Monday, March 05, 2012

" Retrato de Adele"

Boa notícia para quem se encantou com o livro "A Lebre com Olhos de Âmbar", de Edmund de Waal, publicado há alguns meses no Brasil. Saiu nos Estados Unidos "The Lady in Gold" ("A Mulher Dourada - A história extraordinária da obra-prima de Gustav Klimt, o retrato de Adele Bloch-Bauer"), da jornalista Anne Marie O''Connor. O e-book sai por US$ 15,99.

A partir do destino de uma coleção de 264 pequenas esculturas japonesas, De Waal contou a história de sua família, a dos banqueiros judeus Ephrussi. Elas foram reunidas em Paris, guardadas em Viena, voaram para Tóquio e estão em Londres. Os Ephrussi perderam tudo o que tinham no confisco nazista, quando a Áustria, em êxtase ariano, foi anexada pelo Reich. A pedido do arcebispo de Viena, os sinos da cidade repicaram, saudando as tropas alemãs.

"A lebre" evitou o tom de indignação diante do antissemitismo e do Holocausto.

É um livro da alma, sem fígado. Mostra os Ephrussi no esplendor de Paris e Viena e na desgraça europeia da guerra. Contando a história do retrato de Adele Bloch-Bauer, O''Connor tomou o caminho oposto. Pisou firme na denúncia do antissemitismo que matou 65 mil judeus austríacos. Expôs os governos do pós-guerra, numa briga que só acabou em 2006.

Adele era mulher de um barão do açúcar, e Klimt pintou-a três vezes. Provavelmente namoraram. Um dos retratos, de 1907, com um fundo dourado em delírio bizantino, é uma das maiores obras de arte do século XX. Como os Ephrussi, os Bloch-Bauer foram depenados. O retrato, rebatizado como "Mulher em dourado", foi para um museu austríaco. Quando a guerra terminou, o novo governo desestimulou as reparações individuais das famílias de judeus espoliados e criou um sistema de devolução de obras de arte que apenas dissimulava a extorsão.

Esqueceram-se de uma sobrinha de Adele que fugira para os Estados Unidos e tinha uma loja de roupas em Los Angeles. Ao contrário dos Ephrussi, que receberam ninharias, Maria Altmann resolveu brigar. Estimulada por um repórter austríaco, conseguiu a ajuda de um jovem advogado, neto do compositor Schoenberg. Enfrentou a burocracia cultural e diplomática da Áustria, que se recusava a devolver o retrato de Adele e outros quatro quadros roubados da casa de sua tia. Seu litígio parecia risível, até que o advogado bateu à porta da Corte Suprema dos Estados Unidos e teve reconhecido o seu direito. Em 2006, humilhado, o governo da Áustria aceitou uma arbitragem e devolveu as obras. O "Retrato de Adele" foi comprado por US$ 135 milhões e hoje está na Neue Gallery, na esquina da Rua 86 com a Quinta Avenida, a poucos quarteirões do museu Metropolitan. Os outros quatro quadros foram a leilão e não se sabe quem os arrematou. Um deles, um retrato de Adele pintado em 1912, nunca mais foi mostrado. Quando os austríacos lamentaram que os quadros deixassem o país, Maria Altmann foi à forra: "Eles ficaram lá 68 anos, poderiam comprá-los". Os cinco herdeiros de Adele receberam cerca de US$ 300 milhões, e US$ 96 milhões foram para o advogado Rudolf Schoenberg.

Adele morreu de meningite em 1925, sem deixar filhos. Seu marido acabou-se num quarto de hotel em 1945, na Suíça. O tio foi fuzilado pelos comunistas na Iugoslávia. A tia foi para o Canadá, e sua filha conheceu num jantar um jovem alemão que, aos 15 anos, fugira do Exército Vermelho, lavara pratos num hotel de Vancouver e conseguira um emprego como motorista de cargas. Era o príncipe Auersperg, de uma dinastia cuja linhagem remonta ao século XI. Casaram-se. Hoje a princesa é uma renomada cancerologista. Maria Altmann morreu no ano passado, aos 94 anos.

Para os admiradores da "Lebre com olhos de âmbar": o quadro de duas meninas, filhas do banqueiro francês Cahen d''Anvers, que Charles Ephrussi negociou com Renoir, está no Masp. Elisabeth, a menina do vestido azul, convertera-se ao catolicismo e vivia na França. Em 1944, foi colocada num trem com destino a Auschwitz. Morreu no caminho.

Cecília

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