Monday, April 28, 2008

Reencontro

Quero te ver uma vez mais,
não importa hora, dia ou lugar.
Mas que seja longe de tudo,
como se fôssemos os únicos seres no mundo.
Só nós dois: frente a frente,
olhos nos olhos,
talvez sem nos tocarmos,
ou nos tocando doce e suavemente,
sem pressa, cerrando os olhos
para sentir com mais intensidade
o calor do nosso afeto.

Não terás que mentir ou enganar.
É só se deixar amar:
meus olhos a percorrer todo o teu corpo,
a boca pronunciando apenas o teu nome amado.
De ti quero ouvir também apenas o meu nome.
Nada de futuro, nada de promessas, nada de passado.
Só quero por instantes te sentir meu homem:
esquecer o mundo inteiro que nos rodeia,
dando ao meu amor o espaço por que tanto anseia.

Cecília Quadros

Sunday, April 27, 2008

A Festa

A casa
Ontem enfeitei minha casa,
tirei os talheres de prata,
usei as melhores toalhas,
copos, taças, porta-retratos
Cuidei de cada detalhe,
da sala até o jardim.

Eu
Vesti um vestido preto,
pra combinar com os cabelos,
passei um batom carmim.
Costas nuas, salto alto,
para dar aquele toque,
e te orgulhares de mim.

O desenrolar
Desci alegre e faceira,
ri, brinquei a noite inteira,
pois tudo corria perfeito,
das canções de George Gershwin,
ao buquê de rosas vermelhas,
que comprara pensando em ti.

Sabia que tu não vinhas,
pois cumprias outro destino,
não o de estar ao meu lado.
Mas dei conta do recado,
mantive a paixão bem guardada,
ela que tudo inspirara,
da roupa à decoração;
e festejei, e brinquei, e dancei,
até cair de exaustão.

Cecília

A preguiça humana

Se você é daqueles que esperam a visita da disposição física para fazer exercícios, desista
MAL DESEMBARQUEI no aeroporto Santos Dumont, dei de cara com uma jibóia contorcida que avançava em passo de procissão. Era uma fila longa e grossa constituída por mulheres com trajes formais e homens de terno escuro, ejetados pelos aviões que aterrissavam no primeiro horário da manhã.Usuário contumaz da ponte aérea que liga São Paulo ao Rio, jamais havia me deparado com aquela aglomeração ordeira.Assim que a jibóia fez a curva, saí de lado para enxergar a origem do congestionamento. Não pude acreditar: a fila desembocava na boca da escada rolante. Ao lado dela, a escada comum, deserta como o Saara.Imaginei que houvesse alguma razão para tanta espera, quem sabe a escada mecânica estivesse obstruída; mas, como não percebi nenhum obstáculo, caminhei em direção a ela. Não fosse a companhia de um rapaz de mochila nas costas, dois degraus à minha frente, eu teria descido no desamparo.Se ainda fosse para subir a escada rolante, o esforço maior e a transpiração àquela hora da manhã talvez justificassem a falta de iniciativa. Os enfileirados, no entanto, berrando em seus celulares, em pleno vigor da atividade profissional, recusavam-se a movimentar as pernas mesmo para descer.Se perguntássemos para aquele povo se a vida sedentária faz bem à saúde, todos responderiam que não. Pessoas instruídas estão cansadas de ler a respeito dos benefícios que a atividade física traz para o corpo humano: melhora as condições cardiorrespiratórias, reduz o risco de doenças cardiovasculares, reumatismo, diabetes, hipertensão arterial, câncer, degenerações neurológicas etc.Por que, então, preferem aguardar pacientemente a descer um lance de degraus às custas das próprias pernas?Por uma razão simples: o exercício físico vai contra a natureza humana. Que outra explicação existiria para o fato de o sedentarismo ser praticamente universal entre os que conseguem ganhar a vida no conforto das cadeiras?A preguiça para movimentar o esqueleto não é privilégio de nossa espécie: nenhum animal adulto gasta energia à toa. No zoológico, leitor, você jamais encontrará uma onça dando um pique aeróbico, um gorila levantando peso, uma girafa galopando para melhorar a forma física. A escassez milenar de alimentos na natureza fez com que os animais adotassem a estratégia de reduzir o desperdício energético ao mínimo.A necessidade de poupar energia moldou o metabolismo de nossa espécie de maneira tal que toda caloria ingerida em excesso será armazenada sob a forma de gordura, defesa do organismo para enfrentar as agruras dos dias de jejuns prolongados que porventura possam ocorrer.Por causa dessas limitações biológicas, se você é daquelas pessoas que esperam a visita da disposição física para começar a fazer exercícios com regularidade, desista. Ela jamais virá. Disposição para sair da cama todos os dias, calçar o tênis e andar até o suor escorrer pelo rosto nenhum mortal tem.Encare a atividade física com disciplina militar ou esqueça-se dela. Na base do "quando der, eu faço", nunca dará.Falo por experiência própria. Sou corredor de distâncias longas há muitos anos. Às seis da manhã, chego no parque, abro a porta do carro e saio correndo. Não faço alongamento antes, como deveria, porque, se ficar parado, esticando os músculos, volto para a cama. Durante todo o percurso do primeiro quilômetro, meu cérebro é refém de um pensamento recorrente: não há o que justifique um homem passar por esse suplício.Daí em diante, as endorfinas liberadas na corrente sangüínea tornam o sofrimento mais suportável. Mas o exercício só fica bom, de fato, quando termina. Que sensação de paz e tranqüilidade! Que prazer traz a certeza de que posso passar o resto do dia sentado, sem o menor sentimento de culpa.Se eu perguntasse às pessoas daquela fila por que razão levam vidas sedentárias, todas apresentariam justificativas convincentes: excesso de trabalho, filhos que precisam ir para a escola, obrigações familiares, trânsito, falta de dinheiro, violência urbana.No passado, diante desses argumentos, eu ficava condoído e me calava. Os anos de profissão mudaram minha atitude, entretanto: escuto as explicações em silêncio, mas não me comovo com elas. O coração vira uma pedra de gelo. No final, quando meu interlocutor pergunta como poderia encontrar tempo para a atividade física regular, respondo:"Isso é problema seu."

