Monday, April 30, 2007

CONTARDO CALLIGARIS

"Pecados Íntimos"
O filme, tocante e verdadeiro, é sobre como nosso desejo encalha e se solta
"PECADOS ÍNTIMOS", de Todd Field, estreou no dia 9 de fevereiro. Parecia ser mais um filme sobre a vida nos subúrbios americanos de classe média, tipo "Beleza Americana" (vencedor do Oscar em 2000), e fiquei com preguiça. Sempre acho um pouco fácil satirizar uma maneira de viver, como se o jeito da gente fosse o certo: "Aponto o vazio na vida dos outros para me convencer de que a minha é autêntica e plena".
Vários leitores me escreveram estranhando que não comentasse o filme. Graças a eles, assisti, enfim, a "Pecados Íntimos", que NÃO é um filme sobre a vida nos subúrbios americanos (a não ser que você considere que "Hamlet" é uma peça sobre a vida na corte da Dinamarca durante a Idade Média).
"Pecados Íntimos" é um filme tocante e verdadeiro sobre os caminhos forçados de nosso desejo e sobre como ele encalha (quase sempre) e se solta (aos trancos).
Quando ensinava "Cultural Studies" na New School, começava dizendo a meus estudantes que eles eram livres para tirar todas as notas
A que quisessem, mas, para entender a subjetividade moderna, eles teriam que passar por três letras B: Brummel, Byron e Bovary. Não era só uma piada de professor: as três figuras em questão, afinal, falam todas de nossa impossibilidade de conseguir, na vida, a nota máxima.
Um B já é de bom tamanho. Brummel (o primeiro dandy, no fim do século 18) lembra que a nobreza não é efeito do berço em que a gente nasce; ela é fruto da "elegância" (não tanto das maneiras e da roupa, mas do espírito). O hábito, na modernidade, faz o monge, e somos livres para escolhê-lo. Mas essa liberdade tem um custo: o desconforto de apenas parecer o que somos e, claro, a aflição de parecer o que não somos ou não queremos ser. O hábito faz e aprisiona o monge.
Byron (o poeta romântico) lembra que, na vida moderna, o que importa é a intensidade e a variedade de experiências. A fome de viver e o anseio de aventuras levam alguns a lutar pela independência da Grécia, a pular de skate quando mal sabem andar ou a perder-se nas sarjetas do mundo. E nos levam a sonhar com o que não ousamos empreender.
Emma Bovary (a heroína do romance de Flaubert) lembra que o amor é o grande operador moderno da mudança. Descobrimos que podíamos inventar nossa vida quando começamos a casar por amor (e não para preservar a casta, a família e o patrimônio). Portanto, esperamos do amor que ele nos transforme e nos leve para uma "outra" vida (e toda vida tem uma "outra" vida com a qual sonhar).
Numa cena de "Pecados Íntimos", "Madame Bovary" é comentado por um grupo de mulheres. Elas descobrem (a contragosto) que são todas, de um jeito ou de outro, Emma Bovary: inconformadas com sua vida e desejosas de um amor que as salve.
Mas "Pecados Íntimos" é mais que uma adaptação de "Madame Bovary": é um pequeno "tratado" da subjetividade moderna. Até porque, justamente, Emma Bovary sentia que ela era muito mais do que parecia pela "rotina" de sua vida. E seus sonhos de amor eram sonhos de experiência e aventura. Ou seja, os três "B" estão sempre juntos, dentro da gente.
Além disso, é difícil sair do cinema sem se perguntar por qual mistério somos condescendentes com nossas impulsões (o pedófilo e a protagonista não são os únicos que não sabem resistir às tentações) e, ao mesmo tempo, inertes quando se trata de mudar de vida. O desejo só consegue se expressar por sobressaltos. É como se, contra o nosso desejo, tivéssemos erigido um dique inútil: a água irrompe, forte, pelas pequenas falhas, mas sua massa não se transforma em energia para inventar a vida.
A incapacidade de mudar, aliás, é o grande tema do filme. Há a mãe do pedófilo, que espera que o filho se torne "normal", mas, olhe só, coleciona estatuetas de meninos. Há a mulher que não quer perder o marido, mas enfia o filho no meio da cama e vigia a vida do esposo como uma mãe. Há a mulher que morre de tédio e transa com o marido toda terça às 19h30, embora sonhe em conseguir o telefone de um bonitão.
Há o homem que cansou de ser babá do filho, mas, quando se trata de estudar para o exame da Ordem, passa as noites à toa.
O título original do filme é "Little Children" (criancinhas). Em matéria de desejo, somos todos criancinhas, incapazes de encontrar a coragem de fazer o que desejamos, mas sempre (e apenas) tentados por potes de geléia.



