Thursday, August 31, 2006

Encontro de poetas

Passas
Passo eu com algum atraso
Mas nos encontramos
- Diferenças evidentes -
Domínio da arte de um lado
Do outro: só em parte
Mas o mesmo amor às palavras
Emoção de criar
E o desejo de superação:
Sobrevivência à morte através da obra,
Fruto de inspiração e busca da perfeita forma,
Preservada em sua inteireza a emoção...

Para Paulo Bomfim

Cecília

Momento (sem retorno)

Encontro rápido
Há muito esperado
Depois, sensação de desperdício
Impressão de momento não plenamente vivido,
Sentidos adormecidos.
Fica: lembrança pálida do acontecido
E o desejo impossível de vivê-lo novamente...

Cecília

Friday, August 25, 2006

Gêmeas

O que me mata de emoção:
O olhar desconfiado de uma,
O sorriso escancarado e banguela da outra.
O “côco” redondinho de uma, quase careca
E os cabelos crescendo desiguais e rebeldes da outra.
As coxas cheinhas e brancas de anjo barroco:
De uma mais redondinhas que da outra.
As mãos e pés de boneca
- perfeição também nas extremidades.
Uma de olhos de oliva, a outra de jabuticaba.
Em comum a fragilidade dos bebês
E o amor que as ampara...

Para Isadora e Sophia

Cecília
25-08-06

Thursday, August 24, 2006

"Encontro doméstico"

A pequena lagartixa me encara, assustada.
Não me conhece.
Não sabe que não sou de nada,
que não faria mal a uma barata.
Antes, a olho com pena, pensando:
Poderia ser o inverso: eu lagartixa,
e ela este ser grande pensante.
Será que ela pensa?
Parece que sim, pois permanece
me encarando paralisada.
Eu, que tantas vezes me senti assim acuada,
tento ajudá-la a partir:
abro-lhe a janela, mas ela não sai...
Lá fora está frio, é noite.
Por mim, tudo bem,
desde que não invada meu espaço...
Pobrezinha, tão branca!
Parece até transparente.
Volto a pensar:
se fosse eu, assim tão frágil, que desgraça!
Agora apago a luz, esperando que ela parta.
Acendo-a de novo e nada...
Então, tendo que sair,
deixo-a ali mesmo, no alumínio grudada
E tchau
Boa noite, boa sorte.
E até outra hora.
Mas recomendo aos que ficam,
que não a maltratem
Como é fácil comigo fazer amizade!...

Será que estou ficando louca?
Ou vazia de emoção é a minha vida?
Daqui a pouco estarei fazendo verso pra baratas!!!

Cecília

Wednesday, August 23, 2006

Aquela menina...

Aquela menina, dentro de mim ainda vive
em seus treze ou catorze anos
se apaixonando e com outros olhos descobrindo a vida .
Vivendo e respirando poesia,
atenta a todos os movimentos da vida
e também a seus sabores, cores, aromas e amores.
Ainda a vejo, ora observando as nuvens no céu se desenhando,
ou o sol, aparecendo e partindo;
se encantando com as cores, mais fortes iluminando o dia,
ou à noite, já esmaecidas despertando sonhos e fantasias...
Se deliciando com os sons da cidade,
do amanhecer ao cair da tarde
e todos os seus aromas: da comida nas casas,
ao perfume das moças passeando pela praça ...
Timidamente descobrindo o prazer de sua mão em outra se enlaçando,
vivendo o primeiro amor, primeiro beijo, as primeiras danças...
Tanto brilho, tanto gosto, tanta vida......
...que até hoje retenho ou persigo
Talvez por aquela menina, que dentro de mim ainda vive...

Para Paulo Bomfim

Cecília

Tuesday, August 22, 2006

E o cronista endoidou...

