Friday, September 29, 2006

Dizer o quê?

Dizer o quê, se em vez
De endireitar o torto,
falando acaba no orto
pedista quem o fez?

Dizer o quê? Talvez
Seja melhor que,absorto,
Só plante no meu horto
As mudas da mudez.

Fiquem , porque me omito
Sem cometer-me a nada
E para que mosquito

Algum tampouco a invada,
O dito por não dito
E a boca bem fechada.


Nelson Ascher

18-01-03

Nehum risco

Boca fechada
Palavra abortada
Nenhum embaraço
Sem vida
Um traço
Um troço sem graça
Sem troca
Que fique
Esquecida
Ignorada
Antecipando
Do cadáver
A imobilidade...

Cecília

10-11-03

Tuesday, September 26, 2006

Tanto Amor...

Aconchego
Delicioso contacto
Beijo, desejo
Palavras
Ternas palavras
Cúmplice olhar
Abraço
E medo de perda...

Aprisionemos o tempo
E com ele
Este amor
que se mostra perfeito
inteiro
ao menos neste momento
em que o reencontro acontece

Nós... nos querendo
Nos fitando
Nos fundindo
Felicidade suprema
Ainda nos pertencemos!!!...

Cecília

Wednesday, September 20, 2006

Fui largando pedaços de mim pelo caminho
Deixei fogo, fôlego, força, fúria
Deixei tesão
Respeitei padrões.
Valeu a pena?
Não sei.
Me perdendo, depositei em mãos alheias meu destino
E mais frágil me tornei.
Hoje vejo que posso ter vivido apenas uma ilusão.
Num piscar de olhos tudo pode parecer ter sido vão.
Tarde demais para resgatar antigos traços
E fazer pulsar com mais força o coração...

21-07-04

Cecília

Friday, September 15, 2006

O que será que existe
Fora deste círculo
Além daquela porta
Lá, onde o olhar não alcança
Lugares em que nunca estive
Rostos desconhecidos...
Imagino
Mas não me imagino
Por outras terras vagando
Uma outra vida vivendo
Em outras águas imergindo...

Cecília Quadros

Wednesday, September 13, 2006

Cidade

Cidade, rumor e vai e vem sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pelas sombras das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Tuesday, September 12, 2006

Tempo

O Futuro encurta
O Passado dói
Entre dois tempos
tenta o Presente se impor
sofregamente...

Cecília

Monday, September 11, 2006

A música das palavras

Figura mítica do piano, o austríaco Alfred Brendel fala de sua outra paixão: a poesia
FLORENCE NOIVILLE
Nascido em 1931, em Wiesenberg, na Morávia, parte da então Tchecoslováquia, Alfred Brendel gravou seu primeiro disco, o "Quinto Concerto" de Prokofiev, aos 24 anos. Contrariando as lendas que o retratam como cerebral e austero, esse monstro sagrado do piano revela um substrato sutil de humor e de zombaria, também presente em seus ensaios sobre música. Na entrevista abaixo, ele fala de uma outra paixão que freqüenta: a poesia.
PERGUNTA - O que o conduziu à poesia? ALFRED BRENDEL - Comecei a escrever poesia de um modo imprevisível. Eu estava em um avião, a caminho do Japão, não conseguia dormir e, no limbo do torpor sem sono, me ocorreu um poema. Surgiu de maneira quase automática. Mais tarde, depois de ter escrito cerca de 15 poemas, comecei a estudá-los para ver se me lembravam a voz de outra pessoa ou se eu podia supor que minha voz literária era singular. A conclusão a que cheguei foi a de que eu tinha voz própria.
PERGUNTA - Há outros artistas que saíram de seu campo habitual de criação: Picasso escreveu "O Desejo" quando preso em uma fila, Kandinsky também escreveu poemas. No seu caso, como o poeta se situa em relação ao músico? BRENDEL - No meu caso, não se trata de um hobby. Para mim, a escrita sempre foi uma segunda natureza, como se um alter ego estivesse se exprimindo. Escuto e critico meus poemas como se estivesse lendo textos alheios; textos estranhamente familiares, mas que me conduzem a regiões desconhecidas de mim mesmo. Você conhece "Cosmicomics", de Italo Calvino? É um dos meus livros prediletos, uma encruzilhada do fantástico e da semiótica. Em meus poemas, creio que há muito de "cosmicômico".
PERGUNTA - A literatura sempre desempenhou papel importante em sua compreensão do mundo? BRENDEL - Estou convencido de que é possível compreender melhor o mundo por meio dos grandes romances do que observando as pessoas. Em minha juventude, fui muito influenciado por Thomas Mann, Herman Hesse e Elias Canetti. Mas foi Robert Musil que ocupou a posição de verdadeiro escritor formativo em minha vida. O que me fascinava era a experiência mística tal qual observada por um cientista. É preciso sempre nos perguntarmos com que obras desejamos viver.
PERGUNTA - Suas fontes de inspiração parecem ecléticas, não exclusivamente literárias... BRENDEL - Minhas idéias podem ser inspiradas por notinhas de jornal ou por um cartoon da revista "New Yorker", ou por lembranças de poetas que admiro. Há também o cinema -Chaplin, "Zelig", de Woody Allen, e, sobretudo, Buñuel, cujos filmes libertam algo em mim. Essa idéia inicial é que orienta tudo que acontecerá a seguir. Como na música, um tema nasce, desenvolve-se e dá origem a variações.