calligari@uol.com.br

Friday, April 20, 2007

Soneto XXII

Na sagração de instantes fugitivos
É mais profano o mencionar do eterno,
Pois homens e momentos são votivos,
Podem fazer florir solo de inverno.
Por ser divino o agora não regressa,
É ave, é nuvem, brisa, pressentir,
Arco-íris e relâmpago sem pressa,
Presença com destino de partir.
Este pobre momento que abençoa,
Devaneio e consciência do fugaz,
Já é aquela sensação que voa,
Algo de nós que não regressa mais.
Na paixão dos efêmeros amantes,
A volúvel cortina dos instantes

Paulo Bomfim

Amando (Canto da Lua)

Não sei viver o amor de forma tranqüila
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas.
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos...
O susto de amar, de deixar de amar,
de ser só fruto de uma fantasia
ou apenas um momento dentro de uma vida...

O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar), que é infinito...
“Canto da Lua ”
É lá que me refugio....

Cecília

Thursday, April 19, 2007

Poema da Procura

Em nenhuma esquina do teu bairro
Encontrarás o Domingo de tua infância
Povoada de pássaros e melodias.
Hoje, o céu é lamento das aves de metal,
e os realejos se converteram
Em sereias portadoras de cantos funestos.
Inutilmente recordarás
A sombra antiga das mangueiras
E os crepúsculos tranqüilos do mundo que perdeste.
Hoje, és o ser penetrado de ruídos,
E em redor de tua angústia
Desfilam máquinas estranhas
E a multidão de rostos que não reconheces...
Além do teu corpo sepultado entre blocos de pedra,
Há um anjo da morte em cada esquina do universo...

Paulo Bomfim

Monday, April 16, 2007

Seqüência ( E gira a roda....)

Até quando se suporta a eterna repetição das coisas,
- pela milésima e tanta vez estou diante da mesma praça -
a rotina e o pouco mais que dela escapa?
Quanto dura real envolvimento, prazer pleno, entusiasmo?
O que vale? Ou quanto valemos? Quanto tempo temos?
Quanto perdão, paciência, aceitação se tem que usar pela vida afora?
Quanto se disfarça, se aprimora, se perde, se desgasta?
A sensação é de que sempre falta tempo, real vontade, coragem
para encararmos com lucidez nossa passagem:
marcas que deixamos, um dia apagadas, ou de nós dissociadas,
tão rápido gira a roda, tragando gerações...tantas...
nos condenando ao mais completo anonimato...

Para meus distantes e desconhecidos antepassados

Cecília Quadros

Monday, April 09, 2007

Erotikós

Posso me romper a um simples toque
de seus dentes brancos,
inundando sua boca com o doce fluído
de que sou feita, néctar dos deuses.
E vou: deixando desejo, doçura de beijo,
despertando sua gula, vontade e sensualidade.
Ah! desejo para mim voltado...
Como o retribuo! Me mostro só sua,
sou puro açucar, sou mais do que mel.
Seu céu eu alcanço, em sua língua descanso,
e depois... escorro por sua garganta...

Cecília Quadros

Tuesday, April 03, 2007

A Vida

É vão o amor, o ódio, ou o desdém;
Inútil o desejo e o sentimento...
Lançar um grande amor aos pés d'alguém
O mesmo é que lançar flores ao vento!

Todos somos no mundo"Pedro Sem",
Uma alegria é feita dum tormento,
Um riso é sempre o eco dum lamento,
Sabe-se lá um beijo d'onde vem!

A mais nobre ilusão morre... desfaz-se...
Uma saudade morta em nós renasce
Que no mesmo momento é já perdida...

Amar-te a vida inteira eu não podia.
A gente esquece sempre o bem dum dia.
Que queres, meu Amor, se é isto a Vida!...

Florbela Espanca