Wednesday, December 24, 2008

O Presépio

A contemplação de uma criancinha amansa o universo. O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança
MENINO, LÁ EM MINAS , eu tinha inveja dos católicos. Eu era protestante sem saber o que fosse isso. Sabia que, pelo Natal, a gente armava árvores com flocos de algodão imitando neve que não sabíamos o que fosse. Já os católicos faziam presépios.Os pinheiros eram bonitos, mas não me comoviam como o presépio: uma estrela no céu, uma cabaninha na terra coberta de sapé, Maria, José, os pastores, ovelhas, vacas, burros, misturados com reis e anjos numa mansa tranqüilidade, os campos iluminados com a glória de Deus, milhares de vaga-lumes acendendo e apagando suas luzes, tudo por causa de uma criancinha. A contemplação de uma criancinha amansa o universo. O Natal anuncia que o universo é o berço de uma criança.Até os católicos mais humildes faziam um presépio. As despidas salas de visita se transformavam em lugares sagrados. As casas ficavam abertas para quem quisesse se juntar aos reis, pastores e bichos. E nós, meninos, pés descalços, peregrinávamos de casa em casa, para ver a mesma cena repetida e beijar a fita.Nós fazíamos os nossos próprios presépios. Os preparativos começavam bem antes do Natal. Enchíamos latas vazias de goiabada com areia, e nelas semeávamos alpiste ou arroz. Logo os brotos verdes começavam a aparecer. O cenário do nascimento do Menino Jesus tinha de ser verdejante.Sobre os brotos verdes espalhávamos bichinhos de celulóide. Naquele tempo ainda não havia plástico. Tigres, leões, bois, vacas, macacos, elefantes, girafas. Sem saber, estávamos representando o sonho do profeta que anunciava o dia em que os leões haveriam de comer capim junto com os bois e as crianças haveriam de brincar com as serpentes venenosas. A estrebaria, nós mesmos a fazíamos com bambus. E as figuras que faltavam, nós as completávamos artesanalmente com bonequinhos de argila.Tinha também de haver um laguinho onde nadavam patos e cisnes, que se fazia com um pedaço de espelho quebrado. Não importava que os patos fossem maiores que os elefantes. No mundo mágico tudo é possível. Era uma cena "naif". Um presépio verdadeiro tem de ser infantil.E as figuras mais desproporcionais nessa cena tranqüila éramos nós mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos gostaríamos de estar dentro da cena. (Não é possível estar dentro da árvore!).Éramos adoradores do Menino, juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores.Será que essa estória aconteceu de verdade? Foi daquele jeito descrito pelas escrituras sagradas? As crianças sabem que isso é irrelevante. Elas ouvem a estória e a estória acontece de novo. Não querem explicações. Não querem interpretações. A beleza da estória lhes basta. O belo é verdadeiro. Os teólogos que fiquem longe do presépio. Suas interpretações complicam o mundo.O presépio nos faz querer "voltar para lá, para esse lugar onde as coisas são sempre assim, banhadas por uma luz antiquíssima e ao mesmo tempo acabada de nascer. Nós também somos de lá. Estamos encantados. Adivinhamos que somos de um outro mundo." (Octávio Paz )Seria tão bom se os pais contassem essa estória para os seus filhos!

Rubem Alves

Thursday, December 18, 2008

O Rio

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refletí-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.

Manuel Bandeira

Wednesday, December 17, 2008

Momento (sem retorno)

Encontro rápido,
há muito esperado.
Depois, sensação de desperdício:
impressão de momento não plenamente vivido,
sentidos adormecidos.
Fica: lembrança pálida do acontecido
e o desejo impossível de vivê-lo novamente...


Cecília

Friday, December 05, 2008

Independente de mim

Independente de mim
o vento sopra
balança as folhas nas árvores
o céu se enche de nuvens
o sol, desviando delas,
projeta sua luz nas janelas
os pássaros voam
as pessoas andam apressadas pela rua...
Independente de mim,
a Terra se move
a natureza segue o seu curso...
O mundo é mundo,
quer eu adoeça, me entristeça,
quer amanheça alegre e disposta,
quer meu humor mude,
me sinta assustada ou segura,
ou apenas carente,
ou ainda contente com alguma pequena vitória
(talvez ilusória)
Dentro de mim a certeza da minha fragilidade,
impermanência e desamparo...

Cecília

04-12-08

Wednesday, December 03, 2008

A FESTA

A casa
Ontem enfeitei minha casa,
tirei os talheres de prata,
usei as melhores toalhas,
copos, taças, porta-retratos.
Cuidei de cada detalhe,
da sala até o jardim.

Eu
Vesti um vestido preto
pra combinar com os cabelos,
perfumei meu corpo inteiro,
passei um batom carmim.
Costas nuas, salto alto,
para dar aquele toque
e te orgulhares de mim.

O desenrolar
Desci alegre e faceira,
ri, brinquei a noite inteira,
pois tudo corria perfeito,
das canções de George Gershwin,
ao buquê de rosas vermelhas,
que comprara pensando em ti.
Sabia que tu não vinhas,
que cumprias outro destino,
não o de estar ao meu lado.
Mas dei conta do recado,
mantive a paixão bem guardada,
ela que tudo inspirara,
da roupa à decoração
E festejei, e brinquei, e dancei,
até cair de exaustão...

Cecília

Monday, November 24, 2008

Para isso temos que viver tanto
Para sermos mais despojados e magnânimos
Para descomplicar a vida
Para compreendermos os semelhantes
Para amar os animais
Para curtir com mais intensidade a natureza
Para melhor nos conhecermos
Para nos sentir plenos
Para aceitar mudanças
(fora e dentro de nós mesmos)
Para termos o nosso canto
(questão de merecimento)
Para sermos dignos
- sendo ou não a Deus tementes
Para aceitar a vida
ou até amá-la,
sem nos arrependermos de tê-la transmitido
aos nossos descendentes...

Cecília

23-11-08

Thursday, November 20, 2008

Abençoado dia de sol
Pássaros que vejo da minha janela
ruidosos e alegres a passear no céu
(até eles me parecem mais leves e soltos, nesse dia)
Nuvens ausentes, tendo levado meus dissabores,
sombras que povoam a minha vida...
Verde das árvores ainda mais verde
(nada de cores esmaecidas)
Impossível não se alegrar, não ter esperança,
festejar tudo de bom que tenha acontecido.
Manhã tão linda, a quem agradeço esse presente?
A Deus, à vida ?...

Cecília
20-11-08

Monday, November 17, 2008

Amor

"O que será: este labirinto de perguntas e resposta alguma, este insistente rugir de pássaros, este abrir as jaulas, soltar o bicho novelo que há em nós, delicado/feroz morder (deixa sangrar) o outro bicho (deixa, deixa) e toda esta parafernália a parecer truque enquanto obsidiante você mente embora acreditando nas mentiras e eu use os piores estratagemas para cobrir-me a retirada desse vicioso campo de batalha."

Olga Savary

Nuvens

Não há uma só coisa que não seja
nuvem. Assim são essas catedrais
de vasta pedra e bíblicos cristais
que o tempo alisa. A Odisséia, veja,
muda como o mar; há algo distinto
a cada vez que a abrimos. Seu velho
rosto já é outro, visto no espelho,
e o dia é um duvidoso labirinto.
Somos os que se vão. A volumosa
nuvem que se desmancha no poente
é a nossa imagem. Incessantemente
a rosa se converte em outra rosa.
Você é nuvem, mar, esquecimento.
E é o que perdeu a cada momento.


