Wednesday, July 11, 2012

Vizinhos


ANNA VERONICA MAUTNER



É melhor falar sobre a minha goiabeira que não deu flor do que arriscar o bem viver por uma fofoca

Parece que é "chique" a pessoa dizer que mora há anos num lugar e não conhece nenhum vizinho. Que triste, digo eu.

Há 50 anos, mudei de casa e minha filha era pequena. Minha mãe se deu ao trabalho de dar a volta no quarteirão batendo de porta em porta para ver se tinha criança da idade da Gabi. Eu que não ia viver em um lugar onde minha filha ficasse isolada...

Na minha infância, o muro entre as casas não afastava, era um ponto de encontro. A calçada da frente era para brincar de amarelinha, jogar pedrinha e trocar novidades.

Relações de vizinhança eram alimento da vida. Ninguém tinha medo de ser invadido, o código de conduta era interiorizado por todos.

Conversar era conversar, mas assunto algum invadia o horário das refeições. Isso não era dito, era da natureza das relações, que precisavam ser protegidas, pois vizinhos eram vizinhos por muito tempo. Não tinha isso de ficar mudando de casa. A vizinhança era uma grande família.

Na década de 50, quando apareceu em nossa vida o aparelho de TV, algumas coisas começaram a mudar. Surgiu o televizinho, que também não aparecia em horário de refeição. O horário da família era sagrado. Logo a TV conseguiu vaga na vida de quase todos, tirando das calçadas as crianças e os adultos que papeavam nas portas.

Daí a se orgulhar de não conhecer ninguém é quase um salto para um vazio afetivo.

Receitas, conselhos e palpites atravessavam as fronteiras das casas, antigamente. Conheciam-se as fraquezas dos filhos, a infidelidade de maridos... Mas esses assuntos não eram verbalizados.

A intimidade era respeitada, pois, quando isso não acontece, as relações se ressentem. É sempre melhor falar sobre a minha goiabeira que ainda não deu flor quando a sua já deu do que arriscar o bem viver por uma fofoca.

Esse código de conduta vinha testado e era levado a sério. As relações de vizinhança mantinham-se por vidas. Pouco se perguntava, quase nada se palpitava e o que se percebia ficava com a gente: não era falado nem na frente nem pelas costas.

Hoje, isso virou fumaça.

Relações entre vizinhos são efêmeras como os endereços, neste mundo onde predomina a mobilidade. Mudamos de bairro, de país, como se nada houvera. Se é bom, se é ruim, não sei. Tudo apenas está diferente.

Lembrar do passado não é obrigatoriamente querê-lo de volta. A memória nem sempre serve ao saudosismo. No caso da vizinhança, ela foi importante no tempo em que comunicações interpessoais tinham limites estreitos. Não havia internet, Skype ou telefone celular -o fixo era raro e caro. O telegrama era o último recurso para comunicar urgência e emergência.

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