Vou falar hoje de um assunto que talvez não seja assunto de crônica, mas, como já disse que ninguém sabe o que é crônica, vou falar assim mesmo. O assunto é o poema, uma tese sobre o poema, coisa que possivelmente não interessa a ninguém e, quem sabe, por isso mesmo eu deva falar dele.Costumo dizer que o poema não vale nada. Não vale nada no mercado. Pouca gente compraria um poema e, se comprasse, seria barato, ou seja, ao preço do mercado. Não obstante, nem tudo é o mercado. Há mais espaços na vida do que sonha a nossa vã filosofia.Por exemplo, quando estava eu no exílio, conheci um sujeito, economista, casado com uma linda morena brasileira. Ele e ela freqüentavam regularmente aquelas reuniões um tanto fossentas de exilados. Reuniões que não eram tão alegres quanto os papos no Jangadeiros ou no Vermelhinho, mas era o que tínhamos e, em certas situações, é melhor alguma coisa do que nada. Há divergências, é claro.Pois bem, nessas reuniões o marido da brasileira bonita, que era talvez chileno ou espanhol, costumava sentar-se ao meu lado e puxar conversa sobre economia. Citava números, estatísticas, percentagens, leis do mercado e eu, sem muita alternativa, escutava. Até chegar o momento azado em que pedia licença a pretexto de ir ao banheiro ou apanhar uma bebida e não voltava mais. E eis que, inesperadamente, me contam que a tal morena brasileira deixara o economista por um argentino. Pensei logo comigo: na próxima reunião, se ele aparecer por lá, vai ser pior ainda, aí é que grudará comigo o tempo todo.E chegou esse dia. Fui para a reunião disposto a escapar do sujeito a qualquer preço e consegui por algum tempo. Quando já estava no terceiro copo de cerveja, distraí-me e ele se sentou a meu lado. E sabem o que aconteceu? Não falou um só palavra de economia -só falou de poesia, assunto que dominava muito bem. Falou-me de seus poetas preferidos, que eram alguns de língua espanhola, outros franceses, ingleses ou italianos. Sabia de cor poemas de Eliot e de Fernando Pessoa.- Estou relendo meus poemas queridos, confessou.E então entendi: é que a morena tinha ido embora e, quando a morena vai embora, meu caro, só a poesia nos socorre. É então que ela se torna necessária.Se tudo corre bem, a economia basta, mas, se a morena se vai, não há economia, nem trigonometria, nem geografia, ecologia, paleontologia que dê jeito. Só mesmo a poesia.Com isso fica demonstrado por que a poesia vale pouco no mercado: trata-se de um bem de consumo conspícuo. Mas, como os poetas não escrevem para ganhar dinheiro, essa pouca valia não os desencoraja.Esse é um aspecto deste assunto que não interessa a ninguém; o outro aspecto é que, além de valer tão pouco, o poema não é inevitável. Explicando melhor: qualquer poema que tenha sido escrito -ainda que seja "A Divina Comédia"- poderia não ter sido escrito e, além disso, poderia ter sido escrito de outro modo, poderia ser outro!Vou dar um exemplo doméstico. Certa vez, escrevi um poema inspirado na lembrança de minha casa de infância em São Luís do Maranhão; uma casa antiga, soalho de tábuas corridas e corroídas, com algumas fendas por onde costumavam sumir minhas poucas moedas. Mas uma manhã caiu-me da mão uma moeda de um cruzado (aquele velho cruzado, aliás velhíssimo cruzado) e desapareceu por uma das fendas do soalho. Decidi recuperá-la: aproveitando o fato de que uma das tábuas do cômodo estava solta, meti-me por baixo do soalho e fui me arrastando no pó negro ali depositado, que talvez por quase um século não visse a luz do sol e exalava insuportável fedor de mofo. Recuperei a moeda, mas nunca mais esqueci aquela aventura. O poema não contava essa história, mas falava da "noite menor sob os pés da família" e da "língua de fogo azul debaixo da casa".Isso foi em 1970. Meses depois, tive que ir para a clandestinidade e, um ano depois, para o exílio. Fui parar em Moscou. E lá, de repente, ao lembrar-me do poema, verifiquei que o perdera. Inconformado, resolvi escrevê-lo de novo e o consegui, tanto que ele foi publicado no meu livro "Dentro da Noite Veloz", editado em 1975, quando eu já estava em Buenos Aires.Muito bem. Volto para o Brasil em 1977 e, remexendo velhas pastas que aqui haviam ficado, encontro o poema dado por perdido. Para minha surpresa, era bastante diferente do segundo, escrito em Moscou. O que significa isso? Significa, sem dúvida, que os poemas não têm uma forma inevitável e, como forma e conteúdo são indissociáveis, tampouco seu conteúdo é inevitável. Se, naquele dia em Moscou, eu tivesse encontrado o primeiro poema, não teria escrito o segundo, e aquele ficaria como o único poema possível sobre o tema, conclusão equivocada, conforme acabo de demonstrar, pois, como sugeriu Mallarmé, o poema é um lance de dados que jamais eliminará o acaso.E digo mais: o poema não é a expressão do que se viveu ou experimentou. Se eu sinto um cheiro de jasmim na noite e escrevo um poema sobre esse fato, o que faço não é expressar tal experiência, mas, na verdade, usá-la como impulso para inventar uma coisa que não existia antes: o poema, o qual se somará a todas as galáxias, planetas, cometas, oceanos e tudo o mais que exista no universo. E o universo será, a partir de então, tudo o que já era mais aquele pequeno agregado de palavras, nascido de um perfume.