Jorge Luis Borges

Friday, November 14, 2008

Somos sedentos de amor
O desejo, mesmo imperceptível,
não se extingue
Se refugia nos sonhos...
Neles amamos
Somos amados
Desejados
Quase tudo é possível,
quase tudo acontece
Mas um pouco de nossa censura
interfere
e a realização dos desejos
nunca é completa.
Se quero este ou aquele
é o sonho que revela.
E o que nele não viver
vira pó e o vento leva...

Cecília

14-11-08

Wednesday, October 22, 2008

O Amor é triste

Sim, poeta, o amor é triste, eu também sei...
Se o vivemos com intensidade, doçura, plenamente,
entre belos sentimentos se insinuam dúvida
- difícil viver felicidade – e temor de perda:
melhor se resguardar que tudo passa...

Sim, o Amor é triste...
Às vezes amamos tanto e nem sabemos,
Tão ocupados estamos,
Ou desligados de nossos próprios sentimentos.
Temos Amor, mas não o vivemos

É triste o amor...
Nele cremos, por ele ansiamos
E no entanto sempre nos parece,
que só aos outros acontece, como um prêmio...
Temos o sonho de amar, mas não vivência...

E coincidência no amor ... por que tão rara?
Dá para entender a dor quando ele acaba.
E acaba... pois nada é permanente
E então não somos mais
do que meros, cabisbaixos, sobreviventes...

Cecília

homenagem a Carlos Drummond de Andrade

Tuesday, October 21, 2008

Nuvens

Nuvens no céu
e em meu coração projetadas
Do céu não posso tirá-las
Mas de mim... Será que falta vontade?
Se removo a cortina o que acho?
Por certo uma luz ainda brilha,
é questão de captá-la
e fazê-la atravessar
nuvens chuvas tempestades
até se alojar nos olhos
e depois em outros olhos
daquele a quem chamo ‘amado”...

Enquanto divago
vão-se as nuvens e o céu agora está claro...

Cecília
19-10-08

Monday, October 20, 2008

Consciente Escolha

Reatamos
“Nada foi cortado”, você diria.
Básico
Mas sei que emendamos, refizemos, trabalho árduo...
Recompensa: o sono dos justos, a tranqüilidade
Amor, amizade?
Pouco importa, retomamos a caminhada
e muito bem acompanhados:
filhos, netos, genro, nora, amigos
Segue: trabalho, poesias, cinemas, teatros, companhia;
renovamos a casa, os votos, consciente escolha.
E seguimos juntos, não sem algum esforço,
Transformando irritação em atitude doce,
removendo espinhos e cultivando flores...

Cecília

Belo Belo II

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.

Manuel Bandeira

Friday, October 17, 2008

Amando (Canto da Lua)

Não sei viver o amor de forma tranqüila
Me inquietam as ausências, os silêncios, as partidas...
Até os encontros em meio a sobressaltos são vividos:
O susto de amar, de deixar de amar
De ser só fruto de uma fantasia
Ou apenas um momento dentro de uma vida...

O coração vai à boca
e só na solidão me acalmo
e me abandono a este prazer
(o prazer de amar ) que é infinito...
“Canto da Lua ”
É lá que me refugio...

Cecília

Saturday, October 04, 2008

Que é a poesia?

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Eis a diferença entre o poema e demais entes: não olvida a natureza líquida de todas as coisas
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PARA DIZER o que penso ser a poesia, recorro, em primeiro lugar, ao poema "O Rio", de Manuel Bandeira: "Ser como o rio que deflui/ Silencioso dentro da noite./ Não temer as trevas da noite./ Se há estrelas nos céus, refleti-las./ E se os céus se pejam de nuvens,/ Como o rio as nuvens são água,/ Refleti-las também sem mágoa/ Nas profundidades tranqüilas". Desde o título, "O Rio", torna-se inevitável pensar no famoso rio do filósofo grego Heráclito, em que não é possível pisar duas vezes. O primeiro verso reforça essa impressão: "Ser como o rio"... Mas a sentença de Heráclito -aparte certas interpretações recherchées- enfatiza o mobilismo universal, o fato de que coisa nenhuma jamais permanece a mesma. O rio de Bandeira, ao contrário, é em primeiro lugar a própria imagem da constância e até de um certo estoicismo: "Ser como o rio que deflui/ Silencioso dentro da noite./ Não temer as trevas da noite".
O rio a defluir silenciosamente dentro da noite não teme as trevas da noite porque ele é também o rio da noite, isto é, a noite enquanto rio. O infinitivo aqui é implicitamente desiderativo: ele manifesta um desejo. Mas quem é que aqui deseja? Talvez se possa dizer que aquele que deseja é o poeta, ou talvez o "eu" lírico, o heterônimo, o personagem em que o poeta se transforma para escrever o poema; mas o infinitivo excede qualquer subjetividade, qualquer "eu". A rigor, não interessa quem deseja, mas apenas o próprio desejo, que se identifica com o ser. Feito um fenômeno da natureza, feito o próprio rio silencioso dentro da noite e feito a própria noite, o desejo, o ser, os versos do poema e o próprio poema estão lá, no infinitivo, silenciosos como o rio e como a noite. Fundem-se no poema o leitor, o poeta, a noite, o rio, as estrelas: "Se há estrelas nos céus, refleti-las./ E se os céus se pejam de nuvens,/ Como o rio as nuvens são água,/ Refleti-las também sem mágoa / Nas profundidades tranqüilas".
Se há estrelas nos céus, o poema as tem na superfície. Se há nuvens que o impedem de refletir as estrelas, aquelas são refletidas na profundidade do seu ser, pois as nuvens são feitas da mesma água que ele. Aqui é de Tales, o primeiro filósofo grego, para quem tudo vem da água e tudo volta para a água, mais do que de Heráclito, que me lembro.
E me lembro sobretudo do poeta Jorge Luis Borges, para quem, segundo o poema "Nuvens (I)", do qual faço a seguir uma tradução literal, recomendando, porém, veementemente ao leitor que não deixe de consultar o belíssimo original castelhano: "Não haverá uma só coisa que não seja/ uma nuvem. São nuvens as catedrais/ de vasta pedra e bíblicos cristais/ que o tempo aplanará. São nuvens a Odisséia/ que muda como o mar. Algo há distinto/ cada vez que a abrimos. O reflexo/ de tua cara já é outro no espelho/ e o dia é um duvidoso labirinto./ Somos os que se vão. A numerosa/ nuvem que se desfaz no poente/ é nossa imagem. Incessantemente/ a rosa se converte noutra rosa./ És nuvem, és mar, és olvido./ És também aquilo que perdeste".
As nuvens são as transformações da água originária, isto é, são todos os entes que o tempo aplanará. Também são nuvens os versos do poema de Homero. Há entretanto uma diferença: os entes em geral perderam a memória de sua origem aquática e se esqueceram de que são nuvens. A "Odisséia", porém -o poema por excelência-, muda como o mar. Algo há distinto cada vez que a abrimos. Eis a diferença entre o poema e os demais entes: o poema jamais olvida, no fluxo de sua superfície significante, morfológica, sintática, melódica, rítmica e de suas submersas correntes semânticas, a natureza líquida de todas as coisas e, principalmente, de si próprio.
Lembro que outro dos primeiros filósofos gregos, Anaximandro, dizia que todos os entes determinados provêm do indeterminado (que ele chamava "ápeiron") e têm como causa o indeterminado -que podemos entender como o movimento, a mudança, a vida, o tempo- do qual provêm. Em cada um deles, porém, o indeterminado se transformou em algum ente determinado. Também o poema é um ente determinado, mas um ente determinado que, refletindo o seu oposto, porta em si a marca d'água do movimento originário. Não apenas, cada vez que o lemos, ele se torna diferente do que era na leitura anterior, mas se torna diferente de si próprio no exato instante em que o estamos a ler. Chamo "poesia" essa propriedade do poema.


