei aos braços de “ Morfeu”,
sem nada perder ou ganhar,
nem um sonho a explicar esta entrega absoluta,
inusitada, sem remorsos:
um nada noutro nada se perdendo...
E assim o banho (de banheira) logo a seguir
- o silêncio me envolvendo como a água quente...
Eu tão ausente, me dando um tempo, trancada em mim...
Só então, corpo aquecido e relaxado,
desponta o pensamento que explica o dia, a preguiça o cansaço, a ressaca:
“Em boca fechada não entra mosca”,
única lição do drama que vivi (ressalvado o direito de sentir)
Silenciosos, em sintonia com meu estado de espírito, continuam:
as filhas caninas, a tv, os telefones, a casa, o quarto.
E penso: palavras, hoje, só escritas, sujeitas ao “delete”
... ou à borracha.
Cecília
29-10-07
Andei meio às cegas e às tontas pela casa,
passando por tudo indiferente, apática
Depois me atirei aos braços de “ Morfeu”,
sem nada perder ou ganhar,
nem um sonho a explicar esta entrega absoluta,
inusitada, sem remorsos:
um nada noutro nada se perdendo...
E assim o banho (de banheira) logo a seguir
- o silêncio me envolvendo como a água quente...
Eu tão ausente, me dando um tempo, trancada em mim...
Só então, corpo aquecido e relaxado,
desponta o pensamento que explica o dia, a preguiça o cansaço, a ressaca:
“Em boca fechada não entra mosca”,
única lição do drama que vivi (ressalvado o direito de sentir)
Silenciosos, em sintonia com meu estado de espírito, continuam:
as filhas caninas, a tv, os telefones, a casa, o quarto.
E penso: palavras, hoje, só escritas, sujeitas ao “delete”
... ou à borracha.
Cecília
29-10-07
Sunday, November 18, 2007
Yoko Ono
CONTARDO CALLIGARIS
Ela defende a pequena liberdade íntima e concreta do fazer -a mais difícil e preciosa
NO SÁBADO passado, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, foi aberta a exposição retrospectiva de Yoko Ono. Não deixe de visitá-la (até 3 de fevereiro de 2008), mas escolha bem o momento: a abertura foi um desastre. Para ver uma obra que fala de liberdade, houve filas, barreiras e distribuição de fichas.
Na quinta-feira anterior, no Teatro Municipal, Yoko Ono fez uma performance que foi constrangedora. Como foi a única, sorte de quem não esteve lá.
Yoko Ono já era uma artista relevante quando ela encontrou John Lennon. A lenda conta que Lennon se apaixonou por ela por causa de uma obra, "Ceiling Painting" (pintura no teto), de 1966. Trata-se de uma escada branca no topo da qual você encontra uma lupa, com que é possível ler uma inscrição: "Yes". É um apelo bonito à nossa capacidade de viver e de mudar o mundo: "sim", é permitido desejar, basta se dar a pena de subir a escada.
O espírito da contracultura americana poderia ser resumido pelo "Yes" de Yoko Ono ou pelo "Do It" (faça-o) de Jerry Rubin. Não é só um enfrentamento com a autoridade; é a luta contra as resistências internas que nos impedem de agir (e desobedecer, se for preciso).
No CCBB, é proibido tocar na escada de "Ceiling Painting". O que fazer? No espírito da exposição, subir a escada encarando os seguranças?
Ou negar o sentido da exposição e acatar a proibição?
Nos anos 60, eu teria subido e armado um barraco, mas os tempos mudaram. Na época, se comprasse uma briga, a metade dos visitantes me apoiaria, e talvez a coisa terminasse na demolição do CCBB por uma turma de revoltados, até a chegada da polícia. Hoje, eu seria um vândalo isolado.
Por causa dessa mudança dos tempos, na exposição, as peças interativas (quadros para pintar ou para encher de pregos, cacos que podemos rejuntar com cola etc.) são tristes pela modéstia bem comportada de quem aceita o convite a se expressar. Por exemplo, somos convidados a escrever um desejo num papel que penduraremos na "Árvore do Desejo", a qual, no fim da exposição, ficará carregada de sonhos e aspirações.
Escutei duas mulheres comentando que seria legal montar uma árvore dessas para o Natal. Pendurar desejos é mais divertido do que pendurar anjinhos e bolinhas, mas que desejos serão confessados no espaço familiar e meloso da festa natalina?
Enfim, o conjunto da obra de Yoko Ono é forte e corajoso; é difícil não ser tocado por trabalhos como "Espécies em Extinção" ou "Objetos de Sangue". Mas tenho um carinho especial pelas "Instruções". São "receitas" para criar uma "obra de arte", que pode ser um objeto ou um comportamento.
Desde os anos 60, as "instruções" são a marca registrada da arte conceitual, pela qual a obra pode ser reduzida ao seu "conceito", ou seja, às instruções necessárias para que cada um possa criá-la. As instruções de Yoko Ono, escritas em japonês ou, quando são em inglês, numa caligrafia cuneiforme lindíssima, são breves poemas para um domingo de manhã em que você está sozinho, em paz e com vontade de tentar algo que você nunca fez: pintar uma aquarela, seguir um desconhecido na rua, olhar para o céu pelo buraco que você se permitiu fazer na cortina da sala. Yoko Ono defende a pequena liberdade íntima e concreta do fazer. É a liberdade mais difícil, mais verdadeira e mais preciosa.
Com o tempo, vários artistas conceituais, em vez de praticar a redução da obra às instruções para produzi-la, entenderam que, por eles serem "conceituais", deviam roubar a cena aos filósofos e pensar nas "grandes questões" do mundo. De repente, muitas obras conceituais se transformaram em lugares comuns primários.
É o que aconteceu na performance de quinta-feira. Aprendemos, por exemplo, que é ruim bombardear cidades, que as guerras matam pessoas e não é legal jogar vitríolo na cara das mulheres, as quais se libertam parando de usar sutiã. São coisas que eu já suspeitava -eu e todas as torcidas do país. Revisar esses "pensamentos" graças a imagens-clichês num telão e músicas cantadas num clima de show pop, com lançamento de beijinhos e lembrançinhas para o público... haja paciência.
Para esquecer esse mau momento, basta visitar a exposição do CCBB e seguir uma instrução qualquer da própria Yoko Ono. Por exemplo (estou escrevendo no domingo): "Disponha seu quarto do jeito que você deseja que esteja sua mente".
Ela defende a pequena liberdade íntima e concreta do fazer -a mais difícil e preciosa
NO SÁBADO passado, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, foi aberta a exposição retrospectiva de Yoko Ono. Não deixe de visitá-la (até 3 de fevereiro de 2008), mas escolha bem o momento: a abertura foi um desastre. Para ver uma obra que fala de liberdade, houve filas, barreiras e distribuição de fichas.
Na quinta-feira anterior, no Teatro Municipal, Yoko Ono fez uma performance que foi constrangedora. Como foi a única, sorte de quem não esteve lá.
Yoko Ono já era uma artista relevante quando ela encontrou John Lennon. A lenda conta que Lennon se apaixonou por ela por causa de uma obra, "Ceiling Painting" (pintura no teto), de 1966. Trata-se de uma escada branca no topo da qual você encontra uma lupa, com que é possível ler uma inscrição: "Yes". É um apelo bonito à nossa capacidade de viver e de mudar o mundo: "sim", é permitido desejar, basta se dar a pena de subir a escada.
O espírito da contracultura americana poderia ser resumido pelo "Yes" de Yoko Ono ou pelo "Do It" (faça-o) de Jerry Rubin. Não é só um enfrentamento com a autoridade; é a luta contra as resistências internas que nos impedem de agir (e desobedecer, se for preciso).
No CCBB, é proibido tocar na escada de "Ceiling Painting". O que fazer? No espírito da exposição, subir a escada encarando os seguranças?
Ou negar o sentido da exposição e acatar a proibição?
Nos anos 60, eu teria subido e armado um barraco, mas os tempos mudaram. Na época, se comprasse uma briga, a metade dos visitantes me apoiaria, e talvez a coisa terminasse na demolição do CCBB por uma turma de revoltados, até a chegada da polícia. Hoje, eu seria um vândalo isolado.
Por causa dessa mudança dos tempos, na exposição, as peças interativas (quadros para pintar ou para encher de pregos, cacos que podemos rejuntar com cola etc.) são tristes pela modéstia bem comportada de quem aceita o convite a se expressar. Por exemplo, somos convidados a escrever um desejo num papel que penduraremos na "Árvore do Desejo", a qual, no fim da exposição, ficará carregada de sonhos e aspirações.
Escutei duas mulheres comentando que seria legal montar uma árvore dessas para o Natal. Pendurar desejos é mais divertido do que pendurar anjinhos e bolinhas, mas que desejos serão confessados no espaço familiar e meloso da festa natalina?
Enfim, o conjunto da obra de Yoko Ono é forte e corajoso; é difícil não ser tocado por trabalhos como "Espécies em Extinção" ou "Objetos de Sangue". Mas tenho um carinho especial pelas "Instruções". São "receitas" para criar uma "obra de arte", que pode ser um objeto ou um comportamento.
