Saturday, September 27, 2008

Curtas

As palavras fogem
assustadas com o encargo de traduzir
a complexidade do que vai na alma...

No sonho, a transparência
que a realidade obstrui, veda
Muda o olhar, o desejo é contido
E tudo continua igual
como se nada tivesse acontecido...

Afinidade, consonância, harmonia
Palavras que definem o que sentimos.
Hoje, sua dor, sendo a minha,
só um ansiado abraço aliviaria...

Abraço que traduz muito mais que um beijo:
encontro, apreço, apoio, apego, aconchego...

Como num jogo, dançam as palavras se escolhendo
se juntando
...ou se dispersando, repelindo,
movidas pela harmonia, significado ou rima...

Você:
Escolha da alma, sem qualquer interferência
Resvalando num sonho, inconseqüente...

Cecília

Thursday, September 25, 2008

Andréa, Dedé para todos

Vinte e sete anos eu tinha.

Hoje em dia diriam: “É uma criança!”

Atualmente as meninas casam-se mais tarde mas naquele tempo, há 40 anos, casávamos cedo e logo pensávamos em filhos. E foi assim que eu fiz...

Aos 26 anos eu já tinha 2 filhas: a Patrícia com 2 anos e meio e a Daniela com 9 meses.

As duas lindas, espertas e inteligentes alegravam e ocupavam os meus dias.

Em agosto ou setembro de 1975 veio mais uma surpresa: outra gravidez.

Que alegria! Apesar de não programada...

A gestação correu maravilhosamente bem, sem problemas, assim como foram as anteriores. Sem os modernos aparelhos de ultrassonografia não se percebeu que eram 2 bebês o que só foi visto 15 dias antes do parto.

Alegria dobrada, saímos à correria para comprar outro enxoval, outro berço, outro tudo.

10 de maio de 1976 nasceram Persinho e Andrea, duas lindas crianças que viriam completar meu time de quatro filhos, sempre desejado.

Os dias se passavam e era inevitável a comparação entre os gêmeos e as infinitas perguntas sem resposta.

“- Por que o Persinho sustenta a cabecinha e Dedé ainda não?”

“- Por que um já sabe sentar-se o outro não?”

E por aí sucederam-se milhões de dúvidas...

Um dia perguntei ao médico dela o que seria da minha filha no futuro. A resposta foi imediata: “- Eu não sei o que vai ser dos meus filhos, como saber da sua?”

Bem, não adianta ficar perguntando. Sempre fui uma pessoa ativa, decidida e disposta a enfrentar qualquer batalha e aí vinha uma daquelas...

Meus dias alternavam-se entre buscar um diagnóstico e independente de tê-lo, fazer terapias.

Com a ajuda da Andrea, sempre disposta, fomos caminhando pelas diversas formas de atividades: fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, natação, reorganização neurológica, equoterapia, enfim, tudo o que nos era sugerido.

Dedé começou a andar com 3 anos e aos 4, entrou na primeira escola (sempre optei por escolas especializadas). Mesmo antes de aprender a falar, o que aconteceu aos 5 anos, as professoras iam ensinando-lhe as letras e números. Assim, bem lentamente, ela foi aprendendo a construir frases na fala e na escrita, simultâneamente.

Quando eu percebia que o assunto estava esgotado numa escola, mudava para outra. Rotina não podia existir na vida de Dedé. Tudo tinha de ser mudado periodicamente para haver motivação. Eu percebia que a cada mudança acontecia um salto na evolução da minha pequena.

De escola em escola, acabamos conhecendo o PTI que foi o grande salto na vida dela. Aqui ela amadureceu, encontrou amigos que a compreendem, namorados e professores que lhe dão carinho, atenção e a orientam para uma vida profissional, já que esse era um grande sonho pois a colocava em pé de igualdade com os irmãos já bem sucedidos profissionalmente.