Antonio Cicero

Saturday, September 27, 2008

Curtas

As palavras fogem
assustadas com o encargo de traduzir
a complexidade do que vai na alma...

No sonho, a transparência
que a realidade obstrui, veda
Muda o olhar, o desejo é contido
E tudo continua igual
como se nada tivesse acontecido...

Afinidade, consonância, harmonia
Palavras que definem o que sentimos.
Hoje, sua dor, sendo a minha,
só um ansiado abraço aliviaria...

Abraço que traduz muito mais que um beijo:
encontro, apreço, apoio, apego, aconchego...

Como num jogo, dançam as palavras se escolhendo
se juntando
...ou se dispersando, repelindo,
movidas pela harmonia, significado ou rima...

Você:
Escolha da alma, sem qualquer interferência
Resvalando num sonho, inconseqüente...

Cecília

Thursday, September 25, 2008

Andréa, Dedé para todos

Vinte e sete anos eu tinha.

Hoje em dia diriam: “É uma criança!”

Atualmente as meninas casam-se mais tarde mas naquele tempo, há 40 anos, casávamos cedo e logo pensávamos em filhos. E foi assim que eu fiz...

Aos 26 anos eu já tinha 2 filhas: a Patrícia com 2 anos e meio e a Daniela com 9 meses.

As duas lindas, espertas e inteligentes alegravam e ocupavam os meus dias.

Em agosto ou setembro de 1975 veio mais uma surpresa: outra gravidez.

Que alegria! Apesar de não programada...

A gestação correu maravilhosamente bem, sem problemas, assim como foram as anteriores. Sem os modernos aparelhos de ultrassonografia não se percebeu que eram 2 bebês o que só foi visto 15 dias antes do parto.

Alegria dobrada, saímos à correria para comprar outro enxoval, outro berço, outro tudo.

10 de maio de 1976 nasceram Persinho e Andrea, duas lindas crianças que viriam completar meu time de quatro filhos, sempre desejado.

Os dias se passavam e era inevitável a comparação entre os gêmeos e as infinitas perguntas sem resposta.

“- Por que o Persinho sustenta a cabecinha e Dedé ainda não?”

“- Por que um já sabe sentar-se o outro não?”

E por aí sucederam-se milhões de dúvidas...

Um dia perguntei ao médico dela o que seria da minha filha no futuro. A resposta foi imediata: “- Eu não sei o que vai ser dos meus filhos, como saber da sua?”

Bem, não adianta ficar perguntando. Sempre fui uma pessoa ativa, decidida e disposta a enfrentar qualquer batalha e aí vinha uma daquelas...

Meus dias alternavam-se entre buscar um diagnóstico e independente de tê-lo, fazer terapias.

Com a ajuda da Andrea, sempre disposta, fomos caminhando pelas diversas formas de atividades: fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, natação, reorganização neurológica, equoterapia, enfim, tudo o que nos era sugerido.

Dedé começou a andar com 3 anos e aos 4, entrou na primeira escola (sempre optei por escolas especializadas). Mesmo antes de aprender a falar, o que aconteceu aos 5 anos, as professoras iam ensinando-lhe as letras e números. Assim, bem lentamente, ela foi aprendendo a construir frases na fala e na escrita, simultâneamente.

Quando eu percebia que o assunto estava esgotado numa escola, mudava para outra. Rotina não podia existir na vida de Dedé. Tudo tinha de ser mudado periodicamente para haver motivação. Eu percebia que a cada mudança acontecia um salto na evolução da minha pequena.

De escola em escola, acabamos conhecendo o PTI que foi o grande salto na vida dela. Aqui ela amadureceu, encontrou amigos que a compreendem, namorados e professores que lhe dão carinho, atenção e a orientam para uma vida profissional, já que esse era um grande sonho pois a colocava em pé de igualdade com os irmãos já bem sucedidos profissionalmente.

Com a persistência da Carmen Lydia em incluir os alunos do PTI na lei 8.213, “Lei de Cotas” e no projeto “SOMAR”, a Andrea acabou sendo uma das escolhidas para fazer entrevista no Citibank.

Toda arrumadinha, lá foi ela como uma verdadeira executiva, fazer testes e mais testes. Para a alegria dela, da família e dos professores, ela foi aprovada e desde dezembro de 2007 é uma respeitada e competente funcionária do Citibank.

Mas a busca pelo diagnóstico continuou e numa segunda feira, dia 18 de agosto de 200 graças ao avanço da tecnologia e às pesquisas do Instituto de Genética da USP conseguimos o que tanto queríamos: “a Andrea é portadora de uma síndrome chamada MONOSSOMIA 1P36”. É um acidente genético, que só foi identificado pelos cientistas em 1999 ou começo de 2000. O caso dela é bem leve e ao estudarmos a síndrome, percebemos que tudo o que deveria ter sido feito na infância, juventude e adolescência, foi exatamente o que fizemos. Para o futuro, também nada mudará.

Hoje, com 32 anos, Dedé superou todos os seus limites e desafios. É feliz e realizada. E eu, como mãe, mais ainda...

Selma Deluca
As lágrimas desceram lavando a alma
precisada de faxina
Agora que a solidão faça a sua parte

Amor:
Quantas vezes empreguei essa palavra em vão?

Parto
Se pudesse para sempre em direção às coisas que vivi e amei

Meu passado só existe em minha memória
Fatos compartilhados têm diferentes visões, versões e envolvimentos
Portanto :
Meu passado só a mim pertence

Ninguém roubou os meus sonhos
Eu mesma os abortei


Uma porta se fechou bem à minha frente
Ocultando tudo o que na vida vale a pena...


Hoje não me importa o isolamento
Bastam-me um teclado, uma tela, meus poemas...

Sua presença me machuca, me inquieta
Deixe-me sozinha com os meus pensamentos...

Declaração: cada vez te amo mais, minha irmã.
Enquanto tivermos uma à outra,
jamais estaremos completamente sozinhas...

Posso abrir mão de tudo
Menos da minha dose homeopática de ginástica, alegria
... e poesia


Cecília

Pássaro sem asas

Noites escuras,
fundas, fundas,
profundas.

A escuridão tem o encanto
de aproximar ruídos longínquos
e aumentar os pequenos.

Choveu,
me encharco.

Minha memória
recua, recua
até encontrar minha alma de menino.
( A escuridão
se presta para isso.)

Sou um pássaro sem asas
e não caio
porque me seguro no ar.

Humberto Ak'abal

Saturday, September 13, 2008

A jangada

Te vejo
Linda, simples, vela estirada pelo vento,
exibindo singelo desenho: mulher em vermelho.
É teu descanso e na praia permaneces.
Cheiras a mar, madeira, suor dos homens que te manejam.
Te abres para mim e me surpreendo com o exíguo espaço
em que descansam teus marinheiros:
tosco, suficiente apenas para um sono rápido
antes da volta ao trabalho, a busca pelo peixe
-de vigília fica sempre um jangadeiro
a zelar pelo sono dos companheiros.
Descansam confiantes,
pois já leram o céu, as nuvens e as estrelas.
Depois é revezar, voltar a pescar,
reparar, remendar, trabalho árduo, solidário,
protegido pela reza das namoradas ou companheiras.
Sei que quando chegam e os peixes descarregam
agradecem a Deus a sobrevivência,
a boa pesca, e o seu quinhão nas vendas,
pois a jangada, com amor guiada mar adentro
quase sempre não lhes pertence...

Fim de tarde,
Vela com destreza enrolada,
Mãos rudes, pele maltratada
Não sei o que mais me toca
Se o pescador ou a jangada...