Desde os anos 60, as "instruções" são a marca registrada da arte conceitual, pela qual a obra pode ser reduzida ao seu "conceito", ou seja, às instruções necessárias para que cada um possa criá-la. As instruções de Yoko Ono, escritas em japonês ou, quando são em inglês, numa caligrafia cuneiforme lindíssima, são breves poemas para um domingo de manhã em que você está sozinho, em paz e com vontade de tentar algo que você nunca fez: pintar uma aquarela, seguir um desconhecido na rua, olhar para o céu pelo buraco que você se permitiu fazer na cortina da sala. Yoko Ono defende a pequena liberdade íntima e concreta do fazer. É a liberdade mais difícil, mais verdadeira e mais preciosa.
Com o tempo, vários artistas conceituais, em vez de praticar a redução da obra às instruções para produzi-la, entenderam que, por eles serem "conceituais", deviam roubar a cena aos filósofos e pensar nas "grandes questões" do mundo. De repente, muitas obras conceituais se transformaram em lugares comuns primários.
É o que aconteceu na performance de quinta-feira. Aprendemos, por exemplo, que é ruim bombardear cidades, que as guerras matam pessoas e não é legal jogar vitríolo na cara das mulheres, as quais se libertam parando de usar sutiã. São coisas que eu já suspeitava -eu e todas as torcidas do país. Revisar esses "pensamentos" graças a imagens-clichês num telão e músicas cantadas num clima de show pop, com lançamento de beijinhos e lembrançinhas para o público... haja paciência.
Para esquecer esse mau momento, basta visitar a exposição do CCBB e seguir uma instrução qualquer da própria Yoko Ono. Por exemplo (estou escrevendo no domingo): "Disponha seu quarto do jeito que você deseja que esteja sua mente".
Wednesday, October 31, 2007
Suavíssima
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente . . .
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma . . .
Fica-se longe, quase morta, como ausente . . .
Sem ter certeza de ninguém . . . de coisa alguma . . .
Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente,
De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma . . .
E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente . . .
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Tão para lá! . . . No fim da tarde . . . além da bruma . . .
E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma . . .
Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma . . .
E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Cecília Meireles
No céu de outono, anda um langor final de pluma
Que se desfaz por entre os dedos, vagamente . . .
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Tudo se apaga, e se evapora, e perde, e esfuma . . .
Fica-se longe, quase morta, como ausente . . .
Sem ter certeza de ninguém . . . de coisa alguma . . .
Tem-se a impressão de estar bem doente, muito doente,
De um mal sem dor, que se não saiba nem resuma . . .
E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
A alma das flores, suave e tácita, perfuma
A solitude nebulosa e irreal do ambiente . . .
Os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Tão para lá! . . . No fim da tarde . . . além da bruma . . .
E silenciosos, como alguém que se acostuma
A caminhar sobre penumbras, mansamente,
Meus sonhos surgem, frágeis, leves como espuma . . .
Põem-se a tecer frases de amor, uma por uma . . .
E os galos cantam, no crepúsculo dormente . . .
Cecília Meireles
Saturday, September 15, 2007
Tuesday, September 04, 2007
Preço
Ninguém tira os pés do chão e voa impunemente
O preço... vale a pena?
Vale viver uma outra vida, à perfeição retocada,
Colorido filme em que somos protagonistas,
Vale brincar, esculpir imagens, criar roteiros,
Vida paralela ocupando da realidade quase todo o espaço?
Cecília
O preço... vale a pena?
Vale viver uma outra vida, à perfeição retocada,
Colorido filme em que somos protagonistas,
Vale brincar, esculpir imagens, criar roteiros,
Vida paralela ocupando da realidade quase todo o espaço?
Cecília
Silêncio
Que fala mais que mil palavras
Com força para desfazer sonhos
Mudar imagens
Esmaecer cores
Tirar da vida tantos sabores
Silêncio
Enigma que crias
E permanentemente me desafia
Devo ou não mover minha rainha
Risco
Penso, repenso, raciocino
Silenciam alma, coração, sentimentos
E me pergunto:
Vale a pena,
Jogar assim o jogo da vida?
Cecília
Que fala mais que mil palavras
Com força para desfazer sonhos
Mudar imagens
Esmaecer cores
Tirar da vida tantos sabores
Silêncio
Enigma que crias
E permanentemente me desafia
Devo ou não mover minha rainha
Risco
Penso, repenso, raciocino
Silenciam alma, coração, sentimentos
E me pergunto:
Vale a pena,
Jogar assim o jogo da vida?
Cecília
Friday, August 24, 2007
Manhã de novembro
meu gato siamês
(de veludo
e garras,
cheio de sons)
deita-se
ao sol
(da morte,
sabemos nós)
displicente
e eterno
Ferreira Gullar
(de veludo
e garras,
cheio de sons)
deita-se
ao sol
(da morte,
sabemos nós)
displicente
e eterno
Ferreira Gullar
Thursday, August 23, 2007
Jogo
Nada tem a força do teu olhar
Que o meu penetra
A alma desnuda
Promete
Recua
Torna a prometer
Num jogo ininterrupto
De razão e sentimento
Entro no jogo
Sedutora
teu olhar devolvo
em meio a palavras
que nada expressam
tergiversam
em total desacordo
com a força do olhar
que te devolvo...
Cecília
22-08-07
Que o meu penetra
A alma desnuda
Promete
Recua
Torna a prometer
Num jogo ininterrupto
De razão e sentimento
Entro no jogo
Sedutora
teu olhar devolvo
em meio a palavras
que nada expressam
tergiversam
em total desacordo
com a força do olhar
que te devolvo...
Cecília
22-08-07
Plenitude
Sonho:
Um canto
Nós dois nos enlaçando
Trocando carícias
Felizes
Amigos
Amantes
Únicos habitantes
Do mundo que criamos
Só um canto
Mas transbordante de desejo
e ternura
Silencioso, aconchegante...
... e nós nos entregando
Naturalmente
Plenos
Pacificados
Serenos...
Cecília
17-08-07
Um canto
Nós dois nos enlaçando
Trocando carícias
Felizes
Amigos
Amantes
Únicos habitantes
Do mundo que criamos
Só um canto
Mas transbordante de desejo
e ternura
Silencioso, aconchegante...
... e nós nos entregando
Naturalmente
Plenos
Pacificados
Serenos...
Cecília
17-08-07
Friday, August 17, 2007
Poesia em outra embutida
Foste
Rasgo
Raio
Risco
Na página
Na alma
Na vida
Sem sentido
Curta permanência
Tocando fundo
Inigualável experiência
Paixão única
Da realidade fuga
Concreta?
Abstrata?
(Ainda sinto o teu perfume...)
Tudo
Cecília
Rasgo
Raio
Risco
Na página
Na alma
Na vida
Sem sentido
Curta permanência
Tocando fundo
Inigualável experiência
Paixão única
Da realidade fuga
Concreta?
Abstrata?
(Ainda sinto o teu perfume...)
Tudo
Cecília
Avesso
Posso”zoar” com a poesia, com o meu blog,
com a minha vida.
Para alguns serei “legal”.
“Cool” este modo “blasé” com a vida
Posso posar de inteligente, superior, culta,
fingir que não levo nada a sério,
que sou uma eterna adolescente
e assim brincar comigo, com os afins,
com desejos frustrados, insatisfações e fantasias.
E se nada há a dizer, a acrescentar,
deixar que em minha casa virtual
prevaleça o “nonsense”,
o mau gosto;
que este agrida, agite,
desperte risos, críticas,
traga matérias na mesma linha
e vire tudo... uma grande porcaria...
Cecília
Para um certo conde
com a minha vida.
Para alguns serei “legal”.
“Cool” este modo “blasé” com a vida
Posso posar de inteligente, superior, culta,
fingir que não levo nada a sério,
que sou uma eterna adolescente
e assim brincar comigo, com os afins,
com desejos frustrados, insatisfações e fantasias.
E se nada há a dizer, a acrescentar,
deixar que em minha casa virtual
prevaleça o “nonsense”,
o mau gosto;
que este agrida, agite,
desperte risos, críticas,
traga matérias na mesma linha
e vire tudo... uma grande porcaria...
Cecília
Para um certo conde
Monday, July 23, 2007
Canção do rio do meio
Um rio jorra entre o porão e o sótão:
leva dores e amores e nosso último riso
há tanto tempo.
Mas numa curva qualquer, porque de novo amamos,
tudo pulsa e brilha de ousadia,
sabendo que temos pela frente
esse calor, esse rumor de águas na areia.
Passa no meio de nós, entre o sonho do sótão
e o medo dos porões, o rio da vida:
que me leve para ti ainda uma vez e muitas,
que venhas até mim antes daquela curva
com a audácia e o fervor que tínhamos perdido.
Lya Luft
leva dores e amores e nosso último riso
há tanto tempo.
Mas numa curva qualquer, porque de novo amamos,
tudo pulsa e brilha de ousadia,
sabendo que temos pela frente
esse calor, esse rumor de águas na areia.
Passa no meio de nós, entre o sonho do sótão
e o medo dos porões, o rio da vida:
que me leve para ti ainda uma vez e muitas,
que venhas até mim antes daquela curva
com a audácia e o fervor que tínhamos perdido.
Lya Luft
Nesta casa escura e fria
só o meu corpo se encontra.
A alma, brinca de faz de conta:
que é dezembro, festa, Natal, casamento
ou que ainda é setembro:
viagem, amigos, uma terra diferente.
Eta, alma besta!
Não se conforma.