Ferreira Gullar

Monday, August 21, 2006

Vem, senhora, estou só me diz a vida.
Enquanto te demoras nos textos eloqüentes
Aqueles onde meditas a carne, essa coisa
Que geme sofre e morre, ficam vazios os copos
Fica em repouso a bebida, e tu sabes que ela é mais viva
Enquanto escorre, Se te demoras, começas a pensar
Em tudo que se evola, e cantarás: como é triste
O poente. E a casa como é antiga. Já vês
Que te fazes banal na rima e na medida.

Corre. O casaco e o coturno estão em seus lugares.
Carminadas e altas, vamos rever as ruas
E como dizia o Rosa: os olhos nas nonadas.
Como tu dizes sempre: os olhos no absurdo.

Vem. Liquidifica o mundo.

Hilda Hilst

Saturday, August 19, 2006

Emoção de amor... como me trava!
Quanto maior o desejo, maior a fuga das palavras.
E a poesia que transborda da alma
para o papel não passa...
Não se concretiza,
como o beijo sonhado, as carícias, o abraço,
pois diante do amor... me travo.
Desvio olhares, seguro gestos,
Freio desejo... me apago
E a ânsia de amar, assim permanece:
só desejo de amar
pois o amor em si... me assusta
... e escapo

Cecília

Friday, August 18, 2006

Em teus braços

Quero viver toda a delícia deste amor antigo
A plenitude deste sentimento único
o prazer de ver à flor da pele os meus sentidos
de me sentir ausente e tão dentro deste mundo
União completa: concreta e permitindo vôos
- pois sou poeta -
Só que daqui pra frente, prometo, te levando junto....

Cecília

Thursday, August 17, 2006

Não fomos amantes
Não nos perdemos em beijos e abraços apaixonados.
Não nos sentimos fragmentados, se distantes.

Não fomos amigos
Faltou cumplicidade, apoio, carinho,
quando pedras interceptavam nosso caminho.

Não fomos companheiros
Não desfrutamos juntos de uma hora inteira.

O que fomos senão necessária fantasia,
matéria para a criação de um quadro ou de uma poesia?

Alma sem rosto, que a memória apaga,
tão rápida a passagem, vazia de significado.
Só uma valsa em sonho juntos dançada...

Cecília
Cuido do meu rosto, do meu corpo
Enfeito com flores meu cabelo;
Caminho com graça, quase danço,
Inquieta persigo um ideal e não alcanço;
Louca sou por querer tanto dessa vida...
Ilusão? Não importa: agora sou só sonho e fantasia.
Abro meu coração para todo o amor que se anuncia.

Cecília

Amores Impossíveis

Quem somos nós
Que escondemos segredos terríveis,
Que guardamos amores incríveis...

Somos os que esquecemos a morte,
Brincamos com a sorte,
Desejamos amores impossíveis.

Elvio Santiago

Wednesday, August 16, 2006

Fugacidade

Sonho realizado. Que alegria!
Por que embutes em ti fugacidade?
Em nossa alma se instala outro desejo.
Mais uma vez a duração é só a de um beijo;
e os olhos cúpidos por algo mais se mostram fascinados.
Já não bastam as alegrias e conquistas do passado.