Cecília

Friday, September 12, 2008

Promessa

Leves, alegres, hoje atraímos o belo,
o luminoso, o que dá sentido à vida.
Sorrimos e, como reflexo,
rostos à nossa volta estampam
sorrisos de simpatia, compreensão e afeto.
O coração, mais enternecido,
se desdobra então em sentimentos puros;
e se não dá para de imediato endireitar o mundo,
que amostra, que promessa, nesta manhã de sol,
em que lépidos e leves estamos juntos...

Cecília

Thursday, September 04, 2008

Movimento

Ando para a frente,
para os lados,
para dentro
em direção ao meu centro.

Ando às vezes distraidamente;
outras, tão concentrada,
que nem sinto o passar do tempo.
E então me sinto espoliada...

Ando também em círculo,
para preservar meu espaço,
como animal, a vigiar sua caça...

Ando mesmo, quando penso estar parada.
O tempo passa, me arrasta,
e o espelho mostra um certo ar de cansaço,
pois estafante é a caminhada,
mesmo se tudo se mostra favorável.

Cansa o corpo, cansa a alma,
ainda mais, se houver intensidade.
Mas não param ( corpo e alma )
pois ali na frente,
parece estar sempre a Felicidade,
ou simplesmente,
uma nova e estimulante fase...


Para Dr. Luís e Eleonora

Cecilia

A empregada

A casa parecia pequena, mas enganava - o terreno era estreito, mas comprido - e ela se estendia quase até o muro dos fundos. Tínhamos escritório, sala de música, de jantar e três quartos, um dos quais não era ocupado, pois ficava um tanto isolado, depois da copa, banheiro e cozinha. Localizava-se num bairro privilegiado, rodeada de casas bonitas, perto de uma praça e do Ginásio. Alegrava-a um pequeno jardim e o céu sempre claro da cidade; também o movimento da família, as músicas ouvidas no rádio, o som do piano, as escalas. Além da família circulava pela casa uma empregada, ajudando minha mãe, sempre atarefada. Meu irmão pequeno, o Fábio, ainda dava muito trabalho.
Tinha eu naquela época cerca de dez anos e minha irmã mais velha doze e começávamos a perceber as diferenças de classe. Os adultos trabalhavam, nós crianças estudávamos, mas parece que tínhamos retorno: futuro, bens, conforto, o que não era o caso das empregadas. Lembro que mamãe era exigente, as substituía com freqüência e assim elas iam passando. Com o tempo, rostos e identidades apagados.
Assim foi com uma delas, que se empregou, pedindo para ocupar o quarto dos fundos, pois sua família residia num sítio distante da cidade. Como era jovem e tinha namorado, lhe foi permitido sair à noite, mediante a condição de ser silenciosa e não voltar muito tarde (meu irmão tinha sono leve, e qualquer ruído o acordava). Ela respeitou o trato.Mesmo assim, todas as noites eu e minha irmã Helina ouvíamos os seus passos no corredor externo e o girar da chave.
Uma manhã, bem cedinho, fui até seu quarto - não me lembro o motivo: só sei que todos ainda dormiam - e deparei com uma cena inesquecível, que muito me perturbou: na cama bem junto dela, aconchegada, havia uma criança, provavelmente da idade do meu irmão pequeno. Pega de surpresa, a moça me olhou com olhos assustados, mas não disse e não me pediu nada. Eu também nada falei e saí rápido, fugindo do constrangimento e sentindo muita pena. Apesar da pouca idade, compreendi instantaneamente suas saídas e o que aquela criança significava.
Naquela época havia muito preconceito em relação às mães-solteiras e às empregadas - seus defeitos eram o assunto predileto das comadres.
Guardei segredo do que vira, pensando na criança e na mãe que ternamente a abraçava, na minha própria mãe e no Fábio. Sentia que a ninguém traía, afinal havia em casa aquele quarto desocupado.
Hoje vejo que em meu longo silêncio, quase até os dias de hoje, havia não somente pena, mas também pudor: não queria mostrar generosidade à custa da coitada...

Cecilia

Thursday, August 21, 2008

Levando...

Há um quê de tristeza no meu canto,
na minha solitária dança.

Há um quê de espanto ante este imutável
cotidiano.

Parece que da última vez, já se passaram anos.

De você, esperava tanto...
Troca, aceitação, confiança.

Como nos escravizamos,
ou nos deixamos escravizar.
E mais fundo mergulhamos
até a luz do sol não mais enxergar.
E assim a sagrada vida atravessamos,
sem sustos, desafios, e sem mudanças,
pois acima de tudo respeitamos:
os outros, nós mesmos, nossos limites.
Até nos enganamos, nos convencendo
de que há outra chance: outra vida,
novo par, uma outra dança...

Cecília

Wednesday, August 13, 2008

Não merecemos nos intitular artistas:
ignoramos o valor daquele brilho em nosso espírito
Não merecemos nos considerar poetas:
nossos versos têm quimeras, não têm entrega.
Somos tão cheios de reservas...
Somos falsos poetas.
Não buscamos plenitude, completude
Passamos incólumes por este deserto
Ignoramos sede e fome:
de viver - sabes o que eu quero dizer.
E vivemos tão bem aqui, plantados no chão.
E que se dane a paixão...

Cecília

De flores e bonecas de louça...

Meu piano está mudo,
também não escuto a voz do meu coração.
Ignoro meu lado sensual e mouro,
sou só boneca de louça vazia de desejo e emoção.

Triste, procuro para mim uma outra imagem
e sou agora flor única, rosa solitária,
só em outra árvore encontrando a alma irmã.
De resto, sou admirada por meu tom suave,
não me foi dado o vermelho intenso da paixão.
Tento por você manter o frescor, a luminosidade,
ainda que só para preencher um sonho, uma idealização...


Cecília

Tudo

Tudo
Palavra - veludo
Que intriga
Assusta
Despe meu pensamento
Sugere caminhos
Tomada de consciência
Tudo
Que vence,
engana censura
Auto-censura
Amor maduro


Tudo
Agora tão transparente
Busca de transcendência
Envolvimento
Pleno....

Cecília

Liberdade

O poema é
A liberdade


Um poema não se programa
porém a disciplina
- sílaba por sílaba-
o acompanha


Sílaba por sílaba
O poema emerge
- Como se os deuses o dessem
O fazemos

Sophia de Mello Breyner Andresen

Saturday, August 09, 2008

Não fomos amantes
Não nos perdemos em beijos e abraços apaixonados.
Não nos sentimos fragmentados se distantes.

Não fomos amigos
Faltou cumplicidade, apoio, carinho,
quando pedras interceptaram nosso caminho.

Não fomos companheiros
Não desfrutamos juntos de uma hora inteira.

O que fomos senão necessária fantasia
matéria para a criação de um quadro ou de uma poesia.

Alma sem rosto, que a memória apaga,
tão rápida a passagem, vazia de significado.
Só uma valsa em sonho juntos dançada.

Cecília

Friday, August 08, 2008

O círculo em torno de mim se fecha,
mas não deixo que a angústia me alcance.
Abro para a vida uma outra janela,
para que entrem a luz, a alegria e a esperança.

Entra também o amor de contrabando,
no coração e na alma se instalando.
Bendita hora em que abri aquela fresta,
com a tristeza e a escuridão não me conformando.

Rompido o cerco, vejo preservada minha chama,
no meu e em seu amor se alimentando.
Então rio, brinco, canto, danço,
abro caminhos, sou novamente alegre viajante.