Finge que está tudo bem agora
que a vida é cor de rosa,
que tudo de uma maneira
ou outra se resolve.
Mas tem um medo da morte!...
Alma escaldada,
que não quer olhar o passado,
só por falta:
da mãe muito amada, do pai amado,
tanta gente...
Aí: foi só pensar e lá vem
a lágrima quente.
Enfim... só pede um tempo
e segue em frente,
pois como diz o outro:
atrás vem gente...
Cecília
só o meu corpo se encontra.
A alma, brinca de faz de conta:
que é dezembro, festa, Natal, casamento
ou que ainda é setembro:
viagem, amigos, uma terra diferente.
Eta, alma besta!
Não se conforma.
Finge que está tudo bem agora
que a vida é cor de rosa,
que tudo de uma maneira
ou outra se resolve.
Mas tem um medo da morte!...
Alma escaldada,
que não quer olhar o passado,
só por falta:
da mãe muito amada, do pai amado,
tanta gente...
Aí: foi só pensar e lá vem
a lágrima quente.
Enfim... só pede um tempo
e segue em frente,
pois como diz o outro:
atrás vem gente...
Cecília
Wednesday, June 20, 2007
Me pediste uma poesia alegre:
Ontem a fiz; dela só faltou saírem fogos de artifício,
celebração de horas de entendimento, harmonia,
coincidência de estados especialíssimos de espírito.
Quantos passarinhos verdes havíamos visto?
Hoje te olhei com outros olhos,
olhos de posse, maldita posse.
E se turvou o que era límpido, claro,
divertido, perfeito...
Inocência,
só tu seguras este sentimento de querer bem,
preenchimento,
estranha, inexplicável permanência...
Cecília
16-06-05
Ontem a fiz; dela só faltou saírem fogos de artifício,
celebração de horas de entendimento, harmonia,
coincidência de estados especialíssimos de espírito.
Quantos passarinhos verdes havíamos visto?
Hoje te olhei com outros olhos,
olhos de posse, maldita posse.
E se turvou o que era límpido, claro,
divertido, perfeito...
Inocência,
só tu seguras este sentimento de querer bem,
preenchimento,
estranha, inexplicável permanência...
Cecília
16-06-05
Tuesday, June 12, 2007
Namorados
Palavra mágica, que salta da página,
me extasia, me amarra,
tão cheia de significado...
Palavra com gosto de beijo
perfume de amor-perfeito,
singeleza.
Palavra doce... açucarada,
palavra que nos retrata,
que é dengo, feitiço, desejo,
Amor a desenhar letra por letra...
Cecília
me extasia, me amarra,
tão cheia de significado...
Palavra com gosto de beijo
perfume de amor-perfeito,
singeleza.
Palavra doce... açucarada,
palavra que nos retrata,
que é dengo, feitiço, desejo,
Amor a desenhar letra por letra...
Cecília
Tuesday, June 05, 2007
Fecho
Estou para encerrar meu caderno
Anos de poesia e descoberta
Viagens para dentro e caminho inverso
Expressão de tudo: da primavera
Ao mais rigoroso inverno.
Luz sombra
Vida ausência dela
Tudo menos ver a vida só da janela.
E você a permear todos os meus versos.
Amor: única certeza neste mundo incerto...
Cecília
Estou para encerrar meu caderno
Anos de poesia e descoberta
Viagens para dentro e caminho inverso
Expressão de tudo: da primavera
Ao mais rigoroso inverno.
Luz sombra
Vida ausência dela
Tudo menos ver a vida só da janela.
E você a permear todos os meus versos.
Amor: única certeza neste mundo incerto...
Cecília
Cabelos pretos
cabelos de seda
grudados na alma
na palma da minha mão.
Com eles brinco, os assopro,
deposito num envelope,
e dentro do meu coração.
Cabelos lustrosos
fetiche, amuleto, sorte,
ou apenas uma lembrança,
de quem escolhi pra gostar.
Não que eu queira me afastar.
Só quero brincar de tesouro,
poder esconder o meu ouro,
o curtir ...e nada mais...
Cecília Quadros
cabelos de seda
grudados na alma
na palma da minha mão.
Com eles brinco, os assopro,
deposito num envelope,
e dentro do meu coração.
Cabelos lustrosos
fetiche, amuleto, sorte,
ou apenas uma lembrança,
de quem escolhi pra gostar.
Não que eu queira me afastar.
Só quero brincar de tesouro,
poder esconder o meu ouro,
o curtir ...e nada mais...
Cecília Quadros
Tuesday, May 01, 2007
Sonho meu
Um terraço
Um ou muitos gatos
Cachorros, papagaio
Perfume de trepadeiras
Jasmim do cabo
Flores do campo nos canteiros
Para lembrar a infância,
Uma amoreira
Sala de tábuas largas
Lareira
Riso de crianças
Nos fins de semana
Cheiro de bolo assando
Livros nas mãos e nas prateleiras
Sons normais de uma casa
Plantas sendo aguadas
Alguém varrendo, movimento!
Jornal de manhã e pão quente
Mais tvs, dvds, computer,cd player.
Na cabeça Prozac, você ao meu lado
Assim dá para envelhecer contente...
Para Fauze
Cecília
Um ou muitos gatos
Cachorros, papagaio
Perfume de trepadeiras
Jasmim do cabo
Flores do campo nos canteiros
Para lembrar a infância,
Uma amoreira
Sala de tábuas largas
Lareira
Riso de crianças
Nos fins de semana
Cheiro de bolo assando
Livros nas mãos e nas prateleiras
Sons normais de uma casa
Plantas sendo aguadas
Alguém varrendo, movimento!
Jornal de manhã e pão quente
Mais tvs, dvds, computer,cd player.
Na cabeça Prozac, você ao meu lado
Assim dá para envelhecer contente...
Para Fauze
Cecília
Monday, April 30, 2007
CONTARDO CALLIGARIS
"Pecados Íntimos"
O filme, tocante e verdadeiro, é sobre como nosso desejo encalha e se solta
"PECADOS ÍNTIMOS", de Todd Field, estreou no dia 9 de fevereiro. Parecia ser mais um filme sobre a vida nos subúrbios americanos de classe média, tipo "Beleza Americana" (vencedor do Oscar em 2000), e fiquei com preguiça. Sempre acho um pouco fácil satirizar uma maneira de viver, como se o jeito da gente fosse o certo: "Aponto o vazio na vida dos outros para me convencer de que a minha é autêntica e plena".
Vários leitores me escreveram estranhando que não comentasse o filme. Graças a eles, assisti, enfim, a "Pecados Íntimos", que NÃO é um filme sobre a vida nos subúrbios americanos (a não ser que você considere que "Hamlet" é uma peça sobre a vida na corte da Dinamarca durante a Idade Média).
"Pecados Íntimos" é um filme tocante e verdadeiro sobre os caminhos forçados de nosso desejo e sobre como ele encalha (quase sempre) e se solta (aos trancos).
Quando ensinava "Cultural Studies" na New School, começava dizendo a meus estudantes que eles eram livres para tirar todas as notas
A que quisessem, mas, para entender a subjetividade moderna, eles teriam que passar por três letras B: Brummel, Byron e Bovary. Não era só uma piada de professor: as três figuras em questão, afinal, falam todas de nossa impossibilidade de conseguir, na vida, a nota máxima.
Um B já é de bom tamanho. Brummel (o primeiro dandy, no fim do século 18) lembra que a nobreza não é efeito do berço em que a gente nasce; ela é fruto da "elegância" (não tanto das maneiras e da roupa, mas do espírito). O hábito, na modernidade, faz o monge, e somos livres para escolhê-lo. Mas essa liberdade tem um custo: o desconforto de apenas parecer o que somos e, claro, a aflição de parecer o que não somos ou não queremos ser. O hábito faz e aprisiona o monge.
Byron (o poeta romântico) lembra que, na vida moderna, o que importa é a intensidade e a variedade de experiências. A fome de viver e o anseio de aventuras levam alguns a lutar pela independência da Grécia, a pular de skate quando mal sabem andar ou a perder-se nas sarjetas do mundo. E nos levam a sonhar com o que não ousamos empreender.
Emma Bovary (a heroína do romance de Flaubert) lembra que o amor é o grande operador moderno da mudança. Descobrimos que podíamos inventar nossa vida quando começamos a casar por amor (e não para preservar a casta, a família e o patrimônio). Portanto, esperamos do amor que ele nos transforme e nos leve para uma "outra" vida (e toda vida tem uma "outra" vida com a qual sonhar).
Numa cena de "Pecados Íntimos", "Madame Bovary" é comentado por um grupo de mulheres. Elas descobrem (a contragosto) que são todas, de um jeito ou de outro, Emma Bovary: inconformadas com sua vida e desejosas de um amor que as salve.
Mas "Pecados Íntimos" é mais que uma adaptação de "Madame Bovary": é um pequeno "tratado" da subjetividade moderna. Até porque, justamente, Emma Bovary sentia que ela era muito mais do que parecia pela "rotina" de sua vida. E seus sonhos de amor eram sonhos de experiência e aventura. Ou seja, os três "B" estão sempre juntos, dentro da gente.
Além disso, é difícil sair do cinema sem se perguntar por qual mistério somos condescendentes com nossas impulsões (o pedófilo e a protagonista não são os únicos que não sabem resistir às tentações) e, ao mesmo tempo, inertes quando se trata de mudar de vida. O desejo só consegue se expressar por sobressaltos. É como se, contra o nosso desejo, tivéssemos erigido um dique inútil: a água irrompe, forte, pelas pequenas falhas, mas sua massa não se transforma em energia para inventar a vida.