Fases se sucedem; sonhos se esgotam
Nada dura mais do que o som de uma só nota.
Doida sou eu que quero prolongar a nossa estória,
viver apenas um amor pela vida afora,
vencendo assim a dor de tantas pequenas mortes...

Cecília
Enclausurei uma parte de mim mesma;
a outra, foi para a rua passear,
o tempo desperdiçar .
Um nada noutro nada se perdendo,
sem dor, sem cor,
sem poesia, sem alento.
Levar para quê?
Melhor se deixar levar.
É tão mais fácil não fazer acontecer,
deixar a coisa rolar,
na multidão se perder.

Se o caminho foi traçado,
melhor não olhar para os lados,
nem para o alto também.
Pode o brilho de uma estrela
acordar uma saudade,
abrir a porta do claustro,
e aí... ninguém segura ninguém.

Cecília

Azul

Azul de tantos mares,
do céu do Ceará.
Azul de um quadro abstrato,
dos olhos da Júlia amada,
e também de outros olhos,
só na memória guardados.

Azul de sonho e magia,
que de outras cores assume
simbologia, significado:
azul de paz, esperança,
azul de vida, infinito...
Azul, que nos une, aproxima,
azul de tinta, azul de imã,
naquela tela esparramado...

Cecília

Monday, August 14, 2006

XVII

E tudo aquilo que não volta mais
Em nós reside silenciosamente,
Se as naus partiram fica o adeus no cais
E qualquer coisa antiga no presente
Entre paixão e compaixão passamos
Procurando nos outros nossos rostos,
A familiaridade que buscamos,
E o ermo que acompanha amor deposto.
E tudo aquilo que não volta existe
Na glória que se perde e se transforma,
Espírito moldando tarde triste
E sopro imaginando nova forma
Surgirá do tentar de céu e inferno,
Algo fugaz que possa ser eterno.

Paulo Bomfim

Saturday, August 12, 2006

Anjos


É rosa e de cetim minha camisola.
Eu a visto e ao passado me transporto.
Vejo minha irmã ao meu lado,
penteado antiquado, grandes laços...
Somos anjos, de asas brancas e enormes,
ela de azul claro e eu de rosa...
Anjos nos dois sentidos: na roupa e no espírito.
E esse espírito no presente me alcança.
Mas não sou mais este ser bonito, sem conflito.
Um demoninho dentro de mim já mora
E não é a lembrança do anjo que o faz ir embora...
Então não há certezas que resistam
Atos de bondade, que sejam permanentes.
Cresceram as meninas....
Tudo agora é relativo e ambivalente...

Para Helina

Nossa Casa

Em nossa casa não há de faltar Amor.... e Paz
Espaço para o pensamento se manifestar.
E também o sentimento, ainda que transitório,
ilusório, ou mesmo contraditório.
Não faltará alimento para a alma e o espírito,
nem lugar para se descansar da dura lida.
A fantasia também terá seguro abrigo,
como o sonho e o desejo, tudo em perfeita harmonia.
Não sei por que vou querê-la sempre branca,
distante, talvez no topo de verde montanha,
inatingível para aqueles tidos como estranhos.
Nossa casa... ilha, planeta desconhecido
ou apenas página em branco,
em que passo a passo, nosso amor vamos registrando...

Cecília

Amando ( Canto da Lua )

Não sei viver o amor de forma tranqüila
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas...
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos...
O susto de amar, de deixar de amar...
De ser só fruto de uma fantasia
Ou apenas um momento dentro de uma vida...

O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar ), que é infinito...

“Canto da Lua ”
É lá que me refugio....

Cecília

Há um tempo...

Há um tempo para o outro ouvir
sentir
descobrir

Um tempo para se apaixonar
se declarar
Um tempo para beijar

Um tempo para resistir
recuar
o outro poupar,
que isso também é amar

Um tempo para se aproximar
novamente se dar
o antigo amor reviver
ou deixar tudo se perder...

ou tempo para se libertar
amarras desatar
e voar

tempo para construir
um novo templo levantar
e agradecer e orar
pelo bem maior da vida,
que é simplesmente amar.