Wednesday, September 06, 2006

Meu sonho não tem um nome
Uma forma, um endereço
Meu sonho não é de glória,
Não é um homem,
É ter com o que sonhar
A minha vida inteira...

Cecília

Muito Louca

Sou peixe pequeno
A vida me engole,
A rotina aos poucos me come
O amor do outro, o meu próprio tolhe.
Não venço, sou vencida.
Submissa, aceito um “destino”,
em que nem acredito:
puro comodismo.
Mas em verso viro pira,
tocha, vela acesa....
Me consumo, até a última gota
( antes que outros o façam ).
Até o último pedaço, me consumo.
E me assusto
com tanta força represada,
só na poesia encontrando espaço.
Então inverto o jogo:
Jorram palavras, alma, sangue, sentimentos
E não sou mais aquele peixe... tão pequeno.

Cecília

Saturday, September 02, 2006

Vivo porque tenho que viver
Nasci. Um dia.... vou morrer
Devo bendizer a vida? Não sei...
Ontem teria dito sim,
Hoje é outro dia
E o céu escureceu
(talvez dissesse não)
Sei que a angústia cederá lugar a alegria
- cedo ou tarde virá a reação.
E assim continuarei tocando minha vida
Com perene (às vezes imperceptível) inquietação
Faz sentido tudo isso?
Pode ser que sim, pode ser que não...
Mas se vivo, respiro,
melhor agregar aceitação
Do mistério maior que é a vida
E da minha limitação...

16-10-03

Cecília

Friday, September 01, 2006

A respeito de vestidos

Para Soares Feitosa

Queria que o farfalhar de meus vestidos causasse:
Desnudamento de alma, suspiros, visões de paraíso;
Atraísse olhares, mexesse com sentidos...
Mas... se não os uso!...
Se abuso de calças compridas, blusas, botas,
Sandálias rasteiras... Onde fica o salto?
E o andar de deusa?...
Nem falo de decote, pernas que se mostram...

Feminina
É isto, quero ser... muito feminina:
Na roupa, na poesia, na alma;
Exercer fascínio, acender fogueiras,
Conquistar “alguém”, mais o mundo inteiro.
Calma!... É só meu lado sonhador
...e travesso ...

Cecília

Opostos

Meu caminhar é lento.
Quão pequeno é o círculo em que me movimento!
Mas minha alma, como é passeadeira!
Travessa, atravessa fronteiras e fronteiras.

O tempo me parece transcorrer tão lentamente;
mas veloz e impunemente vai o passado roubando o presente.

Pequeno e transitório parece neste mundo meu papel;
mas quanto amor espalhei, quantas raízes finquei,
quantas frentes abri (afinal filhos criei e vivi).

Subo e desço...
Assim como aproveito, desperdiço:
mente, tempo, talvez talento...

Tenho ainda mais perguntas que respostas;
talvez esteja aí meu maior merecimento...

Cecília