A incapacidade de mudar, aliás, é o grande tema do filme. Há a mãe do pedófilo, que espera que o filho se torne "normal", mas, olhe só, coleciona estatuetas de meninos. Há a mulher que não quer perder o marido, mas enfia o filho no meio da cama e vigia a vida do esposo como uma mãe. Há a mulher que morre de tédio e transa com o marido toda terça às 19h30, embora sonhe em conseguir o telefone de um bonitão.
Há o homem que cansou de ser babá do filho, mas, quando se trata de estudar para o exame da Ordem, passa as noites à toa.
O título original do filme é "Little Children" (criancinhas). Em matéria de desejo, somos todos criancinhas, incapazes de encontrar a coragem de fazer o que desejamos, mas sempre (e apenas) tentados por potes de geléia.
calligari@uol.com.br
"Pecados Íntimos"
O filme, tocante e verdadeiro, é sobre como nosso desejo encalha e se solta
"PECADOS ÍNTIMOS", de Todd Field, estreou no dia 9 de fevereiro. Parecia ser mais um filme sobre a vida nos subúrbios americanos de classe média, tipo "Beleza Americana" (vencedor do Oscar em 2000), e fiquei com preguiça. Sempre acho um pouco fácil satirizar uma maneira de viver, como se o jeito da gente fosse o certo: "Aponto o vazio na vida dos outros para me convencer de que a minha é autêntica e plena".
Vários leitores me escreveram estranhando que não comentasse o filme. Graças a eles, assisti, enfim, a "Pecados Íntimos", que NÃO é um filme sobre a vida nos subúrbios americanos (a não ser que você considere que "Hamlet" é uma peça sobre a vida na corte da Dinamarca durante a Idade Média).
"Pecados Íntimos" é um filme tocante e verdadeiro sobre os caminhos forçados de nosso desejo e sobre como ele encalha (quase sempre) e se solta (aos trancos).
Quando ensinava "Cultural Studies" na New School, começava dizendo a meus estudantes que eles eram livres para tirar todas as notas
A que quisessem, mas, para entender a subjetividade moderna, eles teriam que passar por três letras B: Brummel, Byron e Bovary. Não era só uma piada de professor: as três figuras em questão, afinal, falam todas de nossa impossibilidade de conseguir, na vida, a nota máxima.
Um B já é de bom tamanho. Brummel (o primeiro dandy, no fim do século 18) lembra que a nobreza não é efeito do berço em que a gente nasce; ela é fruto da "elegância" (não tanto das maneiras e da roupa, mas do espírito). O hábito, na modernidade, faz o monge, e somos livres para escolhê-lo. Mas essa liberdade tem um custo: o desconforto de apenas parecer o que somos e, claro, a aflição de parecer o que não somos ou não queremos ser. O hábito faz e aprisiona o monge.
Byron (o poeta romântico) lembra que, na vida moderna, o que importa é a intensidade e a variedade de experiências. A fome de viver e o anseio de aventuras levam alguns a lutar pela independência da Grécia, a pular de skate quando mal sabem andar ou a perder-se nas sarjetas do mundo. E nos levam a sonhar com o que não ousamos empreender.
Emma Bovary (a heroína do romance de Flaubert) lembra que o amor é o grande operador moderno da mudança. Descobrimos que podíamos inventar nossa vida quando começamos a casar por amor (e não para preservar a casta, a família e o patrimônio). Portanto, esperamos do amor que ele nos transforme e nos leve para uma "outra" vida (e toda vida tem uma "outra" vida com a qual sonhar).
Numa cena de "Pecados Íntimos", "Madame Bovary" é comentado por um grupo de mulheres. Elas descobrem (a contragosto) que são todas, de um jeito ou de outro, Emma Bovary: inconformadas com sua vida e desejosas de um amor que as salve.
Mas "Pecados Íntimos" é mais que uma adaptação de "Madame Bovary": é um pequeno "tratado" da subjetividade moderna. Até porque, justamente, Emma Bovary sentia que ela era muito mais do que parecia pela "rotina" de sua vida. E seus sonhos de amor eram sonhos de experiência e aventura. Ou seja, os três "B" estão sempre juntos, dentro da gente.
Além disso, é difícil sair do cinema sem se perguntar por qual mistério somos condescendentes com nossas impulsões (o pedófilo e a protagonista não são os únicos que não sabem resistir às tentações) e, ao mesmo tempo, inertes quando se trata de mudar de vida. O desejo só consegue se expressar por sobressaltos. É como se, contra o nosso desejo, tivéssemos erigido um dique inútil: a água irrompe, forte, pelas pequenas falhas, mas sua massa não se transforma em energia para inventar a vida.
A incapacidade de mudar, aliás, é o grande tema do filme. Há a mãe do pedófilo, que espera que o filho se torne "normal", mas, olhe só, coleciona estatuetas de meninos. Há a mulher que não quer perder o marido, mas enfia o filho no meio da cama e vigia a vida do esposo como uma mãe. Há a mulher que morre de tédio e transa com o marido toda terça às 19h30, embora sonhe em conseguir o telefone de um bonitão.
Há o homem que cansou de ser babá do filho, mas, quando se trata de estudar para o exame da Ordem, passa as noites à toa.
O título original do filme é "Little Children" (criancinhas). Em matéria de desejo, somos todos criancinhas, incapazes de encontrar a coragem de fazer o que desejamos, mas sempre (e apenas) tentados por potes de geléia.
calligari@uol.com.br
Friday, April 20, 2007
Soneto XXII
Na sagração de instantes fugitivos
É mais profano o mencionar do eterno,
Pois homens e momentos são votivos,
Podem fazer florir solo de inverno.
Por ser divino o agora não regressa,
É ave, é nuvem, brisa, pressentir,
Arco-íris e relâmpago sem pressa,
Presença com destino de partir.
Este pobre momento que abençoa,
Devaneio e consciência do fugaz,
Já é aquela sensação que voa,
Algo de nós que não regressa mais.
Na paixão dos efêmeros amantes,
A volúvel cortina dos instantes
Paulo Bomfim
É mais profano o mencionar do eterno,
Pois homens e momentos são votivos,
Podem fazer florir solo de inverno.
Por ser divino o agora não regressa,
É ave, é nuvem, brisa, pressentir,
Arco-íris e relâmpago sem pressa,
Presença com destino de partir.
Este pobre momento que abençoa,
Devaneio e consciência do fugaz,
Já é aquela sensação que voa,
Algo de nós que não regressa mais.
Na paixão dos efêmeros amantes,
A volúvel cortina dos instantes
Paulo Bomfim
Amando (Canto da Lua)
Não sei viver o amor de forma tranqüila
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas.
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos...
O susto de amar, de deixar de amar,
de ser só fruto de uma fantasia
ou apenas um momento dentro de uma vida...
O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar), que é infinito...
“Canto da Lua ”
É lá que me refugio....
Cecília
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas.
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos...
O susto de amar, de deixar de amar,
de ser só fruto de uma fantasia
ou apenas um momento dentro de uma vida...
O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar), que é infinito...
“Canto da Lua ”
É lá que me refugio....
Cecília
Thursday, April 19, 2007
Poema da Procura
Em nenhuma esquina do teu bairro
Encontrarás o Domingo de tua infância
Povoada de pássaros e melodias.
Hoje, o céu é lamento das aves de metal,
e os realejos se converteram
Em sereias portadoras de cantos funestos.
Inutilmente recordarás
A sombra antiga das mangueiras
E os crepúsculos tranqüilos do mundo que perdeste.
Hoje, és o ser penetrado de ruídos,
E em redor de tua angústia
Desfilam máquinas estranhas
E a multidão de rostos que não reconheces...
Além do teu corpo sepultado entre blocos de pedra,
Há um anjo da morte em cada esquina do universo...
Paulo Bomfim
Encontrarás o Domingo de tua infância
Povoada de pássaros e melodias.
Hoje, o céu é lamento das aves de metal,
e os realejos se converteram
Em sereias portadoras de cantos funestos.
Inutilmente recordarás
A sombra antiga das mangueiras
E os crepúsculos tranqüilos do mundo que perdeste.
Hoje, és o ser penetrado de ruídos,
E em redor de tua angústia
Desfilam máquinas estranhas
E a multidão de rostos que não reconheces...
Além do teu corpo sepultado entre blocos de pedra,
Há um anjo da morte em cada esquina do universo...
Paulo Bomfim
Monday, April 16, 2007
Seqüência ( E gira a roda....)
Até quando se suporta a eterna repetição das coisas,
- pela milésima e tanta vez estou diante da mesma praça -
a rotina e o pouco mais que dela escapa?
Quanto dura real envolvimento, prazer pleno, entusiasmo?
O que vale? Ou quanto valemos? Quanto tempo temos?
Quanto perdão, paciência, aceitação se tem que usar pela vida afora?
Quanto se disfarça, se aprimora, se perde, se desgasta?
A sensação é de que sempre falta tempo, real vontade, coragem
para encararmos com lucidez nossa passagem:
marcas que deixamos, um dia apagadas, ou de nós dissociadas,
tão rápido gira a roda, tragando gerações...tantas...
nos condenando ao mais completo anonimato...