Cecília

Te quero

te quero:
por birra,
por ira,
por este mundo vazio

te quero:
por cisma,
até por rima,
pelos sismos
que tua voz causou em mim

te quero:
por existires num plano,
em que jamais te alcanço
assim ficas imune,
às desgraças do cotidiano

te quero:
por preguiça
por tédio
porque és minha própria criação

te quero:
porque sou louca
porque o tempo é pouco
para que impere a razão

te quero:
por escolha
porque imperfeitos são todos
não tenho mais ilusão

Então que sejas:
birra
fruto da ira
cisma
cataclismo
o dono do meu coração

Cecília

Friday, August 11, 2006

Sonhos

Um sinal de alerta soa,
ainda que de forma incerta.
Mesmo assim quero esta porta sempre aberta;
penetrar num mundo sem limites,
onde tudo é milagrosamente permitido:
emoção livre, solta, só intensidade,
coração exposto, livre de qualquer pecado;
desordem aparente, vida de outra forma ordenada,
inconsciente preenchendo todos os espaços.
Mortos dos vivos não mais separados,
e você sempre presente, atendendo ao meu chamado,
sem ferir princípios e sensibilidade.
Por isso, ao concreto prefiro o abstrato,
ignorando alertas e chamados...

Cecília

Thursday, August 10, 2006

Julia


Ninguém tem um olhar assim intenso
És única, talvez vinda de brilhante estrela,
para se tornar de nossa vida, o próprio centro.

Difícil é passar por ti incólume.
O verde esparramado dos teus olhos,
nos segura, nos intriga,
e a passagem nunca é rápida....
- inevitável a demora -
pois olhar assim não se vê a toda hora.

Brincas, falas sozinha, corres,
e à noite, como um anjo dormes
E eu, se pudesse, junto de ti estaria nessa hora,
teus cabelos alisando e beijando
para depois nele fazer dezenas de cachinhos...

Cachos e anjos...
Sim, a eles te associo.
Mas quero-te assim,
nem boneca, nem anjo,
apenas meiga, alegre,
adorável e expressiva criança....

Dor Estranha

Esta noite senti uma dor estranha.
Estranha, porque não sei se doía
o peito ou a garganta.
Dor funda, esquisita, mal localizada,
dor de corpo, dor de alma,
de algo não digerido, engasgado;
dor de medo, de saudade,
de futuras dores antecipadas.
Dor de tempo restrito,
daqui a pouco esgotado;
de sonhos e desejos,
que jamais serão realizados.
Dor de espaço apertado,
pequeno demais para tanta ansiedade.
Tempo --- espaço
tudo nos separa;
daí a angústia:
amor não vivido, só imaginado...

Cecília Quadros

Verão

corpo doente
calor inclemente
ar abafado
coração apertado

o gosto do nada
o cheiro do nada
nada...de nada.
O corpo pesado
pedindo descanso
à alma agitada
inquieta, festeira,
curiosa, namoradeira

Bem- vindo o nada,
a cama ainda não arrumada,
o barulho da chuva caindo,
os sonhos indo embora de mansinho;
de mansinho, mas inexoravelmente
espaço vago, para a solidão inclemente...

Cecília Quadros

Fugacidade

Sonho realizado. Que alegria!
Por que embutes em ti fugacidade?
Em nossa alma se instala outro desejo.
Mais uma vez a duração é só a de um beijo;
e os olhos cúpidos por algo mais se mostram fascinados.
Já não bastam as alegrias e conquistas do passado.

Fases se sucedem; sonhos se esgotam
Nada dura mais do que o som de uma só nota.
Doida sou eu que quero prolongar a nossa estória,
viver apenas um amor pela vida afora,
vencendo assim a dor de tantas pequenas mortes...

Cecília Quadros
Hoje sou saudade, inquietação, ansiedade.
Nunca me senti assim tão abstrata.
Espalho sonhos, lembranças e viajo.
De concreto, só palavras, mesmo assim
mal escritas, rabiscadas, a desenhar o caos
dentro de mim já instalado.
De uma forma estranha, sinto que não quero nada,
nem ninguém a invadir o meu espaço.
Quero ser só alma, só espírito, só fantasma...

