Thursday, May 26, 2011

Em busca de limite

ROSELY SAYÃO



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O que temos feito para que os jovens amem a vida, tenham respeito por si mesmos e construam um futuro?
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"Socorro! Não estou sentindo nada/ Nem medo nem calor nem fogo/ Não vai dar mais pra chorar/ Nem pra rir... Socorro!"
Esse é o trecho inicial de uma canção, composta por Arnaldo Antunes e Alice Ruiz, que foi bem lembrada por uma conhecida que passou um Dia das Mães bem difícil.
Nesse dia, ela enfrentou a morte de dois jovens de 21 anos: um primo e a irmã de uma amiga. Os dois perderam a vida em situações bem semelhantes que envolveram a combinação jovem + ingestão de bebida alcoólica + direção em alta velocidade.
"Como ajudar esses jovens?", perguntou. A questão que ela dolorosamente levantou faz muito sentido.
Hoje, acidentes de trânsito são uma das maiores causas da morte de jovens, e as estatísticas apontam que a embriaguez está presente principalmente quando as vítimas têm entre 18 e 30 anos.
O que temos feito para que esses jovens amem a vida, desenvolvam o autocuidado e atitudes de respeito por si mesmos, tratem suas emoções com delicadeza e construam um projeto de vida que lhes permita olhar para o futuro como um alvo a ser alcançado e não uma fatalidade ou determinação?
Temos estimulado o consumo na vida deles, de todos os modos. Carro, telefone celular e computador, por exemplo, não são desejados por eles pelas suas funções básicas e sim pelo modelo, pelas funções complementares, pela aparência e, principalmente, pelo status que a posse desses objetos lhes confere.
O carro não é um sonho de consumo para os jovens por facilitar suas vidas pela locomoção de um lugar para outro, por exemplo.
Vale muito mais, quando não somente, pelo valor que ele agrega à sua pessoa. Um jovem sente que tem mais valor quando tem um carro, mesmo que não tenha sido fruto de seu trabalho.
E o que falar da competição? Desde que são pequenos, desejamos que sejam os melhores, os primeiros da fila, os campeões. Mas, fora do esporte, a competição não facilita a vida de nossos jovens.
Ao contrário: funciona como uma pressão muitas vezes avassaladora.
Vocês sabem que os jovens, no ano do vestibular, contam, muitas vezes estimulados pelas escolas, quantos são os pares que precisam derrubar para entrar na faculdade almejada?
Ah! Não podemos esquecer também que, de muitas formas, ensinamos a eles que o que vale na vida é a curtição do aqui e agora: prazer e diversão devem ser os ingredientes básicos do cotidiano que vivem.
E assim vivem eles, de balada a balada, de beijo a beijo, de uma rede virtual a outra, de uma transa a outra, de um esporte radical a outro.
Mas, pelo jeito, isso não está dando certo. Estudos de todas as partes do mundo acusam: as taxas de suicídio entre os jovens têm aumentado assustadoramente, e nosso país não é uma exceção a essa tendência.
Precisamos ouvir esses jovens. O que os inquieta, o que lhes tira a tranquilidade, qual a visão de mundo que eles têm? O que eles aprendem conosco, o que criticam em nosso modo de viver, quem são seus oponentes?
Um jovem conhecido me procurou para trocar ideias a respeito da sua vida e começou logo dizendo que me procurara por saber que eu não conversaria com ele como se fosse sua amiga e que ele sabia que, caso ele precisasse, eu daria uns "toques pesados" para ele.
Traduzindo: o que ele pedia era uma escuta atenciosa e, depois, uma bronca. Que ele levou por merecimento ""aliás, ele já sabia disso desde o início de nossa conversa"" e gostou de ter levado.
De jovens, bastam eles. A juventude exaure, sabia leitor? Talvez nossos jovens precisem da companhia de pessoas mais velhas, dos adultos, por exemplo. Onde estão eles? Curtindo sua própria juventude já ida...