Para meus distantes e desconhecidos antepassados
Cecília Quadros
- pela milésima e tanta vez estou diante da mesma praça -
a rotina e o pouco mais que dela escapa?
Quanto dura real envolvimento, prazer pleno, entusiasmo?
O que vale? Ou quanto valemos? Quanto tempo temos?
Quanto perdão, paciência, aceitação se tem que usar pela vida afora?
Quanto se disfarça, se aprimora, se perde, se desgasta?
A sensação é de que sempre falta tempo, real vontade, coragem
para encararmos com lucidez nossa passagem:
marcas que deixamos, um dia apagadas, ou de nós dissociadas,
tão rápido gira a roda, tragando gerações...tantas...
nos condenando ao mais completo anonimato...
Para meus distantes e desconhecidos antepassados
Cecília Quadros
Monday, April 09, 2007
Erotikós
Posso me romper a um simples toque
de seus dentes brancos,
inundando sua boca com o doce fluído
de que sou feita, néctar dos deuses.
E vou: deixando desejo, doçura de beijo,
despertando sua gula, vontade e sensualidade.
Ah! desejo para mim voltado...
Como o retribuo! Me mostro só sua,
sou puro açucar, sou mais do que mel.
Seu céu eu alcanço, em sua língua descanso,
e depois... escorro por sua garganta...
Cecília Quadros
de seus dentes brancos,
inundando sua boca com o doce fluído
de que sou feita, néctar dos deuses.
E vou: deixando desejo, doçura de beijo,
despertando sua gula, vontade e sensualidade.
Ah! desejo para mim voltado...
Como o retribuo! Me mostro só sua,
sou puro açucar, sou mais do que mel.
Seu céu eu alcanço, em sua língua descanso,
e depois... escorro por sua garganta...
Cecília Quadros
Tuesday, April 03, 2007
A Vida
É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
Todos somos no mundo"Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo d'onde vem!
A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...
Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a Vida!...
Florbela Espanca
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!
Todos somos no mundo"Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo d'onde vem!
A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...
Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a Vida!...
Florbela Espanca
Saturday, March 31, 2007
Antecipação
Era um domingo, como tantos outros, família reunida na casa de meus pais: os próprios, as três filhas, genros e netos. O único filho varão morava nesse tempo no interior, e por isso raramente estava presente nessas reuniões de domingo com a respectiva família.
Já havíamos almoçado, comida de restaurante, pois era folga da empregada e nossa mãe, que tudo dirigia, como um maestro à frente de sua orquestra, já havia nos convocado para arrumar a cozinha. E o fizemos, trabalhando como formiguinhas...
De vez em quando uma criança se aproximava:
- Vó, tem uma balinha?
- Na gaveta do armário, meu filho, pode pegar, mas ofereça para os outros também.
Eu e minhas irmãs não éramos radicais e entendíamos o carinho da avó. Naqueles dias podia tudo: refrigerantes, balas, um tanto de travessura, que sempre terminava com a intervenção do avô, tido como bravo, ou dos pais, zelando para que não perturbassem demais o sossego dos avós, já com certa idade. Primos reunidos nos domingos... O que esperar?
Depois da cozinha arrumada, era ficar na sala de estar com um olho no jornal, outro nas crianças, nos distraindo em boa companhia .
Na hora do cafezinho, púnhamos a conversa em dia.Quando terá sido o diálogo que se segue?
- Estou tendo aulas de piano com a vizinha, diz Helina
- Mãe, não me acostumo no apartamento novo. Me sinto como numa gaiola de ouro( agora é a vez da Cecília).
- O Jorge Alberto tem talento para a música e gosta de ouvir comigo os clássicos (mamãe falando)
- Cecília, a Carolina precisa aparar os cabelos. Está uma Maria Madalena...(ainda ela)
E por aí ia...
Às vezes o barulho das crianças se tornava insuportável, devido ao brinquedo da moda, o velotrol, que todas tinham e ficavam guardados na garagem da casa. Que fazer se em nossos apartamentos não havia espaço para eles?
Eram assim nossos domingos e não nos ocorria vivê-los de forma diferente. Para o cinema, teatro, encontro com amigos, havia todos os outros dias...
Naquele domingo, acima referido, estava eu ensimesmada, mais observando do que participando do movimento da casa, tudo vendo como um filme, quando me baixou uma tristeza infinita, consciência aguda da transitoriedade da vida. Até quando teríamos esses domingos? O tempo por certo tudo modificaria: meus pais tinham idade, quanto mais viveriam? As crianças cresceriam e não mais se conformariam com essa rotina. E nós, nossa saúde, harmonia, nada era garantido.
Contive as lágrimas fui para o lavabo e lá as deixei rolar livremente.
Depois:
- Cecília, você chorou? Seus olhos estão vermelhos.
- Não, mãe, por que motivo?
Para que angustiá-la com uma dor, que poderia lhe ocorrer a qualquer momento, mas que naquele instante era minha? Para que desassossegar os que tanto amava falando de finitude, mudanças indesejáveis, mas inevitáveis, da dor no peito, da pontada?
Acho que atribuí a vermelhidão do olhos às minhas lentes, ou a algum pequeno desentendimento durante a semana que findara.
Não sei se os enganei. Eu era mesmo tida como sensível, “manteiga derretida”...
Fui deixada no meu canto sossegada, sofrendo silenciosamente por antecipação as mudanças que viriam. E vieram. Primeiro foi meu pai que partiu, o que levou minha mãe a se mudar para um pequeno apartamento. Depois ela se foi e em seguida o meu cunhado, ainda novo.
A casa foi vendida, assim como o apartamento na praia, onde a família também se reunia alegremente.
Tantas mudanças pressentidas e sofridas naquela tarde, tão igual às outras...
Coisas, que só a alma explica...
Cecília
Já havíamos almoçado, comida de restaurante, pois era folga da empregada e nossa mãe, que tudo dirigia, como um maestro à frente de sua orquestra, já havia nos convocado para arrumar a cozinha. E o fizemos, trabalhando como formiguinhas...
De vez em quando uma criança se aproximava:
- Vó, tem uma balinha?
- Na gaveta do armário, meu filho, pode pegar, mas ofereça para os outros também.
Eu e minhas irmãs não éramos radicais e entendíamos o carinho da avó. Naqueles dias podia tudo: refrigerantes, balas, um tanto de travessura, que sempre terminava com a intervenção do avô, tido como bravo, ou dos pais, zelando para que não perturbassem demais o sossego dos avós, já com certa idade. Primos reunidos nos domingos... O que esperar?
Depois da cozinha arrumada, era ficar na sala de estar com um olho no jornal, outro nas crianças, nos distraindo em boa companhia .
Na hora do cafezinho, púnhamos a conversa em dia.Quando terá sido o diálogo que se segue?
- Estou tendo aulas de piano com a vizinha, diz Helina
- Mãe, não me acostumo no apartamento novo. Me sinto como numa gaiola de ouro( agora é a vez da Cecília).
- O Jorge Alberto tem talento para a música e gosta de ouvir comigo os clássicos (mamãe falando)
- Cecília, a Carolina precisa aparar os cabelos. Está uma Maria Madalena...(ainda ela)
E por aí ia...
Às vezes o barulho das crianças se tornava insuportável, devido ao brinquedo da moda, o velotrol, que todas tinham e ficavam guardados na garagem da casa. Que fazer se em nossos apartamentos não havia espaço para eles?
Eram assim nossos domingos e não nos ocorria vivê-los de forma diferente. Para o cinema, teatro, encontro com amigos, havia todos os outros dias...
Naquele domingo, acima referido, estava eu ensimesmada, mais observando do que participando do movimento da casa, tudo vendo como um filme, quando me baixou uma tristeza infinita, consciência aguda da transitoriedade da vida. Até quando teríamos esses domingos? O tempo por certo tudo modificaria: meus pais tinham idade, quanto mais viveriam? As crianças cresceriam e não mais se conformariam com essa rotina. E nós, nossa saúde, harmonia, nada era garantido.
Contive as lágrimas fui para o lavabo e lá as deixei rolar livremente.
Depois:
- Cecília, você chorou? Seus olhos estão vermelhos.
- Não, mãe, por que motivo?
Para que angustiá-la com uma dor, que poderia lhe ocorrer a qualquer momento, mas que naquele instante era minha? Para que desassossegar os que tanto amava falando de finitude, mudanças indesejáveis, mas inevitáveis, da dor no peito, da pontada?
Acho que atribuí a vermelhidão do olhos às minhas lentes, ou a algum pequeno desentendimento durante a semana que findara.
Não sei se os enganei. Eu era mesmo tida como sensível, “manteiga derretida”...
Fui deixada no meu canto sossegada, sofrendo silenciosamente por antecipação as mudanças que viriam. E vieram. Primeiro foi meu pai que partiu, o que levou minha mãe a se mudar para um pequeno apartamento. Depois ela se foi e em seguida o meu cunhado, ainda novo.
A casa foi vendida, assim como o apartamento na praia, onde a família também se reunia alegremente.
Tantas mudanças pressentidas e sofridas naquela tarde, tão igual às outras...
Coisas, que só a alma explica...
Cecília
Tuesday, March 06, 2007
O céu indiferente ao nosso destino
Que estranho!
Nuvens brancas em teu azul estão vagando,
qual bando de ovelhas na visão de uma criança,
a sugerir grandeza, calma, confiança,
algodão doce, espumas flutuantes.