Drauzio Varella

De olho no pódio

Os Jogos Olímpicos se aproximam e, por meio da imprensa, já temos notícias de atletas em fase final de preparação para alcançar medalhas, subir no pódio, quebrar recordes. Isso me fez lembrar de que, sempre que assisto a alguma competição esportiva, reconheço que esse é o lugar legítimo e adequado da competição.
Ao considerar nosso modo de vida atual, faço uma analogia: transformamos a vida em uma olimpíada permanente. A competição transpôs a fronteira do ramo esportivo e se instalou no nosso cotidiano.
Não é à toa que muitos esportistas ou treinadores bem-sucedidos são chamados para dar palestras em empresas. Afinal, eles são os maiores especialistas em competição, não é? Do mesmo modo, os atletas que triunfam são escolhidos para ser garotos-propaganda de muitas empresas, das quais poucas produzem artigos ligados ao ramo esportivo. "Use nosso produto e você será um vencedor!" é a mensagem.
Hoje, exigem-se um preparo técnico acurado e um treinamento contínuo, tanto na vida profissional quanto na pessoal. E não se trata apenas de conhecer e estudar seu ramo de atividade ou de se cuidar, e sim de se empenhar em estratégias que permitam, ou pelo menos prometam, sair na frente e chegar em primeiro lugar ou, pelo menos, entre os primeiros.
Competimos contra tudo e todos. Contra o tempo -e ainda acreditamos ser possível ganhar dele. Contra nossa constituição física, contra nossos pares, contra nossa vida coletiva, contra qualquer outro que se coloque à nossa frente em qualquer situação. Iniciamos nossos filhos precocemente nessa competição acirrada e acreditamos que tal iniciativa é absolutamente necessária para a sua sobrevivência no futuro. Não valorizamos mais a aprendizagem do jogo que é a vida desde a largada, e sim seu resultado, que só pode ser um: ganhar.
As escolas se apropriaram desse anseio dos pais e incrementam ainda mais a concorrência entre seus alunos. Os anunciados rankings de escolas baseados nos mais diferentes exames, os primeiros lugares conquistados nos vestibulares e as avaliações dos alunos, sempre comparativas, são exemplos dessa apropriação da competição pelo espaço escolar.
O sucesso, hoje, é definido principalmente pela competição, o que faz com que o processo de identificação com o outro ocorra de modo negativo. Ser melhor do que o outro, ganhar do outro ou então se resignar a ser inferior a ele. Desse modo, fica mais fácil entender o motivo de o outro ser quase sempre percebido como ameaça.
É preciso saber que essa olimpíada permanente tem seu preço. Sabemos o custo que os atletas pagam na busca da superação: contusões sérias, cirurgias precoces, interrupção da vida profissional muito cedo. Isso sem falar das conseqüências emocionais e sociais quando eles enfrentam a derrota ou saem do pódio. Arcamos com conseqüências análogas em nossas vidas quando transformadas nessa competição sem trégua: tédio, depressão, estresse, agressividade descontrolada, pânico etc.

Rosely Sayão