Com a persistência da Carmen Lydia em incluir os alunos do PTI na lei 8.213, “Lei de Cotas” e no projeto “SOMAR”, a Andrea acabou sendo uma das escolhidas para fazer entrevista no Citibank.

Toda arrumadinha, lá foi ela como uma verdadeira executiva, fazer testes e mais testes. Para a alegria dela, da família e dos professores, ela foi aprovada e desde dezembro de 2007 é uma respeitada e competente funcionária do Citibank.

Mas a busca pelo diagnóstico continuou e numa segunda feira, dia 18 de agosto de 200 graças ao avanço da tecnologia e às pesquisas do Instituto de Genética da USP conseguimos o que tanto queríamos: “a Andrea é portadora de uma síndrome chamada MONOSSOMIA 1P36”. É um acidente genético, que só foi identificado pelos cientistas em 1999 ou começo de 2000. O caso dela é bem leve e ao estudarmos a síndrome, percebemos que tudo o que deveria ter sido feito na infância, juventude e adolescência, foi exatamente o que fizemos. Para o futuro, também nada mudará.

Hoje, com 32 anos, Dedé superou todos os seus limites e desafios. É feliz e realizada. E eu, como mãe, mais ainda...

Selma Deluca
As lágrimas desceram lavando a alma
precisada de faxina
Agora que a solidão faça a sua parte

Amor:
Quantas vezes empreguei essa palavra em vão?

Parto
Se pudesse para sempre em direção às coisas que vivi e amei

Meu passado só existe em minha memória
Fatos compartilhados têm diferentes visões, versões e envolvimentos
Portanto :
Meu passado só a mim pertence

Ninguém roubou os meus sonhos
Eu mesma os abortei


Uma porta se fechou bem à minha frente
Ocultando tudo o que na vida vale a pena...


Hoje não me importa o isolamento
Bastam-me um teclado, uma tela, meus poemas...

Sua presença me machuca, me inquieta
Deixe-me sozinha com os meus pensamentos...

Declaração: cada vez te amo mais, minha irmã.
Enquanto tivermos uma à outra,
jamais estaremos completamente sozinhas...

Posso abrir mão de tudo
Menos da minha dose homeopática de ginástica, alegria
... e poesia


Cecília

Pássaro sem asas

Noites escuras,
fundas, fundas,
profundas.

A escuridão tem o encanto
de aproximar ruídos longínquos
e aumentar os pequenos.

Choveu,
me encharco.

Minha memória
recua, recua
até encontrar minha alma de menino.
( A escuridão
se presta para isso.)

Sou um pássaro sem asas
e não caio
porque me seguro no ar.

Humberto Ak'abal

Saturday, September 13, 2008

A jangada

Te vejo
Linda, simples, vela estirada pelo vento,
exibindo singelo desenho: mulher em vermelho.
É teu descanso e na praia permaneces.
Cheiras a mar, madeira, suor dos homens que te manejam.
Te abres para mim e me surpreendo com o exíguo espaço
em que descansam teus marinheiros:
tosco, suficiente apenas para um sono rápido
antes da volta ao trabalho, a busca pelo peixe
-de vigília fica sempre um jangadeiro
a zelar pelo sono dos companheiros.
Descansam confiantes,
pois já leram o céu, as nuvens e as estrelas.
Depois é revezar, voltar a pescar,
reparar, remendar, trabalho árduo, solidário,
protegido pela reza das namoradas ou companheiras.
Sei que quando chegam e os peixes descarregam
agradecem a Deus a sobrevivência,
a boa pesca, e o seu quinhão nas vendas,
pois a jangada, com amor guiada mar adentro
quase sempre não lhes pertence...

Fim de tarde,
Vela com destreza enrolada,
Mãos rudes, pele maltratada
Não sei o que mais me toca
Se o pescador ou a jangada...