Cecília

Tuesday, August 05, 2008

Quero com você subir e descer as ladeiras da minha cidade,
sentar ao seu lado naquele banco, na praça.
Passar pelo colégio, pelo cinema, pela farmácia.
Resgatar aquela alegria juvenil,
aquele amor nascente, adolescente,
não entendido, talvez até invejado.
Rever paisagens, tantas vezes congeladas em quadros,
de um pintor pela vida apaixonado.
Descobrir o lugar, onde você morava,
imaginar seus primeiros desenhos, seu quarto,
e aquela escultura no clube, que nem conheço,
e da qual tanto me orgulho.
E admitir que me importo,
que lhe abro minha porta,
que o guardo na memória,
mais que isso, na alma, agora...

Cecília

Procura-se

Alegria perdida,
motivação para a vida,
brilho, que em meus olhos vivia,
sorrisos, risos, sorrisos.

Chama que na alma ardia,
desejos, que nada escondia,
que nas faces coradas se via,
no andar, no dançar,
no ato de escrever poesias.

De que se nutria a alegria?
Talvez só de fantasia;
de qualquer forma existia,
e tantas montanhas movia...

Cecília Quadros

Monday, August 04, 2008

Homenagem ao amigo

Rua Dona Carolina, 88


Vi passar todos os circos do mundo
pela minha janela.
Do outro lado do rio, eles vomitavam pregões
e exalavam músicas.
Naquele mundo de sonho e ilusão,
conheci também o vento, que carregava para outros
cantos, os sons que entravam pela minha janela.

Elvio Santiago ( EAS)

Sunday, August 03, 2008

Não deveria ficar nada...
Ilusão não mata
Nem faz tanto estrago
Nada que um gesto leve não afaste

Fantasias são breves...leves...
Chegam, afagam,
Inspiram às vezes versos
E partem

Outras vêm, burlam vigilância,
Cuidado.
Pegam a alma desavisada,
Entediada
E se instalam,
Dando uma falsa sensação
De perene felicidade.
Mas são volúveis, frágeis
E como nuvens se esvaem...

Não era para ter ficado.... nada...

Cecília

Saturday, August 02, 2008

"Rituais" de Paulo Bomfim e Dudu Santos

Exercício com ilustrações de Dudu Santos


1. Nudez: corpo e alma se mostram: você inteira

2. Movimento: graça instintiva, distraída, inconsciente...

3. O corpo fala e o pincel capta...

4. Contornos: tua beleza captada em rápidas pinceladas

5. Você, sugerida...adivinhada

6. Costas: linha perfeita, apoio para teus negros cabelos


7. Vento: te despenteia e me desmorona...

8. Pernas coxas nádegas... Deslumbrado, faço teu retrato...

9. Poucos traços e do nada surge a mulher dominando o universo do artista

10. Em você a casa, o abrigo, o mundo...

11. Na noite escura, destaca-se a brancura do teu corpo: neve, nuvem..

12. Jogas para trás os ombros e o movimento de teus cabelos me derruba: tombo

13. Assim de lado... meia paisagem me fascina, engole, traga

14. Mãos finas, femininas, de tua beleza só mais um item

15. Teu movimento me prende e juntos somos uma só emoção

16. Traço as linhas do teu corpo e o meu destino...

17. Mora a poesia no teu corpo alvo, saindo de total negrume




18. Preto e branco: obsessão, loucura.

19. Amazona, cavalgas o meu destino...

20. Te reverencio A quem o fazes?

21. Pés: fetiche, mais coxas... tudo...

22. De costas.. de frente... tema permanente...

23. Aberta para o amor e para a vida...

24. Teu corpo: meu pincel já te conhece. Corre sozinho...

25. Tua fragilidade captada. E o louco desejo de ampará-la...

26. Sentada: teu corpo à vista e o olhar adivinhado...

27. Tuas mãos... teus gestos...e meu olhar interrogativo...

28. Braços dobrados, dobrando meu coração

29. Nua... noite... minha...

30. Te insinuas, natural e nua na minha arte, na minha vida..

31. “Índia”... graça trocada entre amantes...

32. Curvas desenham teu corpo. Retos só teus cabelos negros

33. Plenitude

34. Assim pensando, encantas e embaralhas meus pensamentos...

35. Musa... te sei de cor. Rápido é o traço, independente, fácil...



36. Sensualidade: eis aqui o teu retrato...

37. Sombras se desfazem para tua passagem..

38. Recorrente o tema, a imagem se simplifica

39. Teu corpo fala de promessas e alegrias...

40. Ressalto tua beleza em fundo escuro...

41. Bastam alguns traços e eis que surge a mais sonhada das paisagens...

42. Com um traço faço a sua boca, que fechada me intriga e guarda

43. Na intimidade, a vivência plena de um amor sem fim...

44. Em ti o resumo de todas as mulheres... de todos os amores...

45. O pincel acaricia a página, enquanto faz o caminho das tuas curvas.

46. Te refaço...te recrio... na tela te aprisiono...

47. Na tela teu corpo exposto. A alma?... privilégio de poucos.

48. Exercício, fixação... tua imagem em pastel, nanquim ou carvão...

49. Alguns traços revelam, outros escondem: puro jogo do inconsciente

50. Amor, não excluas meu olhar obsessivo, a poesia, o traço.

51. Você, sugerida... adivinhada...

Cecília

Vovó Olga dizia tudo isso e muito mais...

CARLOS HEITOR CONY

Verdades verdadeiras


RIO DE JANEIRO - Tristezas não pagam dívidas. Não adianta chorar sobre o leite derramado. Mais vale um pássaro na mão que dois voando. Diga-me com quem andas e te direi quem és. O homem é aquilo que come. A cavalo dado não se olha a boca. Um é pouco, dois é bom, três é demais. Quem pariu Mateus que o embale.Não se faz omelete sem quebrar ovos. Quem parte e reparte fica com a maior parte. Tudo como dantes no quartel de Abrantes. Vai-se o anel, mas ficam os dedos. De grão em grão a galinha enche o papo. Cão que ladra não morde. Devagar se vai ao longe. Apressado come cru. Deus ajuda a quem cedo madruga. Ri melhor quem ri por último.Quem dá esmola empresta a Deus. Águas passadas não movem moinho. Paris vale uma missa. Quem tem boca vai a Roma. Todos os caminhos levam a Roma. Roma não foi feita num dia. Os rios correm para o mar. Cavalo não sobe escada. Na terra de cegos quem tem um olho é rei. Mais vale um marido vivo do que um herói morto.Partir é morrer um pouco. Escreveu não leu, o pau comeu. Dinheiro não traz felicidade. Nada melhor do que um dia depois de outro, com uma noite no meio. Perdão foi feito pra gente pedir. Macaco, olha o teu rabo. Matou a cobra e mostrou o pau. Depois de velho, o diabo se fez monge. O peixe morre pela boca. Quem tudo quer tudo perde. Esperança é a última que morre.O inferno são os outros. Em boca fechada não entra mosquito. O bom cabrito não berra. Quem vai para a chuva é para se molhar. O bom filho à casa torna. De poeta e louco todos temos um pouco. Fiado só amanhã. Galinha velha dá bom caldo. Depois da tempestade vem a bonança. Depois da bonança vem a tempestade. Boa romaria faz quem em casa fica em paz. A mentira tem pernas curtas. Antes dos grampos, só as paredes tinham ouvidos.

Só não falava de grampos...

Cecília

Thursday, July 24, 2008

Levando...

Há um quê de tristeza no meu canto,
na minha solitária dança.

Há um quê de espanto ante este imutável
cotidiano.

Parece que da última vez já se passaram anos.

De você, esperava tanto...
Troca, aceitação, confiança.

Como nos escravizamos,
ou nos deixamos escravizar.
E mais fundo mergulhamos
até a luz do sol não mais enxergar.
E assim a sagrada vida atravessamos,
sem sustos, desafios, e sem mudanças,
pois acima de tudo respeitamos:
os outros, nós mesmos, nossos limites.
Até nos enganamos, nos convencendo
de que há outra chance: outra vida,
novo par, uma outra dança...