Saturday, May 21, 2011

Considerações sobre novos desejos

CONTARDO CALLIGARIS




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Causa da depressão pode não ser perda e frustração, mas a chegada de novo desejo, que é silenciado
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UM JOVEM não sabe o que ele está a fim de fazer da vida, e os pais pedem que eu descubra qual é o desejo do filho, de modo que ele possa escolher o vestibular e a profissão que ele "realmente" gostaria.
Na mesma semana, encontro um adulto que acha que, de fato, nunca fez nada por desejo. Embora bem-sucedido, queixa-se de que suas escolhas (profissionais e amorosas) sempre teriam sido circunstanciais, efeitos de oportunidades encontradas ao longo do caminho. Ele pede, antes que seja tarde, que eu o ajude a descobrir qual é "realmente" o seu desejo.
Nos dois casos, o pressuposto é o mesmo: quem viver segundo seu desejo será, no mínimo, mais alegre. Esta é mesmo uma boa definição da alegria: a sensação de que nosso desejo está engajado no que estamos fazendo, ou seja, de que nossa vida não acontece por inércia e obrigação. Inversa e logicamente, muitos estimam dever sua (grande ou pequena) infelicidade ao fato de terem dirigido a vida por caminhos que - eles declaram - não eram exatamente os que eles queriam.
Pois bem, esse pressuposto e os pedidos que recebi se chocam com esta constatação: o "nosso desejo" nunca é UM desejo definido por UM objeto ou por UM projeto. Não existe, nem escrito lá no fundo escondido de nossa mente, UM querer definido, que poderíamos descobrir e, logo, praticar com afinco e satisfação porque estaríamos fazendo aquela coisa ou caçando aquele objeto aos quais éramos, por assim dizer, destinados. Nada disso: de uma certa forma, todos os objetos e os projetos se valem, e nenhum é "nosso" objeto ou projeto específico. Ou seja, nós desejamos sempre segundo as circunstâncias, os encontros, as oportunidades - segundo as tentações, se você preferir.
Somos volúveis? Nem tanto, pois cada objeto e projeto não substitui necessariamente o anterior. O que acontece é que desejar é uma atividade inventiva a jato contínuo.
Por consequência, mesmo quando estamos alegremente convencidos de estar fazendo o que queremos com nossa vida, nunca estamos ao abrigo do surgimento de desejos novos.
Claro, podemos aceitar esses desejos novos. Por exemplo, em "As Confissões de Schmidt" (que não é um grande filme), de A. Payne, com Jack Nicholson, o protagonista acorda de noite, olha para sua mulher de sei lá quantos anos e se pergunta estupefato: "Quem é esta mulher que dorme na minha cama?". Logo, ele dá um rumo novo à sua vida, colocando o pé na estrada. Mas a expressão de seus novos desejos é fortemente facilitada por duas circunstâncias: providencialmente, o protagonista se aposenta e fica viúvo. Nessas condições, escutar novos desejos fica fácil, não é?
Agora, imaginemos alguém que esteja no meio de sua vida profissional e num bom momento de sua vida amorosa. Nesse caso, provavelmente, o novo desejo será silenciado, reprimido, menosprezado ("deixe para lá, é besteira"). Resultado: o indivíduo continuará declarando que está vivendo a vida que ele queria (e, em parte, será verdade); só que, de repente, sem entender por quê, ele perderá sua alegria.
Por que razão nosso indivíduo negligenciaria seus novos desejos? Simples: por serem novos, eles acarretam a ameaça de uma ruptura no presente: afetos e laços que poderiam ser perdidos, medo da solidão e preguiça dos esforços necessários para reinventar a vida.
Infelizmente, essa negligência tem um custo alto. Sempre entendi assim a "Metamorfose", de Kafka: alguém acorda, e o que até então era uma vida normal e legal, de repente, aos seus olhos, é uma vida de barata.
Nota útil para a clínica da depressão. Às vezes, procuramos em vão as causas de uma depressão; será que houve lutos ou perdas? Nada disso; está tudo bem, trabalho, família, filhos e tal, mas o indivíduo entristece, volta a fumar e a beber como se quisesse encurtar a vida, engorda como se estivesse num mar de frustração e precisasse de gratificações alternativas.
Em muitas dessas vezes, a origem da depressão não é uma perda, nem propriamente uma frustração, mas a aparição de um desejo novo que não foi reconhecido. E os novos desejos, sobretudo quando são silenciados, desvalorizam a vida que estamos vivendo.
Moral da fábula: 1) Não existem vidas definitivamente resolvidas, pois novos desejos surgem sempre; 2) É bom reconhecer os novos desejos, mesmo que deixemos de realizá-los.