À noite vejo em ti estrelas,
e a lua, que é mais bela quando cheia.
Muitas vezes tua indiferença me assusta..
Por que te recusas a vestir o nosso luto?
Tanta luz, tanta claridade, quando minha alma
se encontra assim, tão desamparada?
Cecília
Nuvens brancas em teu azul estão vagando,
qual bando de ovelhas na visão de uma criança,
a sugerir grandeza, calma, confiança,
algodão doce, espumas flutuantes.
À noite vejo em ti estrelas,
e a lua, que é mais bela quando cheia.
Muitas vezes tua indiferença me assusta..
Por que te recusas a vestir o nosso luto?
Tanta luz, tanta claridade, quando minha alma
se encontra assim, tão desamparada?
Cecília
Sunday, February 25, 2007
Não te amei
Amei uma imagem
Refletida num espelho
Era eu mesma
Mas te devo
O olhar iluminado
O sorriso largo
A beleza dos apaixonados
O desejo
Fantasia por ti despertada?
Não importa
Mesmo assim penso que te devo
Amei
a sensação de amar
- Passageira -
Mas sobretudo
aquela imagem minha,
refletida no espelho...
Cecília Quadros
Amei uma imagem
Refletida num espelho
Era eu mesma
Mas te devo
O olhar iluminado
O sorriso largo
A beleza dos apaixonados
O desejo
Fantasia por ti despertada?
Não importa
Mesmo assim penso que te devo
Amei
a sensação de amar
- Passageira -
Mas sobretudo
aquela imagem minha,
refletida no espelho...
Cecília Quadros
Friday, February 16, 2007
O Poema
Um poema como um gole dágua bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre
na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
Mario Quintana
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre
na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
condição de poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.
Mario Quintana
Monday, February 12, 2007
Paisagem pela câmera captada
Céu, primeiro te descrevo:
vários tons de azul brilhando entre nuvens.
Logo abaixo o mar.
Não mais o azul estático:
mais escuro, profundo, em movimento.
E a onda avançando: branca, brava,
desafiando o menino moreno, calção vermelho,
que a mede, encara, se prepara:
ou dá um impulso, com ela salta,
arrisca um “caldo”e se rala na areia,
ou a “fura”: braços estendidos, mãos unidas,
como um nadador experiente,
homem do mar, valente...
Espuma e areia no raso, quase completam o quadro.
Um pouco mais abaixo, uma faixa de praia
de um bege molhado, é quase nada
neste espetáculo de céu, nuvens,
menino e água, num final de tarde...
Para Felipe
9-2-07
Thursday, February 08, 2007
Deixemos...
Deixemos que o tempo voe
que a lágrima escorra
o corpo se encolha
que as pedras rolem
as cores desbotem
que o céu se tinja de rosa
as rosas murchem
que o passar do tempo nos assuste
e os sonhos jamais se realizem;
que se abandonem os planos
se deixe para lá desenganos
que os fortes vençam
ou a vida o destino, Deus
ou seja lá o que encontremos pela frente.
Deixemos que tudo
ou nada aconteça
que meu amor feneça
você me esqueça
que o céu se turve
ou o brilho do sol nos ofusque
nos faça perder o rumo
neste estranho mundo de luz, sombra,
ódio, amor e amargura...
Cecília Quadros
que a lágrima escorra
o corpo se encolha
que as pedras rolem
as cores desbotem
que o céu se tinja de rosa
as rosas murchem
que o passar do tempo nos assuste
e os sonhos jamais se realizem;
que se abandonem os planos
se deixe para lá desenganos
que os fortes vençam
ou a vida o destino, Deus
ou seja lá o que encontremos pela frente.
Deixemos que tudo
ou nada aconteça
que meu amor feneça
você me esqueça
que o céu se turve
ou o brilho do sol nos ofusque
nos faça perder o rumo
neste estranho mundo de luz, sombra,
ódio, amor e amargura...
Cecília Quadros
VII (Da morte, Odes Mínimas)
Perderás de mim
Todas as horas
Porque só me tomarás
A uma determinada hora
E talvez venhas
Num instante de vazio
E insipidez.
Imagina-te o que perderás
Eu que vivi no vermelho
Porque poeta, e caminhei
A chama dos caminhos
Atravessei o sol
Toquei o muro de dentro
Dos amigos
A boca nos sentimentos
E fui tomada, ferida
de malassombros, de gozo
Morte, imagina-te
Hilda Hilst
Todas as horas
Porque só me tomarás
A uma determinada hora
E talvez venhas
Num instante de vazio
E insipidez.
Imagina-te o que perderás
Eu que vivi no vermelho
Porque poeta, e caminhei
A chama dos caminhos
Atravessei o sol
Toquei o muro de dentro
Dos amigos
A boca nos sentimentos
E fui tomada, ferida
de malassombros, de gozo
Morte, imagina-te
Hilda Hilst
Wednesday, February 07, 2007
De tudo quanto amamos
De tudo quanto amamos o que resta,
O riso desbotado dos retratos,
A talagarça dos momentos gratos
Ou a tristeza desse fim de festa?
Ficou por certo a ruga em nossa testa
Inventariando feitos e relatos,
E vozes e perfis somando fatos,
E a desfocada imagem da seresta.
E tudo o fogo afaga em canto findo,
Este porque de coisas devolutas,
E o tempo nômade que foi partindo.
Ficou de quanto amamos nos escolhos
A restinga das horas dissolutas,
E o mar aprisionado em nossos olhos!
Paulo Bomfim
O riso desbotado dos retratos,
A talagarça dos momentos gratos
Ou a tristeza desse fim de festa?
Ficou por certo a ruga em nossa testa
Inventariando feitos e relatos,
E vozes e perfis somando fatos,
E a desfocada imagem da seresta.
E tudo o fogo afaga em canto findo,
Este porque de coisas devolutas,
E o tempo nômade que foi partindo.
Ficou de quanto amamos nos escolhos
A restinga das horas dissolutas,
E o mar aprisionado em nossos olhos!
Paulo Bomfim
Voltei
Deixei minha camisola sob o travesseiro,
o livro de versos na mesma prateleira,
e é como se nunca tivesse partido.
Não quebrei todos os laços,
preservei o meu espaço,
só não estou mais dividida.
Quero diante do espelho,
me ver inteiramente nua,
esquadrinhando meu rosto,
analisando meu corpo,
atrás das marcas da vida,
e daquela paixão ... finita,
que foi céu, inferno, estorvo.
Despida a veste bonita,
tal qual vestido de noiva,
fica a mulher, mãe, esposa,
e a poesia, sem asas, sem vôos.
Cecília Quadros
o livro de versos na mesma prateleira,
e é como se nunca tivesse partido.
Não quebrei todos os laços,
preservei o meu espaço,
só não estou mais dividida.
Quero diante do espelho,
me ver inteiramente nua,
esquadrinhando meu rosto,
analisando meu corpo,
atrás das marcas da vida,
e daquela paixão ... finita,
que foi céu, inferno, estorvo.
Despida a veste bonita,
tal qual vestido de noiva,
fica a mulher, mãe, esposa,
e a poesia, sem asas, sem vôos.
Cecília Quadros
Friday, February 02, 2007
Ainda és
Ainda estás
Subjugas minha vontade
Revolves meu coração
Reviras a minha vida
Assim da noite pro dia
Basta que um sonho impossível
Indesejável, intrometido
Te traga – impositivo -
me deixando outra vez vencida
inquieta, amargurada,
Presa da antiga emoção
Sim, és
Dono, senhor
De espaço tão almejado
Que, ai de mim, não domino
Pois não o alcança a razão
Sim...
Ainda vives colado
Em meu incoerente,
Desgraçado coração...
Cecília
Ainda estás
Subjugas minha vontade
Revolves meu coração
Reviras a minha vida
Assim da noite pro dia
Basta que um sonho impossível
Indesejável, intrometido
Te traga – impositivo -
me deixando outra vez vencida
inquieta, amargurada,
Presa da antiga emoção
Sim, és
Dono, senhor
De espaço tão almejado
Que, ai de mim, não domino
Pois não o alcança a razão
Sim...
Ainda vives colado
Em meu incoerente,
Desgraçado coração...
Cecília
Thursday, February 01, 2007
Tenho gana de vida
Se adoeço, me trato
Se caio, me levanto rápido
Se a tristeza me prende, escapo
Não me importam as muletas,
desde que suportem meu peso
pois liberam minha alma,
deixando-a inteira,
livre para a felicidade.
Venço desânimo, distância,
tudo , em nome da afinidade...
Vivo o dia de hoje
não por desapego ao passado,
desencanto ou desesperança.
Só não quero desperdício,
jogar fora um momento
sequer da minha vida.
E assim vou levando,
mais do que sendo levada:
vivendo meu tempo, meu momento,
minha hora...que de resto,
queira ou não queira,
um dia vou ter que ir embora.
Passo eu, passa a vida,
e tudo o que se foi,
não será senão história...
Cecília
Se adoeço, me trato
Se caio, me levanto rápido
Se a tristeza me prende, escapo
Não me importam as muletas,
desde que suportem meu peso
pois liberam minha alma,
deixando-a inteira,
livre para a felicidade.
Venço desânimo, distância,
tudo , em nome da afinidade...
