Saturday, June 12, 2010

Soneto XVII (do livro Cien Sonetos de Amor)

No te amo como si fueras rosa de sal, topacio
o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y la alma.

Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo proque no sé amar de otra manera,

sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

Pablo Neruda

Friday, June 11, 2010

O direito de buscar a felicidade

O ARTIGO SEXTO da Constituição Federal declara que "são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".
O Movimento Mais Feliz (www.maisfeliz.org) promove uma emenda constitucional pela qual o artigo seria modificado da seguinte forma: "São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde etc." (segue inalterado até o fim).
É claro que, se eu dispuser de casa, emprego, assistência médica, segurança, terei mais tempo e energia para buscar minha felicidade. No entanto o respeito a esses direitos sociais básicos não garante a felicidade de ninguém; como se diz, ter comida e roupa lavada é bom e ajuda, mas não é condição suficiente nem absolutamente necessária para a busca da felicidade.
Em suma, implico um pouco com o adjetivo "essencial" no texto da emenda, mas, fora isso, gosto da iniciativa porque, como a Declaração de Independência dos EUA, ela situa a busca da felicidade como um direito do indivíduo, anterior a todos os direitos sociais.
Por que a busca da felicidade não seria apenas mais um direito social na lista? Simples.
A felicidade, para você, pode ser uma vida casta; para outro, pode ser um casamento monogâmico; para outro ainda, pode ser uma orgia promíscua.
Para você, buscar a felicidade consiste em exercer uma rigorosa disciplina do corpo; para outros, é comilança e ociosidade. Alguns procuram o agito da vida urbana, e outros, o silêncio do deserto. Há os que querem simplicidade e os que preferem o luxo. Buscar a felicidade, para alguns, significa servir a grandes ideais ou a um deus; para outros, permitir-se os prazeres mais efêmeros.
Invento e procuro minha versão da felicidade, com apenas um limite: minha busca não pode impedir os outros de procurar a felicidade que eles bem entendem. Por isso, obviamente, por mais que eu pense que isto me faria muito feliz, não posso dirigir bêbado, assaltar bancos ou escutar música alta depois da meia-noite. Por isso também não posso exigir que, para eu ser feliz, todos busquem a mesma felicidade que eu busco.
Por exemplo, você procura ser feliz num casamento indissolúvel diante de Deus e dos homens. A sociedade deve permitir que você se case, na sua igreja, e nunca se divorcie. Mas, se, para ser feliz, você exigir que todos os casamentos sejam indissolúveis, você não será fundamentalmente diferente de quem, para ser feliz, quer estuprar, assaltar ou dirigir bêbado.
Não ficou claro? Pois bem, imagine que, para ser feliz, você ache necessário que todos queiram ser felizes do jeito que você gosta; inevitavelmente, você desprezará a busca da felicidade de seus concidadãos exatamente como o bandido ou o estuprador a desprezam.
Em matéria de felicidade, os governos podem oferecer as melhores condições possíveis para que cada indivíduo persiga seu projeto -por exemplo, como sugere a emenda constitucional proposta, garantindo a todos os direitos sociais básicos. Mas o melhor governo é o que não prefere nenhuma das diferentes felicidades que seus sujeitos procuram.
Não é coisa simples. Nosso governo oferece uma isenção fiscal às igrejas, as quais, certamente, são cruciais na procura da felicidade de muitos. Mas as escolas de dança de salão ou os clubes sadomasoquistas também são significativos na busca da felicidade de vários cidadãos. Será que um governo deve favorecer a ideia de felicidade compartilhada pela maioria? Ou, então, será que deve apoiar a felicidade que teria uma mais "nobre" inspiração moral?
Antes de responder, considere: os governos totalitários (laicos ou religiosos) sempre "sabem" qual é a felicidade "certa" para seus sujeitos. Juram que eles querem o bem dos cidadãos e garantem a felicidade como um direito social -claro, é a mesma felicidade para todos. É isso que você quer?
Enfim, introduzir na Constituição Federal a busca da felicidade como direito do indivíduo, aquém e acima de todos os direitos sociais, é um gesto de liberdade, quase um ato de resistência.