Sunday, May 15, 2011

Fim de Festa

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - E, quando melhores estão as coisas, surge a vontade antiga: acreditar outra vez. Já nem importa simplesmente acreditar em quê, mas acreditar em si mesmo, no amor, no trabalho, na virtude, no inferno ou no nada.
A culpa já não é mais da vida -é nossa. E nisso não há consolo nem glória. Deixamos que as coisas se gastassem e, de tanto evitá-las, de tanto nos guardar para uma oportunidade que nunca veio -e agora sabemos que não adianta vir-, construímos o vácuo que nos conserva monotonamente iguais e frios, como um réptil de duras escamas, a esconder a fragilidade de uma carne virgem e condenada a ser carne.
Também não é o caso de desesperar. O desespero é solução da tribo dos traídos ou dos ofendidos -e, à distância em que nos colocamos dos seres e das coisas, ficamos protegidos das traições e das ofensas. "Turris eburnea, ora pro nobis" -nem adianta repetir as ladainhas da infância nem as imprecações e blasfêmias da mocidade.
Isto posto, seguir em frente (se ainda há frente), com a certeza de que não vai acontecer nada, nem mesmo a morte.
De tanto esperá-la, de tanto temê-la, assimila-se a morte como um acontecimento presente, que está acontecendo a cada minuto, neste momento, espremendo o corpo contra o tempo que ainda falta curtir -igualzinho a um fim de férias, de festa ou de recreio que sabemos que vai acabar daqui a pouco e não adianta iniciarmos nova conversa ou nova brincadeira: não haverá tempo.
Sobra então o compromisso com a hora da hora em torno da hora -e qualquer brincadeira ou conversa será sem sentido. E enquanto tudo não acaba, há tempo para pensar em tudo, tempo para pensar no tempo, vontade de ter vontade.
Mesmo assim, no corredor final, a vida vale a pena mesmo que a alma seja pequena?

Friday, May 06, 2011

Uma nova terra, um novo chão

Uma nova terra
um novo som
em diferentes instrumentos...
Quem irá tocá-los
num ritmo que não é o meu?
Será o teu?
Enquanto o sol adormece
num crepúsculo encantador
penso na terra que deixei...
Por lá alguém!
Uma nova terra, um novo chão...
Meu novo desabrochar...

Vera de Barcellos
( minha nova amiga)

Wednesday, May 04, 2011

A forma e a função

LULI RADFAHRER



A tecnologia não copia a inteligência: ela mimetiza o processo sofisticado e complexo que é a vida


É interessante pensar que, por mais que muitos se queixem da velocidade e da abrangência das mudanças, são poucos aqueles capazes de imaginar um mundo sem internet ou telefones celulares. As tecnologias, quando bem-sucedidas, têm uma tendência natural a se misturar com os processos que amplificam e se tornarem invisíveis. Pense em logística ou energia elétrica, por exemplo: elas transformaram o cotidiano de tal forma que a sua ausência é quase uma curiosidade histórica ou antropológica.
Com a digitalização e as redes acontece a mesma coisa. Elas criam novos desafios à medida que resolvem os problemas das épocas passadas, em um processo de complexidade crescente e desequilíbrio permanente, em que não há estado ideal ou final. Nunca poderemos dizer que o mundo foi computadorizado ou digitalizado para sempre. Não dá nem para saber o que isso significa, ou mesmo se estaremos por lá para testemunhá-lo. A ideia de um problema "resolvido" ou "perfeito" é uma ilusão de controle típica do homem ocidental.
É fundamental compreender o progresso em sua verdadeira forma. O grande erro dos cientistas da informação do século passado foi acreditar que a tecnologia poderia sintetizar a inteligência. O que ela mimetiza, na verdade, é um processo muito mais sofisticado e complexo: a própria vida, em que pequenos organismos, frágeis e codependentes, se apoiam e parasitam mutuamente, resolvendo seus problemas em grupo enquanto criam outros, em um ciclo evolutivo infinito.
Pelo que se vê hoje, o mundo do futuro deverá ter um ecossistema de milhões de aparelhos tecnológicos de diversos tamanhos, cujos comportamentos parecerão orgânicos. Ele não será, como se pensava no início do Modernismo, um sistema único, eficiente, industrial, minimamente planejado e limpo. Pelo contrário, hoje a inovação tem mais a cara daquilo que o mercado quiser pagar, mesmo que não seja necessariamente melhor para seus usuários, do que a invenção genial de um cientista louco. Não é melhor nem pior, só é diferente.
Estamos saindo de um sistema em que a forma seguia a função e que tudo fazia sentido mecânico para um ambiente simbólico em que as máquinas morrem mais rápido que seus usuários e que a forma não consegue nem saber qual é a sua função. Deixadas de lado questões práticas de ergonomia, hoje a função é a manifestação microscópica das ideias. Ela cabe em uma antena, em um chip de silício. E pode ser mudada a qualquer instante.
Como toda ideia, os novos objetos --um iPad, por exemplo-- não aceitam definições absolutas e estão em constante mutação. É fácil entender por que tantos sofrem crises de identidade.
A era das certezas vem chegando ao seu final, e a falta de referências é típica de um ambiente cujos parâmetros são fragmentados e mudam o tempo todo. Se hoje os hábitos, as tradições e a continuidade vêm desaparecendo, é porque perdem terreno para a flexibilidade, a mobilidade, a imaginação e a criatividade.
Não é o fim do mundo como o conhecemos, mas é o fim de um modo de pensar que tentou controlar o ambiente à sua volta. Se essa transição provoca insegurança, vale lembrar que o taoísmo e o budismo sempre disseram que todo movimento só é causado pelo constante desequilíbrio.