Vivo o dia de hoje
não por desapego ao passado,
desencanto ou desesperança.
Só não quero desperdício,
jogar fora um momento
sequer da minha vida.
E assim vou levando,
mais do que sendo levada:
vivendo meu tempo, meu momento,
minha hora...que de resto,
queira ou não queira,
um dia vou ter que ir embora.
Passo eu, passa a vida,
e tudo o que se foi,
não será senão história...
Cecília
IX
Um galopar de sombras e novelos
deixam fugir a luz e seus delírios.
Há um garimpar de estrelas nos cabelos
Da treva que se deita sobre os lírios...
No peito esses dormidos corações
Inda batem de amor, e o sangue corre
Por veias que alimentam solidões
E artérias naufragando em céu que morre.
Galopam sensações que só pervagam
Em bairros de saudade e finitudes,
As doidas sonatinas hoje vagam
Nos portos onde aportam os alaúdes.
Um vira-mundo vira o sol e a lua:
Que desejo de paz na noite nua!
Paulo Bomfim
deixam fugir a luz e seus delírios.
Há um garimpar de estrelas nos cabelos
Da treva que se deita sobre os lírios...
No peito esses dormidos corações
Inda batem de amor, e o sangue corre
Por veias que alimentam solidões
E artérias naufragando em céu que morre.
Galopam sensações que só pervagam
Em bairros de saudade e finitudes,
As doidas sonatinas hoje vagam
Nos portos onde aportam os alaúdes.
Um vira-mundo vira o sol e a lua:
Que desejo de paz na noite nua!
Paulo Bomfim
Coração Inquieto
O peso deste amor me esmaga.
Às vezes, alma penada,
quero vagar por outros mundos,
outros mares, outros amores;
habitar outros ninhos, viver outras vidas,
não necessariamente mais felizes.
Coração inquieto, coração de poeta.
Cecília Quadros
Às vezes, alma penada,
quero vagar por outros mundos,
outros mares, outros amores;
habitar outros ninhos, viver outras vidas,
não necessariamente mais felizes.
Coração inquieto, coração de poeta.
Cecília Quadros
Wednesday, January 31, 2007
cabelos pretos
cabelos de seda,
grudados na alma,
na palma da minha mão
com eles brinco, os assopro,
deposito num envelope,
e dentro do meu coração.
cabelos lustrosos
fetiche, amuleto, sorte,
ou apenas uma lembrança,
de quem escolhi pra gostar.
Não que eu queira me afastar.
Só quero brincar de tesouro,
poder esconder o meu ouro,
o curtir ...e nada mais...
Cecília
cabelos de seda,
grudados na alma,
na palma da minha mão
com eles brinco, os assopro,
deposito num envelope,
e dentro do meu coração.
cabelos lustrosos
fetiche, amuleto, sorte,
ou apenas uma lembrança,
de quem escolhi pra gostar.
Não que eu queira me afastar.
Só quero brincar de tesouro,
poder esconder o meu ouro,
o curtir ...e nada mais...
Cecília
Tuesday, January 30, 2007
Solidão
Sou tão tu, és tão eu
que te parece
a solidão a minha companhia;
minha voz é tua idéia em melodia;
meu gesto teu desejo em atitude;
se o amor não nos tornou
a ambos perfeitos,
adquiriste todos meus defeitos,
cheguei a assimilar tua virtude.
Sou tão tu, és tão eu que, inutilmente,
procuro uma aparência diferente
para atrair teu ausente olhar:
Teus olhos me olham
para além de minha forma
e estão exautos
de minha alma contemplar.
Sou tão tu,
és tão eu,
de tal maneira
do afeto o mimetismo nos iguala,
que é uma inutilidade
nossa fala,
e em vão,
tentamos a conversação:
ouvimos mutuamente o pensamento,
não nos restando para tanto tédio,
o supremo remédio
da traição.
Sou tão tu,
És tão eu,
sinto-te preso
a mim
como a alma à carne,
a idéia à mente,
preso, mas numa ausência de desprezo.
Sou tão tu, és tão eu,
somos iguais
de tal maneira,
que já nem percebes,
quando vens para mim,
quando de mim te vais.
Nossas horas de união
se fizeram tão tristes
que a elas me vem a sensação do nada,
que às vezes tão angustiada,
quisera ser por ti brutalmente espancada;
quisera te ferir
para saber se existes.
Oh! tortura do sonho realizado!
Assim juntos estamos tão sozinhos,
como se nunca
nos houvéssemos
encontrado.
Gilka Machado
que te parece
a solidão a minha companhia;
minha voz é tua idéia em melodia;
meu gesto teu desejo em atitude;
se o amor não nos tornou
a ambos perfeitos,
adquiriste todos meus defeitos,
cheguei a assimilar tua virtude.
Sou tão tu, és tão eu que, inutilmente,
procuro uma aparência diferente
para atrair teu ausente olhar:
Teus olhos me olham
para além de minha forma
e estão exautos
de minha alma contemplar.
Sou tão tu,
és tão eu,
de tal maneira
do afeto o mimetismo nos iguala,
que é uma inutilidade
nossa fala,
e em vão,
tentamos a conversação:
ouvimos mutuamente o pensamento,
não nos restando para tanto tédio,
o supremo remédio
da traição.
Sou tão tu,
És tão eu,
sinto-te preso
a mim
como a alma à carne,
a idéia à mente,
preso, mas numa ausência de desprezo.
Sou tão tu, és tão eu,
somos iguais
de tal maneira,
que já nem percebes,
quando vens para mim,
quando de mim te vais.
Nossas horas de união
se fizeram tão tristes
que a elas me vem a sensação do nada,
que às vezes tão angustiada,
quisera ser por ti brutalmente espancada;
quisera te ferir
para saber se existes.
Oh! tortura do sonho realizado!
Assim juntos estamos tão sozinhos,
como se nunca
nos houvéssemos
encontrado.
Gilka Machado
Grito
Grito
Num rompante
Vindo do fundo da garganta
De revolta, impotência e ira
Até então reprimidas.
Grito doído
Da alma partindo
Depois... o alívio
Emoções novamente contidas
Até o próximo grito...
Cecília
Num rompante
Vindo do fundo da garganta
De revolta, impotência e ira
Até então reprimidas.
Grito doído
Da alma partindo
Depois... o alívio
Emoções novamente contidas
Até o próximo grito...
Cecília
Wednesday, January 10, 2007
Sem título
Não merecemos nos intitular artistas:
ignoramos o valor daquele brilho em nosso espírito.
Não merecemos nos considerar poetas:
nossos versos têm quimeras, não entrega.
Somos tão cheios de reservas...
Somos falsos poetas.
Não buscamos plenitude, completude.
Passamos incólumes por este deserto.
Ignoramos sede e fome:
de viver - sabes o que quero dizer.
E vivemoas tão bem aqui, plantados no chão.
E que se dane a paixão!...
Cecília Quadros
ignoramos o valor daquele brilho em nosso espírito.
Não merecemos nos considerar poetas:
nossos versos têm quimeras, não entrega.
Somos tão cheios de reservas...
Somos falsos poetas.
Não buscamos plenitude, completude.
Passamos incólumes por este deserto.
Ignoramos sede e fome:
de viver - sabes o que quero dizer.
E vivemoas tão bem aqui, plantados no chão.
E que se dane a paixão!...
Cecília Quadros
Busca em tempo de soneto
Eu valsava, você valsava.
Você bailava, eu bailava.
Nossas mãos dadas apertadas.
E a roda girava... girava...
Tempo triste veio então
de sentir inúbil frouxidão.
Desataram-se assim as mãos
e nos perdemos na multidão.
E foi uma busca insensata
a que somente a vista não basta,
quando o laço do sonho se desata.
E foi tanta perda sentida,
na intensa busca sofrida,
das nossas almas feridas...
Elvio Santiago
Você bailava, eu bailava.
Nossas mãos dadas apertadas.
E a roda girava... girava...
Tempo triste veio então
de sentir inúbil frouxidão.
Desataram-se assim as mãos
e nos perdemos na multidão.
E foi uma busca insensata
a que somente a vista não basta,
quando o laço do sonho se desata.
E foi tanta perda sentida,
na intensa busca sofrida,
das nossas almas feridas...
Elvio Santiago
Monday, January 08, 2007
Saudade de você
Semelhança
Ciumento e zeloso da nova emoção,
guarda-a o coração só para si.
Não precisa entender nada:
tantos são na vida os descompassos,
que reage, ignorando desigualdades
existentes só além dos templos
onde os homens se reconhecem
e se enamoram (seus próprios corações)
Então o novo afeto comemora,
E não há no mundo o que o segure
tanta é a liberdade de que goza...
O bem-estar encontra no estar só,
no expressar em versos sua ternura,
celebração de emoção inesperada e pura,
despertada pela semelhança no sonhar
e no jeito apaixonado de viver a vida...
Para Rodrigo
Ciumento e zeloso da nova emoção,
guarda-a o coração só para si.
Não precisa entender nada:
tantos são na vida os descompassos,
que reage, ignorando desigualdades
existentes só além dos templos
onde os homens se reconhecem
e se enamoram (seus próprios corações)
Então o novo afeto comemora,
E não há no mundo o que o segure
tanta é a liberdade de que goza...
O bem-estar encontra no estar só,
no expressar em versos sua ternura,
celebração de emoção inesperada e pura,
despertada pela semelhança no sonhar
e no jeito apaixonado de viver a vida...
