Wednesday, October 22, 2008

O Amor é triste

Sim, poeta, o amor é triste, eu também sei...
Se o vivemos com intensidade, doçura, plenamente,
entre belos sentimentos se insinuam dúvida
- difícil viver felicidade – e temor de perda:
melhor se resguardar que tudo passa...

Sim, o Amor é triste...
Às vezes amamos tanto e nem sabemos,
Tão ocupados estamos,
Ou desligados de nossos próprios sentimentos.
Temos Amor, mas não o vivemos

É triste o amor...
Nele cremos, por ele ansiamos
E no entanto sempre nos parece,
que só aos outros acontece, como um prêmio...
Temos o sonho de amar, mas não vivência...

E coincidência no amor ... por que tão rara?
Dá para entender a dor quando ele acaba.
E acaba... pois nada é permanente
E então não somos mais
do que meros, cabisbaixos, sobreviventes...

Cecília

homenagem a Carlos Drummond de Andrade

Tuesday, October 21, 2008

Nuvens

Nuvens no céu
e em meu coração projetadas
Do céu não posso tirá-las
Mas de mim... Será que falta vontade?
Se removo a cortina o que acho?
Por certo uma luz ainda brilha,
é questão de captá-la
e fazê-la atravessar
nuvens chuvas tempestades
até se alojar nos olhos
e depois em outros olhos
daquele a quem chamo ‘amado”...

Enquanto divago
vão-se as nuvens e o céu agora está claro...

Cecília
19-10-08

Monday, October 20, 2008

Consciente Escolha

Reatamos
“Nada foi cortado”, você diria.
Básico
Mas sei que emendamos, refizemos, trabalho árduo...
Recompensa: o sono dos justos, a tranqüilidade
Amor, amizade?
Pouco importa, retomamos a caminhada
e muito bem acompanhados:
filhos, netos, genro, nora, amigos
Segue: trabalho, poesias, cinemas, teatros, companhia;
renovamos a casa, os votos, consciente escolha.
E seguimos juntos, não sem algum esforço,
Transformando irritação em atitude doce,
removendo espinhos e cultivando flores...

Cecília

Belo Belo II

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.

Manuel Bandeira

Friday, October 17, 2008

Amando (Canto da Lua)

Não sei viver o amor de forma tranqüila
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas...
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos:
O susto de amar, de deixar de amar
De ser só fruto de uma fantasia
Ou apenas um momento dentro de uma vida...

O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar ) que é infinito...
“Canto da Lua ”
É lá que me refugio...

Cecília

Saturday, October 04, 2008

Que é a poesia?

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Eis a diferença entre o poema e demais entes: não olvida a natureza líquida de todas as coisas
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PARA DIZER o que penso ser a poesia, recorro, em primeiro lugar, ao poema "O Rio", de Manuel Bandeira: "Ser como o rio que deflui/ Silencioso dentro da noite./ Não temer as trevas da noite./ Se há estrelas nos céus, refleti-las./ E se os céus se pejam de nuvens,/ Como o rio as nuvens são água,/ Refleti-las também sem mágoa/ Nas profundidades tranqüilas". Desde o título, "O Rio", torna-se inevitável pensar no famoso rio do filósofo grego Heráclito, em que não é possível pisar duas vezes. O primeiro verso reforça essa impressão: "Ser como o rio"... Mas a sentença de Heráclito -aparte certas interpretações recherchées- enfatiza o mobilismo universal, o fato de que coisa nenhuma jamais permanece a mesma. O rio de Bandeira, ao contrário, é em primeiro lugar a própria imagem da constância e até de um certo estoicismo: "Ser como o rio que deflui/ Silencioso dentro da noite./ Não temer as trevas da noite".
O rio a defluir silenciosamente dentro da noite não teme as trevas da noite porque ele é também o rio da noite, isto é, a noite enquanto rio. O infinitivo aqui é implicitamente desiderativo: ele manifesta um desejo. Mas quem é que aqui deseja? Talvez se possa dizer que aquele que deseja é o poeta, ou talvez o "eu" lírico, o heterônimo, o personagem em que o poeta se transforma para escrever o poema; mas o infinitivo excede qualquer subjetividade, qualquer "eu". A rigor, não interessa quem deseja, mas apenas o próprio desejo, que se identifica com o ser. Feito um fenômeno da natureza, feito o próprio rio silencioso dentro da noite e feito a própria noite, o desejo, o ser, os versos do poema e o próprio poema estão lá, no infinitivo, silenciosos como o rio e como a noite. Fundem-se no poema o leitor, o poeta, a noite, o rio, as estrelas: "Se há estrelas nos céus, refleti-las./ E se os céus se pejam de nuvens,/ Como o rio as nuvens são água,/ Refleti-las também sem mágoa / Nas profundidades tranqüilas".
Se há estrelas nos céus, o poema as tem na superfície. Se há nuvens que o impedem de refletir as estrelas, aquelas são refletidas na profundidade do seu ser, pois as nuvens são feitas da mesma água que ele. Aqui é de Tales, o primeiro filósofo grego, para quem tudo vem da água e tudo volta para a água, mais do que de Heráclito, que me lembro.
E me lembro sobretudo do poeta Jorge Luis Borges, para quem, segundo o poema "Nuvens (I)", do qual faço a seguir uma tradução literal, recomendando, porém, veementemente ao leitor que não deixe de consultar o belíssimo original castelhano: "Não haverá uma só coisa que não seja/ uma nuvem. São nuvens as catedrais/ de vasta pedra e bíblicos cristais/ que o tempo aplanará. São nuvens a Odisséia/ que muda como o mar. Algo há distinto/ cada vez que a abrimos. O reflexo/ de tua cara já é outro no espelho/ e o dia é um duvidoso labirinto./ Somos os que se vão. A numerosa/ nuvem que se desfaz no poente/ é nossa imagem. Incessantemente/ a rosa se converte noutra rosa./ És nuvem, és mar, és olvido./ És também aquilo que perdeste".
As nuvens são as transformações da água originária, isto é, são todos os entes que o tempo aplanará. Também são nuvens os versos do poema de Homero. Há entretanto uma diferença: os entes em geral perderam a memória de sua origem aquática e se esqueceram de que são nuvens. A "Odisséia", porém -o poema por excelência-, muda como o mar. Algo há distinto cada vez que a abrimos. Eis a diferença entre o poema e os demais entes: o poema jamais olvida, no fluxo de sua superfície significante, morfológica, sintática, melódica, rítmica e de suas submersas correntes semânticas, a natureza líquida de todas as coisas e, principalmente, de si próprio.
Lembro que outro dos primeiros filósofos gregos, Anaximandro, dizia que todos os entes determinados provêm do indeterminado (que ele chamava "ápeiron") e têm como causa o indeterminado -que podemos entender como o movimento, a mudança, a vida, o tempo- do qual provêm. Em cada um deles, porém, o indeterminado se transformou em algum ente determinado. Também o poema é um ente determinado, mas um ente determinado que, refletindo o seu oposto, porta em si a marca d'água do movimento originário. Não apenas, cada vez que o lemos, ele se torna diferente do que era na leitura anterior, mas se torna diferente de si próprio no exato instante em que o estamos a ler. Chamo "poesia" essa propriedade do poema.


Antonio Cicero