Wednesday, October 05, 2011

Blue Valentine

Um belo filme

" Anti-Romance" para incomodar quem ama
Direção delicada, roteiro cruelmente realista e performances inspiradas unem-se para “desmascarar” o mais tradicional dos vínculos afetivos em uma história sobre o amor e como ele se dilui.


Darlano Didimo



História de amor é o tema preferido do cinema mundial, dando origem a inúmeras produções recentes que, em sua maioria, optam por satisfazer o espectador com um final feliz. E quem não gostaria de viver um romance como os de Hollywood? Encontrar a pessoa certa, ser correspondido, iniciar o relacionamento e sustentá-lo até o fim da vida de ambos (ou pelo menos durante um período que torne a experiência inesquecível) é o sonho de nove em cada dez pessoas. “Namorados Para Sempre” também tem essa fatia fantasiosa, mas faz questão de fazê-la desmoronar com uma segunda linha de tempo que coloca a dura realidade da vida a dois em evidência.

Estreia de Derek Cianfrance nos cinemas, o filme exibe a vida de Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), primeiramente um jovem casal que se conhece pelas artimanhas do destino. Ele é um ajudante de mudanças, enquanto ela estuda para cursar medicina. A paixão brota e os dois iniciam um bonito relacionamento, nem mesmo atrapalhado por um marcante descuido. Os anos passam e depois já os acompanhamos como marido e mulher. A chama do amor, porém, desapareceu e a separação do antes casal unido parece inevitável. O que teria acontecido nesse intervalo de tempo?

Cianfrance prefere não dá respostas. Cabe ao público, especialmente a quem já viveu esse tipo de experiência, preencher a lacuna e se identificar ou não com a história de vida de Cindy e Dean. Mas mesmo que ela não se encaixe no seu perfil, o diretor e roteirista (que nessa função reparte o trabalho com Cami Delavigne e Joey Curtis) faz ser doloroso acompanhar algo que se não tinha tudo para se tornar eterno, pelo menos jamais poderia ter um ponto final tão amargo. Desconstruindo a cultuada instituição casamento e indo contra a corrente do cinema norte-americano o qual representa, o cineasta nos presenteia com um filme que é uma mistura de sentimentos, mas que, acima de tudo, incomoda.

Incomoda por ser visceral, propositalmente destituído de idealizações e comprometido com a verdade que defende. A câmera sempre próxima ao rosto dos personagens revela o desgaste causado pela convivência diária, a dificuldade de criar uma filha e sustentar o lar ou de simplesmente concordarem sobre um assunto banal. Uma inexplicável competividade tomou o lugar do amor e ambos parecem mais felizes sozinhos. Nem mesmo o sexo os faz se entenderem. A passividade provoca o domínio do outro, como tem sido aparentemente com a quieta Cindy, enquanto a argumentação leva a confrontos físicos.

A imaturidade do rapaz continua. Se antes ela causava surpresas agradáveis ou apenas demonstrava a vontade dele de permanecer ao lado da garota, agora ela se tornou um empecilho para que continuem juntos. As bebedeiras revelam um Dean agressivo, sem tolerâncias, sem capacidade de encontrar um emprego. Cianfrance, enfim, o culpa pelo fim do casamento, justificando muito bem a opção ao construir personagens que sem mantém distante de vilões e mocinhos. Eles são complexos e dramáticos, vivem em casa simples e não têm luxos. Podem até ser bonitos, mas o charme ficou pra trás.

Ficou na época em que se conheceram. E o charme nessa linha de tempo do longa não está apenas no casal, mas também na direção de Derek Cianfrance. Delicado como poucos, ele sabe como desenvolver o nascimento de uma paixão, orquestrando cenas que, mesmo com um alto grau de naturalismo, exalam magia, utilizando-se com sabedoria da tocante trilha sonora de Grizzly Bear ou dispensando-a quando o som é feito pelos próprios protagonistas, como na sequência em que Cindy dança enquanto Dean toca ou, na melhor de todas elas, quando os dois escutam música na cama.

O resultado final de “Namorados Para Sempre”, no entanto, não seria o mesmo se não fosse Michelle Williams e Ryan Gosling. A química é visível entre os dois, assim como cessa quando necessário. O desempenho individual merece ainda mais destaque. Gosling surge autêntico e carismático, para depois interpretar um Dean trágico e irresponsável, que não mais leva rosas e sim a um motel de extremo mau gosto. Já Williams mostra porque é uma das melhores atrizes em atividade, justificando sua indicação ao Oscar por meio de uma personagem que encanta sem fazer esforço e que dá dó apenas de olharmos para o seu rosto expressivo.

Mesmo com a lembrança de Williams na temporada de premiações, o filme merecia mais reconhecimento. Mas nem todo mundo sabe lidar com a dor da realidade, com o fato de que o casamento pode não ser a etapa mais bonita de uma vida. Derek Cianfrance defende sua polêmica visão de mundo da forma mais doída possível, felizmente, revelando-se um cineasta que merece ser acompanhado de perto pelos cinéfilos.

P.S.: Não se deixe enganar pelo título brasileiro do filme. “Namorados Para Sempre” é o medíocre nome encontrado pela Paris Filmes para enganar o espectador que busca um romance comum. O título original, “Blue Valentine”, que significa algo como “namorado triste”, é bem mais apropriado.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.

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