Cecília

Friday, September 12, 2008

Promessa

Leves, alegres, hoje atraímos o belo,
o luminoso, o que dá sentido à vida.
Sorrimos e, como reflexo,
rostos à nossa volta estampam
sorrisos de simpatia, compreensão e afeto.
O coração, mais enternecido,
se desdobra então em sentimentos puros;
e se não dá para de imediato endireitar o mundo,
que amostra, que promessa, nesta manhã de sol,
em que lépidos e leves estamos juntos...

Cecília

Thursday, September 04, 2008

Movimento

Ando para a frente,
para os lados,
para dentro
em direção ao meu centro.

Ando às vezes distraidamente;
outras, tão concentrada,
que nem sinto o passar do tempo.
E então me sinto espoliada...

Ando também em círculo,
para preservar meu espaço,
como animal, a vigiar sua caça...

Ando mesmo, quando penso estar parada.
O tempo passa, me arrasta,
e o espelho mostra um certo ar de cansaço,
pois estafante é a caminhada,
mesmo se tudo se mostra favorável.

Cansa o corpo, cansa a alma,
ainda mais, se houver intensidade.
Mas não param ( corpo e alma )
pois ali na frente,
parece estar sempre a Felicidade,
ou simplesmente,
uma nova e estimulante fase...


Para Dr. Luís e Eleonora

Cecilia

A empregada

A casa parecia pequena, mas enganava - o terreno era estreito, mas comprido - e ela se estendia quase até o muro dos fundos. Tínhamos escritório, sala de música, de jantar e três quartos, um dos quais não era ocupado, pois ficava um tanto isolado, depois da copa, banheiro e cozinha. Localizava-se num bairro privilegiado, rodeada de casas bonitas, perto de uma praça e do Ginásio. Alegrava-a um pequeno jardim e o céu sempre claro da cidade; também o movimento da família, as músicas ouvidas no rádio, o som do piano, as escalas. Além da família circulava pela casa uma empregada, ajudando minha mãe, sempre atarefada. Meu irmão pequeno, o Fábio, ainda dava muito trabalho.
Tinha eu naquela época cerca de dez anos e minha irmã mais velha doze e começávamos a perceber as diferenças de classe. Os adultos trabalhavam, nós crianças estudávamos, mas parece que tínhamos retorno: futuro, bens, conforto, o que não era o caso das empregadas. Lembro que mamãe era exigente, as substituía com freqüência e assim elas iam passando. Com o tempo, rostos e identidades apagados.
Assim foi com uma delas, que se empregou, pedindo para ocupar o quarto dos fundos, pois sua família residia num sítio distante da cidade. Como era jovem e tinha namorado, lhe foi permitido sair à noite, mediante a condição de ser silenciosa e não voltar muito tarde (meu irmão tinha sono leve, e qualquer ruído o acordava). Ela respeitou o trato.Mesmo assim, todas as noites eu e minha irmã Helina ouvíamos os seus passos no corredor externo e o girar da chave.
Uma manhã, bem cedinho, fui até seu quarto - não me lembro o motivo: só sei que todos ainda dormiam - e deparei com uma cena inesquecível, que muito me perturbou: na cama bem junto dela, aconchegada, havia uma criança, provavelmente da idade do meu irmão pequeno. Pega de surpresa, a moça me olhou com olhos assustados, mas não disse e não me pediu nada. Eu também nada falei e saí rápido, fugindo do constrangimento e sentindo muita pena. Apesar da pouca idade, compreendi instantaneamente suas saídas e o que aquela criança significava.
Naquela época havia muito preconceito em relação às mães-solteiras e às empregadas - seus defeitos eram o assunto predileto das comadres.
Guardei segredo do que vira, pensando na criança e na mãe que ternamente a abraçava, na minha própria mãe e no Fábio. Sentia que a ninguém traía, afinal havia em casa aquele quarto desocupado.
Hoje vejo que em meu longo silêncio, quase até os dias de hoje, havia não somente pena, mas também pudor: não queria mostrar generosidade à custa da coitada...

Cecilia