Tuesday, February 10, 2009

O Último Retalho

Aqui termina o livro.Uma colcha de retalhos, como diz o título. Fala a correr do menino da "tia"Judite, todo ele em estilo coloquial, de quem está conversando com ele próprio. E havia tanto a falar desse tempo. Fala de Lisboa, também correndo, como se quisesse chegar depressa a algum lugar. Acho que fui sempre assim na vida.
Vivendo os momentos, como se a vida fosse terminar no outro dia. Com a intensidade possível; como alguém que espera um sonho maior ao acordar no dia seguinte. E o encontra e o realiza com toda a paixão e fogo de que é possuidor, mas também com a pressa urgente de chegar ao sonho novo, que o amanhã lhe trará.
Fui assim com tudo. Odiando o tédio da coisa repetida; procurando em cada dia a garantia de um amanhã diferente. E talvez só isso possa explicar o porquê de tantas testemunhas, presenças na minha vida.
É a outra imagem de mim, a que me habituei a chamar de Marcos Leal. Poeta, caçador de sensações. Que é feliz hoje em África, enquanto sonha estar amanhã no outro lado do mundo. Que viveu correndo, sem se fixar a coisa nenhuma, nem a ninguém.Esse é que foi o que amou as tempestades, que ia sempre procurar mais longe. Sofrendo com a dor de perder o amor que sentia, mas que partia à procura do amor que adivinhavaestar esperando por ele, no dia seguinte.
Talvez fosse ele que devesse ter escrito a história da sua vida e não eu. A vida dele foi sem dúvida mais interessante, mais cheia de aventura, mais cheia de mulheres bonitas. Enquanto eu, sou um chato. Que ama seus amigos com uma imensa devoção. Que ama a sua família e é fiel a quem ama. Que ama a Pátria onde nasceu um dia, e tudo faz para a honrar e engrandecer, onde quer que esteja.
O Marcos Leal não tem família e não tem Pátria. Ama a quem ama, com imensa intensidade. e se ama a Portugal, da forma como ama, não é porque o sinta Pátria, mas porque o sinta amante. E a família é para ele só e exclusivamente cumplicidade Eu que me preocupe com as regras do não mentir, do cumprir tudo o que se promete, de não falhar com os amigos, de estudar, de ler, tomar banho todos os dias, tirar os cotovelos de cima da mesa às refeições. A relação dele com os filhos é só cumplicidade.
E foi, nesta dualidade entre a responsabilidade e a procura, que fui percorrendo a estrada que estava à minha espera, desde o princípio do sonho e da vida. Com altos e baixos, como costuma acontecer com as estradas. Mas também com muita coerência.
_ Se fui feliz? Se ser feliz é juntar todos os momentos de felicidade, então eu diria que sim; fui muito feliz. Fui feliz, até, quantas vezes, na própria dor, já que até para ser feliz é preciso ter vocação. Todos nós conhecemos pessoas que já nasceram com 200 anos de idade, incapazes de sonhar ou realizar coisas novas. Que se sentam a uma mesa na noite de Natal e começam: - "Será que o peru não vai fazer-me mal? E essa fafofa, não irá provocar-me azia?"
São todos aqueles que toma calmante na noite de núpcias, com medo de ter insônia. Não poderão ser felizes nunca, até porque lhes falta vocação.
A minha mãe é que estava certa:
_ Filho, agradece sempre a Deus o teres nascido. Ele foi tão bom para ti.
E foi.

Rodrigo Leal Rodrigues

( aquele que não canso de homenagear - Cecília)

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