Cecília Quadros
Quero me livrar de todos meus demônios,
tirar de mim tudo o que minh’alma angustia:
pensamentos e lembranças hoje em preto e branco,
refletindo só o meu lado negativo.

Não sei se dou um tempo e hiberno,
para acordar depois em plena primavera,
pois sei que é esta a dança do universo,
sol brilhando depois de rigoroso inverno.

Cecília Quadros

Wednesday, August 09, 2006

Segredo

Segredo é emoção vivida no silêncio,
sem nada que a perturbe em sua essência.
Sem embates, sem o desgaste de intempéries
ou do passar do tempo,
vai vivendo em casulo eternamente .
Se bate a tentação de transparência,
em versos, aos poucos vai se revelando,
ainda que sob pseudônimo se escondendo...

Cecília

Eu mesma com fantasia

Com tremenda ressaca do vazio, do fastio,
quero vestir fantasia,
dançar, chorar, sorrir, sofrer,
desabar, me levantar,
ser eu mesma até morrer...

Cecília Quadros

A propósito de um sonho

Ainda és
Ainda estás
Subjugas minha vontade
Revolves meu coração
Reviras a minha vida
Assim da noite pro dia
Basta que um sonho impossível
Indesejável, intrometido
Te traga – impositivo -
me deixando outra vez vencida
inquieta, amargurada
Presa da antiga emoção

Sim, és
Dono, senhor
De espaço tão almejado
Que, ai de mim, não domino
Pois não o alcança a razão

Sim...
ainda vives colado
em meu incoerente,
desgraçado coração...

Cecília Quadros

Ponto de Interrogação

És dor
doença
ferida,
chaga que trago no peito,
fruto de amor, ódio e despeito.


És sina
avesso
antítese
de tudo o que creio, prezo e prego

Então não sou o que vejo, penso ou quero
Sou pra mim mesma hermética; um blefe?
Um ponto de interrogação...

Cecília Quadros

Bruxos

És bruxo:
Só me visitas à noite, quando durmo,
percorrendo caminhos de meu coração indefeso.

És bruxo:
Continuas a alimentar aquela fogueira,
sem que para isso tenhas que mover um dedo.

És bruxo:
Vives em mim colado,
preso como que por invisíveis laços
e teu riso sarcástico me persegue,
quanto mais te desejo, quanto mais te quero.

És bruxo:
Estás na minha pele, nos meus versos,
em meus desejos, atos e pensamentos,
se escondendo, sorrateiro, em meu inconsciente.

És bruxo:
Em mim te fizeste semente, flor e fruto,
este ciclo de vida jamais rompendo.
E por mais que te mostres inclemente e eu te maldiga,
sei que preenches uma solidão tão inexplicável quanto antiga.


Por isso te enredo, tanto quanto me enredas,
e também me faço bruxa: eternizando,
mantendo acesas a tua e a minha chama.

Cecília Quadros

Tuesday, August 08, 2006

Poetas, buscamos o belo com alma e arte
Pretensão do eterno
Mas um pouco de sobrevivência basta
Tempo, palavra respeitada
Chave
Quase o domina uma obra-prima
Quase
Mas nem essa eternamente nele viaja
E se desgarra

Tempo, tempo meu,
Que vivo com ardor e gravo
Que ficará de mim
- e até quando-
Um verso? Uma página?...

Cecília
Atravesso portas e mais portas
Percorrendo curiosa empoeiradas áreas,
Prolongamento desconhecido da minha própria casa.
Por que só agora o acho?
- Sensação de desperdício de tempo e espaço...

No sonho
as portas que na realidade nunca abri,
Os mistérios que não tentei desvendar,
Tudo o que podia e não tive ousadia para conquistar...

Palavra em Poesia

Palavra em Poesia

A palavra exata existe
Única
Perfeita, ao expressar a idéia, a emoção
Insubstituível
- devem-se observar nuances,
sonoridade e ritmo.
Às vezes fluindo fácil,
outras de difícil alcance,
atormentando a mente,
que de tudo não lembra
(exercício para a memória e obstinação).
Verdadeira jóia escondida,
um desafio que, quando vencido,
dá uma sensação indefinida
de alegria, domínio,
fascínio pela língua,
amada língua portuguesa...