Cecília Quadros

Wednesday, July 23, 2008

Internauta

Quem sabe um dia,
a saudade seja maior que o medo,
a curiosidade que a conveniência,
a ternura aprisionada, maior que a grade...


Quem sabe uma certa inquietação advenha,
ou insatisfação pela história não terminada.
A condição era a palavra. Lembra?


Mas, quem sabe
seja eu agora quase nada...
Como tantas outras,
internauta esquecida numa página...

Cecília

Ameaça

E volta o sonho da onda que se forma,
se agiganta, quase me tragando...
E eu estática, pés pregados no chão.
Revivo o espanto acordada,
dominada por inesperada situação.
Angústia: tento primeiro a fuga,
para me render a uma crescente atração.
Então, deixo que a onda me alcance,
e como um manto me cubra.

Sobrevivo?
Não sei... luto.

Cecília

14-02-04

Divagando

O tempo me transforma
Não, sou agente.
Me transformo com o tempo:
conteúdo e aparência,
mais marcada.
Mais sábia?
Mais consciente, certamente
dos meus anseios,
do tempo que passa velozmente
das limitações
adequações
dos amores de toda vida, incondicionais,
absoluta entrega
e de outros
fugazes
arrasadores
marcos
e aí está:
estranha coincidência
agora um nome,
um suspiro.
Fuga
rápido retorno
e a justificativa (precisa?):
renascimento
necessária experiência
ou tão somente:
lampejo
raio
risco
em página
tantas vezes relida
(e jamais compreendida)
da minha história,
da minha vida...