Para Rodrigo
Que será que será?
FERREIRA GULLAR
--------------------------------------------------------------------------------
Confesso que ainda me pergunto o que levou à vitória de Lula e à sua crescente popularidade
--------------------------------------------------------------------------------
NÃO SOU cronista político e, por isso, não me sinto obrigado a comentar, a cada semana, o que ocorre com o governo, com o Congresso, com as leis que foram votadas ou não. Mas isso não me impede de pensar sobre tais problemas e tentar entender o que ocorre no país e, sobretudo, o que nos espera.
Confesso que até hoje me pergunto que fatores determinaram a vitória de Lula, reeleito com mais de 58 milhões de votos. E mais: o aumento de sua popularidade, menos de um mês após a eleição, sem que nada tenha feito a não ser jurar que vai fazer o país crescer 5% em 2007. Não apresentou um programa que garanta isso, não apresentou plano de governo nenhum para este mandato e, não obstante, cresce seu prestígio na opinião pública. Por quê?
Os números indicam que a maioria dos eleitores de Lula está no Nordeste e no Norte, regiões em que vive a maior parte da população pobre do país e onde houve maior investimento do Bolsa Família. Isso, sem dúvida, pesou no resultado eleitoral, como pesaram o aumento do salário mínimo, o empréstimo consignado e outras benesses com que ele adoçou a boca de muita gente país afora. A verdade, porém, é que essas medidas não foram suficientes para lhe dar a vitória no primeiro turno. Qual foi, então, o fator que o fez crescer no segundo turno, e Alckmin, que vinha em ascensão, cair?
Lembremos que, se o escândalo do dossiê influiu no resultado do primeiro turno, favorecendo Alckmin, não poderia ter efeito contrário ou nulo no segundo, uma vez que nenhuma explicação havia sido dada acerca da origem do dinheiro. Então por que Lula cresceu e Alckmin caiu? O elemento novo introduzido na disputa eleitoral, como se sabe, foi a privatização. No último debate na TV, Lula acusou o adversário de pretender privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil, sem que tal afirmação tivesse o menor fundamento. Alckmin denunciou a mentira, e Lula, na mesma hora, admitiu: "Se vocês privatizaram tudo, certamente vão privatizar o resto". Era a confissão de que se tratava de um golpe eleitoreiro. Apesar disso, a partir de então, a campanha de Lula na TV passou a afirmar que Alckmin significava uma ameaça concreta de privatização do BB, da Petrobras e da Caixa Econômica. Desse argumento necessitavam uma parte da esquerda (para reconciliar-se com Lula) e os militantes do PT, que só então se animaram a sair às ruas. Tratava-se agora de defender a "soberania nacional" e, diante de tarefa tão patriótica, que importância tinham o mensalão, o valerioduto, o dossiê fajuto?
Claro, todos os lulistas sabiam que a ameaça de privatização não existia, mas havia ali um fator em que realmente acreditavam: a necessidade de imprimir à economia brasileira um outro rumo, em que o Estado tenha o controle de todo o processo econômico. Um Estado anti-capitalista? Talvez...
Se alguém sonha com isso, sonha em vão. Mas sonho é sonho, não precisa de viabilidade comprovada, especialmente quando a ele se juntam elementos que, se oníricos não são, nutrem-se de fatores subjetivos, como os ressentimentos decorrentes da desigualdade social -que efetivamente existe-, e são, com freqüência, politicamente manipulados.
Possivelmente, é por aí que se explica a crença de que Lula, agora, encarna as verdadeiras aspirações populares, dando aos pobres o que eles nunca tiveram e aos capitalistas o castigo que merecem. Se conseguirá satisfazer tais expectativas, não sei, mas que se considera o salvador da pátria, não resta dúvida. Basta ouvi-lo: "Eles em cinco séculos não consertaram o Brasil e querem que eu faça isso em quatro anos". Lula, primeiro e único...
Sucede que a realidade não se deixa subornar e, por isso, ele é obrigado a dizer que manterá a política de superávit primário e juros altos. Mas, ao mesmo tempo, afirma que não vai "fazer contenção em cima dos pobres" e aumenta o salário mínimo para R$ 380. Como crescer ampliando o déficit da Previdência e o custo dos programas sociais? É uma saia justa: se não atende às reivindicações da maioria pobre, teme perder a popularidade; se não cria condições para o investimento privado na produção, corre o risco de sair de cena sem exibir o espetáculo do crescimento. Já se sabe que o corte de impostos para estimular o investimento privado, calculado em 12 bilhões de reais, caiu para 8 bilhões.
Lula talvez enfrente uma situação chaveziana: depois de experimentar a pompa e as delícias do poder, ter que voltar para casa, em São Bernardo, achando que lhe deram pouco tempo para salvar o Brasil.
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Confesso que ainda me pergunto o que levou à vitória de Lula e à sua crescente popularidade
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NÃO SOU cronista político e, por isso, não me sinto obrigado a comentar, a cada semana, o que ocorre com o governo, com o Congresso, com as leis que foram votadas ou não. Mas isso não me impede de pensar sobre tais problemas e tentar entender o que ocorre no país e, sobretudo, o que nos espera.
Confesso que até hoje me pergunto que fatores determinaram a vitória de Lula, reeleito com mais de 58 milhões de votos. E mais: o aumento de sua popularidade, menos de um mês após a eleição, sem que nada tenha feito a não ser jurar que vai fazer o país crescer 5% em 2007. Não apresentou um programa que garanta isso, não apresentou plano de governo nenhum para este mandato e, não obstante, cresce seu prestígio na opinião pública. Por quê?
Os números indicam que a maioria dos eleitores de Lula está no Nordeste e no Norte, regiões em que vive a maior parte da população pobre do país e onde houve maior investimento do Bolsa Família. Isso, sem dúvida, pesou no resultado eleitoral, como pesaram o aumento do salário mínimo, o empréstimo consignado e outras benesses com que ele adoçou a boca de muita gente país afora. A verdade, porém, é que essas medidas não foram suficientes para lhe dar a vitória no primeiro turno. Qual foi, então, o fator que o fez crescer no segundo turno, e Alckmin, que vinha em ascensão, cair?
Lembremos que, se o escândalo do dossiê influiu no resultado do primeiro turno, favorecendo Alckmin, não poderia ter efeito contrário ou nulo no segundo, uma vez que nenhuma explicação havia sido dada acerca da origem do dinheiro. Então por que Lula cresceu e Alckmin caiu? O elemento novo introduzido na disputa eleitoral, como se sabe, foi a privatização. No último debate na TV, Lula acusou o adversário de pretender privatizar a Petrobras e o Banco do Brasil, sem que tal afirmação tivesse o menor fundamento. Alckmin denunciou a mentira, e Lula, na mesma hora, admitiu: "Se vocês privatizaram tudo, certamente vão privatizar o resto". Era a confissão de que se tratava de um golpe eleitoreiro. Apesar disso, a partir de então, a campanha de Lula na TV passou a afirmar que Alckmin significava uma ameaça concreta de privatização do BB, da Petrobras e da Caixa Econômica. Desse argumento necessitavam uma parte da esquerda (para reconciliar-se com Lula) e os militantes do PT, que só então se animaram a sair às ruas. Tratava-se agora de defender a "soberania nacional" e, diante de tarefa tão patriótica, que importância tinham o mensalão, o valerioduto, o dossiê fajuto?
Claro, todos os lulistas sabiam que a ameaça de privatização não existia, mas havia ali um fator em que realmente acreditavam: a necessidade de imprimir à economia brasileira um outro rumo, em que o Estado tenha o controle de todo o processo econômico. Um Estado anti-capitalista? Talvez...
Se alguém sonha com isso, sonha em vão. Mas sonho é sonho, não precisa de viabilidade comprovada, especialmente quando a ele se juntam elementos que, se oníricos não são, nutrem-se de fatores subjetivos, como os ressentimentos decorrentes da desigualdade social -que efetivamente existe-, e são, com freqüência, politicamente manipulados.
Possivelmente, é por aí que se explica a crença de que Lula, agora, encarna as verdadeiras aspirações populares, dando aos pobres o que eles nunca tiveram e aos capitalistas o castigo que merecem. Se conseguirá satisfazer tais expectativas, não sei, mas que se considera o salvador da pátria, não resta dúvida. Basta ouvi-lo: "Eles em cinco séculos não consertaram o Brasil e querem que eu faça isso em quatro anos". Lula, primeiro e único...
Sucede que a realidade não se deixa subornar e, por isso, ele é obrigado a dizer que manterá a política de superávit primário e juros altos. Mas, ao mesmo tempo, afirma que não vai "fazer contenção em cima dos pobres" e aumenta o salário mínimo para R$ 380. Como crescer ampliando o déficit da Previdência e o custo dos programas sociais? É uma saia justa: se não atende às reivindicações da maioria pobre, teme perder a popularidade; se não cria condições para o investimento privado na produção, corre o risco de sair de cena sem exibir o espetáculo do crescimento. Já se sabe que o corte de impostos para estimular o investimento privado, calculado em 12 bilhões de reais, caiu para 8 bilhões.
Lula talvez enfrente uma situação chaveziana: depois de experimentar a pompa e as delícias do poder, ter que voltar para casa, em São Bernardo, achando que lhe deram pouco tempo para salvar o Brasil.
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