CONTARDO CALLIGARIS

Um grande escritor

COMPOSIÇÃO ESCOLAR (Da "Folha de São Paulo")


ERA UMA noite solitária do mês de abril dos anos mais antigos do passado. Eu estava na janela olhando a rua, e entre a janela e a rua havia um jardim.
O pai costumava, tão logo a noite caía, regar os nossos canteiros de tinhorões e avencas, os pés de roseira que ficavam do outro lado, costeando o muro que dividia a nossa casa de um palacete -o único palacete da rua e do bairro.
Verdade: o palacete era enorme, tinha uma escadaria de mármore que subia pela fachada principal -mas não havia jardins, nem sequer um tinhorão aveludado, nem sequer um pé de manacá como o nosso, que ali estava cheirando, molhado pelo anoitecer daquele solitário abril dos anos mais antigos do passado.
Eu olhava a noite e sentia o perfume que vinha do jardim umedecido. A rua não tinha cheiros, era apenas um espaço cor de cimento e pedra, naquele tempo quase não havia movimento, o bonde passava pontualmente de 15 em 15 minutos, era um bonde verde como um bicho de seda comprido, à noite ele vinha iluminado, vazio e inútil, levando ninguém para lugar nenhum.
Além do bonde, um ou outro carro deslizava pela rua vazia. Todas as noites, lembro que, pelas nove horas, passava um carro branco, último modelo na época; se a noite era quente, a capota estava arriada e dentro dele um homem vestido de branco, todo de branco, e houve noite em que, ao lado do homem vestido de branco, havia uma mulher também vestida de branco, um chapéu branco e enorme com enormes fitas brancas.
Anos depois, quando assisti pela primeira vez a "La Traviata", no segundo ato, cheirando a jardim e a flor, lá estava a mesma mulher vestida de branco, com seu chapéu e suas fitas brancas.
Não entendi nada, mas guardei para sempre aquele encontro mágico que era tão meu. Na ópera, o pai se emocionava com a despedida da mulher que abandonava o amante, e eu tinha a certeza de que aquela mulher ali estava só para mim e para sempre. E passava pela minha rua num carro branco e nupcial.
Mas isso foi há muito tempo. Há tanto tempo que já não gosto mais daquele segundo ato, nem da ópera em si e, mesmo que gostasse, de nada me adiantaria: a rua foi asfaltada, perdeu a cor de cimento e pedra, ficou escura como uma enorme tira de fita isolante, os bondes foram arquivados e o palacete foi demolido, em seu lugar subiu um espigão sem forma nem cor.
E o jardim de nossa casa não mais existe, nem os tinhorões nem as avencas, o menino que ficava ali, olhando a noite e o jardim molhado, também ele não existe mais.
De tudo, o que restou foi o silêncio do menino olhando a noite e sentindo o perfume do jardim, esperando o carro branco e nupcial, a mulher com seu chapéu de fitas brancas que parecia ter saído do segundo ato de uma ópera. Além da noite e do jardim estava o mundo, a vida que se desdobrou para o menino, uma vida nem boa nem má, apenas vida -e bastante.
E onde está o carro branco que passava lentamente pelo meio da noite, aquele casal vestido de branco que vinha não sei de onde e se perdia naquela noite silenciosa do mundo?
Ficaram na memória do menino, com os cheiros e os tinhorões aveludados, o pé de manacá molhado, o bonde iluminado e vazio, o garoto olhando a solitária noite dos anos mais antigos do passado.
Mais tarde, o menino precisou fazer aquilo que os outros chamavam de "ganhar a vida". Ele não sabia direito o que era aquilo, já tinha uma vida que lhe fora dada de graça, não precisava de outra, de ganhar outra.
Quando as coisas se complicavam para o lado dele, recorria àquela imagem distante, a rua deserta e perfumada pelo manacá, de repente o carro branco e silencioso passando devagar, a mulher com seu enorme chapéu de tiras brancas deslizando na noite do passado.
Os anos mais antigos também passaram, parece que nem tinham acontecido. O que acontecia agora era muito colorido, berrantemente colorido, o mundo é em cores e faz muito barulho, som e fúria que nada significam.
Mas o menino gosta de pensar neles, embora o homem tenha um pouco de vergonha em falar neles.

CARLOS HEITOR CONY


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