Cecília

Saturday, July 12, 2008

Doutor Rodrigo

Rodrigo Leal Rodrigues
14/04/1926
24/12/2004


Tenho, para mim, que tudo começou naquele sábado de manhã, 21 de agosto de 1999. Era o dia em que eu iria almoçar em Ibiúna, que fica a uns 50 quilômetros de São Paulo, no sítio de um querido amigo, que fazia 81 anos. Acordei nessa manhã com uma tremenda falta de ar. Desmarquei o almoço e telefonei para o Manuel Lopes dos Santos que, além de ser um notável médico, é um dos meus grandes amigos. Como um irmão. Aguardou-me no Pronto Socorro do Hospital São Paulo. Ele fora, naqueles tempos, o primeiro reitor da Universidade Federal de São Paulo, a que pertence o Hospital. Após os primeiros exames, achou melhor que eu me internasse. Pedi ao Manuel que me levasse para o Hospital da Beneficência Portuguesa, do qual sou sócio.
O espetáculo de um Pronto Socorro de um grande Hospital não é coisa boa para ser lembrada. Os olhos, os ouvidos, todos os sentidos, irão guardar, para o resto da vida, essa lembrança de horror. Depois de muita dificuldade, e com a ajuda de um diretor amigo, consegui que me tirassem do Pronto Socorro. Entretanto, não ainda para o quarto a que tinha direito. Levaram-me para a UTI do professor Sérgio de Oliveira, um dos maiores nomes no mundo em cirurgia de coração. Sorte minha, pois foi exatamente naquele lugar que um violento e fulminante enfarte havia marcado encontro comigo. Parecia ter ficado morto por quase cinco minutos, quando ouvi uma voz distante:
- “Ele está voltando!”
-“ Segura ele!”, dizia outra voz.
Iria ser posto, mais tarde, a par da realidade da minha situação: soube que o enfarte havia necrosado 57% do meu coração e que eu teria que aguardar na UTI, até ter condições de ser operado. Foram praticamente dois meses de espera, quando o professor Sérgio de Oliveira “embrulhou” o que restava do meu coração com várias pontes de safena.
Conta-se que a convalescença duma operação de coração é muito difícil. Há uma imensa depressão e até crises de choro. Meu filho leu em algum lugar que, na Alemanha, os médicos recomendavam a companhia de um cão, que transmitisse ao paciente a sua energia vital. Foi por isso que o “Senhor” Joe Black entrou na minha vida. Um cão labrador, com dois meses de idade, e que, desde então, tem sido o companheiro de todos os instantes. Chega a dormir na minha cama, deitado com a cabeçorra em cima de minhas pernas. No escritório, fica deitado ao meu lado, olhando para mim feito gente. Incorporou-se à família. Talvez deva a ele o fato de nunca ter entrado em depressão, nem haver chorado.
Uns meses antes do ataque do coração, acordei numa manhã com um imenso volume na área genital. Corri para o Hospital, onde disse-me o médico José Carlos Campos Velho:
- “Coisinha à toa, sem importância. Um pelo encravado, coisa e tal.”
Receitou-me um antibiótico e eu voltei para casa com aquele imenso incômodo no meio das pernas. Já passava da meia-noite, quando tocou o telefone:
- “É o Dr. Campos Velho! Vá já para o Hospital, porque o que você tem é a chamada Síndrome de Fournier.”.
Como jamais ouvira falar de tal doença, só fui ao Hospital no dia seguinte. Estava lá um outro médico, infectologista, o Dr. Barata. Sisudo e solene demais para meu gosto.
- “Se é caso de antibiótico, posso tomar em casa”, disse-lhe.
Respondeu-me o Dr. Barata, com aquela cara triste que Deus lhe deu:
- “Já terá muita sorte se não sair do quarto para o velório da Beneficência”.
Foi quando me explicaram o que era a doença de Fournier: uma infecção altamente letal e perigosa que, se não for atacada a tempo, significa septicemia, gangrena e morte. Mais que depressa, corri para o quarto, antibiótico na veia, tirando sangue para análise de 02 em 02 horas. À espera duma palavra que significasse esperança e vida, ou a morte.
Depois de umas 12 horas, entrou o Campos Velho no quarto, olhou-me a barriga (quando a infecção se propaga, ela fica azul escura) e falou:
“- Começou a baixar”.
Foram longas horas de ansiedade que, somadas ao enfarte, aos meses de UTI e à operação que me deixou com apenas 43% do coração, talvez tenham sido a origem do que aconteceria depois.
Em 1988, de repente, reparei que demorava muito tempo para urinar. Não era natural tanta lerdeza. Procurei o Prof. Sami Arap que, após vários exames, descobriu que eu estava com pólipos na bexiga e que precisava ser operado.
Lembro que o movimento literário Távola Redonda (do qual eu fizera parte) estava celebrando 40 anos e eu havia decidido, com a ajuda do José Blanco, administrador da Fundação Calouste Gulbenkina, celebrar aquela data em São Paulo. Vieram de Portugal, entre outros, a Fernanda Botelho, o David Mourão-Ferreira, o António Manuel Couto Viana, mais o professor Jayme Ferreira Bueno, da Universidade de Curitiba, cuja tese de doutoramento havia sido sobre o Movimento da Távola Redonda. Foi um acontecimento e tanto nos meios culturais de São Paulo. Além do “Encontro” propriamente dito, o David e o António Manuel ainda deram aulas em várias Faculdades e divulgaram a poesia do Movimento.
Quanto a mim, mal tive tempo de inaugurar o “Encontro” e corri para o Hospital Sírio Libanês, onde o professor Sami Arap já estava pronto para remover os tais “pólipos”. A partir dalí comecei a fazer, a cada seis meses, uma ultra-sonografia. Ano atrás de ano.
Há palavras que são piores que os piores palavrões. Que o povo evita dizer. Que em casa não se escutam. Querem um exemplo?
- “De que morreu Fulano de Tal?”
Silêncio. Só depois é que vem a resposta:
- “De uma doença que não perdoa”.
Ou:
-“De uma doença prolongada.”
Em Portugal, a palavra é CÂNCRO. No Brasil é CÂNCER. São exemplos de palavras que soam pior que o pior palavrão.
Conheço casos que dizem bem do horror da doença, desde aquele médico de Casa Branca que, informado da doença, pura e simplesmente meteu um revólver na boca e puxou o gatilho. Outro a quem o médico mandou fazer exames de sangue, entre eles um para pesquisar indícios de câncer. Coisa de rotina médica. Cismado, foi para casa, alarmou todo mundo e acabou por morrer de câncer, sem nunca ter tido câncer.
Ao longo de minha vida, tenho sido presenteado com grandes dádivas. Por todas elas sou grato a Deus. Os meus amigos são, sem dúvida, uma das maiores dessas dádivas. Têm sido a mão permanente no meu ombro, a garantir-me que não estou só. Têm sido a força, o amparo, o estímulo, o carinho, o amor. Tudo o que um homem precisa para seguir vivendo.
Numa dessas ultra-sonografias, apareceram, novamente, problemas com a bexiga. Mais uma vez, voltei para o carinho e a amizade do Prof. Sami Arap, voltei a operar-me no Hospital Sírio Libanês. À operação, seguiu-se uma coisa chamada imunização, que consiste em jogar vacinas de BCG diretamente na bexiga, durante semanas. Era a esperança de que tudo ficaria por ali. Só que, em novo exame, apareceu um câncer no abdômen. Foi a Prof. Angelita Gama quem, no Hospital da Beneficência, se encarregaria de operar-me. Voltando ao Sami Arap (a essa altura já nos poderíamos até tratar por tu, tamanha era a intimidade) descobriram-se mais três tumores na bexiga.
Começava a estar farto. Eu, a família, os amigos... o Jacob Palma já viera quatro vezes de Portugal para me acompanhar.
Creio que foi a Prof. Angelita Gama que sugeriu que se fizesse uma ressonância magnética, para descanso de todos nós. Qual o quê! Apareceram três tumores no fígado e, dessa vez, foi o Prof. Joaquim Gama Rodrigues quem se encarregou de operar-me.
Não conto os pormenores: anemia, falência renal, perda de sangue, convalescenças difíceis. Tudo somado, daria um livro grande. Entretanto, eu não estou escrevendo este relatório para chamar a atenção para os meus sofrimentos, ou para fazer de mim o mártir que não sou. Nem sequer tenho vocação para tal.
A minha terra, o Ribatejo, província do centro de Portugal, é o único lugar no mundo onde se pratica um desporto conhecido como “pegar touros à unha”. Isso deu ao ribatejanos a fama de homens corajosos, valentes e respeitados.
Hoje, eu acho que, além da valentia, praticar tal desporto exige uma imensa dose de loucura.
Há muitos anos, estava eu na minha juventude e na inconseqüência que era a vida naquele tempo. Morava sozinho em Lisboa, onde estava estudando. Por lá havia um grupo que deslumbrava a nós todos: o Grupo de Forcados Amadores de Santarém e que era chefiado pelo Fernando Mascarenhas, o seu Cabo e o maior pegador de touros de Portugal. Ele adorava a corte e a admiração dos jovens à sua volta. Um dia perguntei-lhe:
- “Qual a melhor maneira de se pegar um touro”?
- “Do jeito que ele vier”, respondeu e virou-me as costas.
Passaram-se muitos anos. Mais de cinquenta. O Fernando Mascarenhas, que era o Marquês da Fronteira, iria morrer mais tarde, estupidamente, apostando corrida de automóveis em Madrid.
Um dia, mais de 50 anos depois, estava eu em Évora, assistindo ao casamento da Tijuca com Carlos Grave que, por curiosa coincidência, era o Cabo do mesmo Grupo de Forcados Amadores de Santarém. Fiz-lhe a mesma pergunta:
- “Ó Carlos, qual é a melhor maneira de se pegar um touro”?
- “Ó tio, é do jeito que ele vier”!
A mesma resposta que ouvira, tantos anos lá para trás.
Se eu fosse médico e um paciente um dia me perguntasse qual a melhor forma para se enfrentar um câncer, eu simplesmente também iria responder:
- “Do jeito que ele vier”!
Câncer! Câncer! Câncer!
Há que não se ter medo da palavra, nem pena de si mesmo. Há que o descobrir o mais cedo possível e não desanimar. Hoje, a ciência médica tem muitos novos meios para enfrentar o câncer, o que não havia antigamente. Se somar a esse fato a certeza de que o vai vencer, porque a fé que tem dentro de si é maior e mais forte que qualquer doença e a confiança na cura lhe dá certeza e força para continuar lutando, isso é meio caminho andado.
Não permita tristeza à sua volta. Dó, então, nem se fala. Se alguém lhe disser que tem muita pena de si, mande-o ter pena da senhora avó, que Deus lá tem.
Nada pior que o olhar, como eu vi num consultório médico, da filha chorando porque a mãe, sentada a seu lado, estava com câncer. Trate-o, estirpe-o, cure-se. O melhor modo de ajudar alguém doente é com amor e alegria. Guardem-se as lágrimas para quando se estiver sozinho, trancado no quarto.
Há alguns anos o meu amigo Luiz Pinto Coelho, pintor famoso e talvez o melhor retratista contemporâneo, telefonou-me de Madrid:
- “Sabes que há dois dias estou urinando sangue”?
Pedi que fosse imediatamente a um bom urologista. Sugeri-lhe que viesse a São Paulo, pois que, fosse o que fosse, encarado no início, iria resolver-se. Telefonou-me dias depois:
- “És um terrorista. Fui aqui a um médico que diagnosticou uma infecção urinária, receitou-me um antibiótico e o sangue sumiu. Estou bem”.
Não adiantaram os conselhos. Ele estava já bom e pronto, dizia.
Um ano se passou. Todas as semanas, normalmente, a gente se falava.
Um dia, veio com a novidade. O sangue na urina voltara. Ordenei-lhe:
- “Toma já um avião e vem para São Paulo, ou vai para os Estados Unidos. Imediatamente”.
Optou pela Clínica Mayo. Foi só lá chegar e o médico começou:
- “Que pena que não tenha vindo há um ano atrás...”
Tudo porque o Luiz não encarara o câncer “do jeito que ele viera”, dando-lhe tempo para correr e espalhar-se.
Ainda fui a Madrid umas quatro vezes para despedir-me dele. Portou-se sempre com imensa dignidade, coragem e lucidez. Pintou até o fim. Morreu há dias.
Hoje, o câncer é simplesmente uma doença como as outras. Não adianta fingir que ele não existe. Há que encará-lo de frente, como na minha terra se encara um touro. E com muita fé, muita confiança e amor dentro de si. O amor é o maior ingrediente capaz de transformar um ser humano. Capaz de fazer de um covarde, um forte. De um canalha, um nobre cheio de dignidade, e de um herege, um santo.
Olhe à sua volta e curta a natureza. Veja as árvores e as folhas caídas no outono e as flores nas árvores cheias da primavera, os ipês e os manacás. E, aconteça o que acontecer, seja grato até o fim. Grato por ter vivido. Ter olhado o que é belo. Acariciado a quem amou. Cheirado as flores e os perfumes espalhados pela vida.
Reparou que mundo maravilhoso é esta coisa simples, o existir?
Só precisa ter fé. E coragem. Até o fim.
E, claro, encarando tudo do jeito que vier.



Rodrigo Leal Rodrigues

Tuesday, July 01, 2008

Desilusão

E a porta continua aberta
a desafiar a coragem de fechá-la,
encerrando mais uma fase da vida.
É triste ver o abandono da casa:
o silêncio pesa, lembranças vagam,
sente-se no ar fantasmas a sussurrar
encanto, permanência e afeto
Paro à porta e sinto a tristeza de um adeus
jamais pronunciado, de sonhos largados,
de um sentimento por outro sobrepujado...
“Paredes brancas, topo de montanha, abrigo”,
assim havíamos idealizado nosso ninho...
“Finito”.
Como tudo na vida.
A assombrar-me a porta aberta,
o medo de a transpor,
de me expor,
ou de cerrá-la para sempre...

Cecília

Sonho e Vida

Vida é sonho
Os meus procuro ansiosamente
- questão de sobrevivência -
Na pressa os perco, os esqueço
E fica um vazio de assustar
Reajo, encontro uma possibilidade,
Nela me agarro, me distraio.
Aos poucos, os outros, vou recuperar...

Cecília

15-05-03

Grito (II)

Emoção pura
Indefinível
de expressão tão difícil
soluço, lágrimas, suspiro
Tudo
e nem assim o alívio...

Emoção forte
Resposta à morte
Vida pulsando
Transbordando
se energizando
em seus olhos
doces olhos...

Emoção
Síntese de outras
ao extremo vividas,
Agora
ultrapassando limites
se traduzindo num grito...

Cecília Quadros

Friday, May 16, 2008

Faces (como me vejo ou sou vista)

Sou fogo de palha
pau para toda obra
sou ombro amigo
-também um nome encurtado-
serei um velho calçado?
Sou espelho
quando crio,
ou escrevo...
Aprendiz de feiticeira
Poeta?
Nunca estou inteira,
onde pareço estar
e nem sei
meu coração interpretar...
Às vezes sou fogo e me apago
Ou água: deixo rolar ou represo
(tudo aparece nos versos)
E sou: o que fica
o que muda, o que "era"
o que tenho que ser,
o que de mim se espera
Não sou mais “eu”
quando me solto,
ou me podo;
quando me gosto,
ou desgosto.
Queria ser,
poder ser,
um livro aberto
mas sou mistério.
Capto e registro
Fases, faces
Inquestionáveis verdades
Mas partes...
Fica o enigma
Do meu inteiro retrato.

Cecília

Receita de amor (!)

Primeiramente há que se ter paixão
excitando os sentidos, fazendo aflorar a sensibilidade
- uma preparação – ou uma primeira fase;
E um sentimento terno, doce, desinteressado,
algo muito próximo da amizade...
Sem esquecer a simpatia, que parece menor, mas é básica;
mais empatia (linguagem própria, às vezes feita só de olhares).
Há também que se ter admiração e respeito,
e que a realidade não seja do sonho o avesso,
mas que convivam e se continuem naturalmente
quase sem perceber do outro a existência...
É também preciso que haja boa vontade,
para se saber lidar com os tropeços,
inevitáveis a testar paciência e generosidade...
Bom-humor é básico, como a coragem,
perseverança e a lealdade...
Se com tudo isso não se viver um grande amor,
é grave: joga-se a receita fora e se põe a culpa
no Imponderável, no Destino... ou na Fatalidade...

Cecília
26-3-2001

Parecia um pássaro

Parecia um pássaro, um frêmito
de folha, uma líbélula,
uma coisa evanescente
e volátil:
não era nada, um pensamento / de amor? /
que se ensaiou na sombra
e desapareceu qual rã.


Marly de Oliveira

Wednesday, May 14, 2008

Epigrama

Bom é ser árvore, vento,
sua grandeza inconsciente;
e não pensar, não temer,
ser apenas: altamente.

Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte,
com o mesmo rosto tranqüilo
diante da vida ou da morte.

Marly de Oliveira

Tuesday, May 13, 2008

O poema é fruto de uma inquietação
que no peito parece não caber
de uma vontade incontrolável de escrever
de sentimentos,
que não só o seu criador espelham
pois vêm: do âmago,
da sua essência,
condição humana,
voz da alma se tornando;
sensibilizando
com palavras instintivas,
mas com esmero distribuídas
- substituídas se preciso,
para que sejam verdadeiros
e belos os versos,
cativando,
retendo a emoção
por mais um tempo...

Cecília Quadros

Monday, May 12, 2008

Poetas, buscamos o belo com alma e arte
Pretensão do eterno
Mas um pouco de sobrevivência basta
Tempo, palavra respeitada
Chave
Quase o domina uma obra-prima
Quase
Mas nem essa eternamente nele viaja
E se desgarra

Tempo, tempo meu,
Que vivo com ardor e gravo
Que ficará de mim
- e até quando-
Um verso? Uma página?...

Cecília

Nascimento do poema

É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.

É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.

E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas.

Dora Ferreira da Silva

O poema

Um poema como um gole d'água bebido no escuro.
Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida
para sempre na floresta noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa
condição de poema.
Triste
Solitário
Único
Ferido de mortal beleza.

Mário Quintana

Saturday, May 10, 2008

“As rosas desabrocham
Sob a luz do sol
E a beleza das mulheres,
com o creme Rugol”

São versos ingênuos
perdidos no tempo.
Como negar?
São versos singelos
um tanto piegas
mas fazem chorar.
Saudade da infância,
das rádios tocando
valsas, modinhas e tango...
Era do rádio,
passeios na praça,
igreja lotada
em festas, missas, batizados;
altar principal enfeitado,
crisântemos no mês de maio...
Mãe jovem, morena, bonita,
centro de nossa família
rainha da casa, com gosto arrumada....
Saudade, quanta saudade:
do quintal, pomar, doces caseiros
de canto de pássaros o ano inteiro
do fruto na árvore apanhado
da conversa das comadres
do grupo escolar freqüentado
cães ao longe latindo,
e a gente a vida curtindo;
estrelas e lua, no terraço admiradas
(era alpendre o termo que se usava) ...
Tão simples os hábitos
e minha sensibilidade de criança
tudo guardando, armazenando
para agora virar saudade...

Cecília

para minha mãe muito amada

Espaço

Com fios invisíveis me enlaço,
meu amor amordaço,
não deixo que escape,
pois sei que me é sagrado.
Assim o vejo em essência transformado.

Não divido nada.
Mantenho o meu espaço.
Misturo nele a meu bel prazer
presente e passado.
Fantasio, brinco, escapo
e volto para este mundo murado
por meu coração comandado
cujas portas para poucos entreabro
mesmo assim por tempo limitado.

Bendito espaço
retiro da minha alma
trampolim para seus vôos,
transcendências e viagens.

Cecília

Mãe

Doce, meiga, protetora,
a mais bonita de todas.
Coração brejeiro, porte de rainha,
ídolo da minha vida de menina.
Se foi feliz, eu não sei;
talvez mais quando menina,
no seio de sua família,
cercada dos pais e irmãos.
De lá tirou a coragem,
valores e alegria
amor à música, às artes,
o gosto de ler poesia.
Amava Chopin, Castro Alves,
e Casimiro de Abreu.
Rezava sem exagero,
não impunha fé a ninguém.
Cantava com sentimento,
enquanto de todos cuidava.
Sem tristeza, sem lamentos,
enquanto a vida passava.
De muita coisa não sei:
Só sei que foi muito amada,
o centro de nossa família.
Foi luz, alegria, união.
Acima de tudo foi gente,
exemplo de mãe e de amor

Cecília
O peso deste amor me esmaga.
Às vezes, alma penada,
quero vagar por outros mundos,
outros mares, outros amores;
habitar outros ninhos, viver outras vidas,
não necessariamente mais felizes.
Coração inquieto, coração de poeta.

Cecília

O amor é triste

Sim, poeta, o amor é triste, eu também sei...
Se o vivemos com intensidade, doçura, plenamente,
entre belos sentimentos se insinuam dúvida
- difícil viver felicidade -, e temor de perda
- melhor se resguardar que tudo passa - ...

Sim, o Amor é triste...
Às vezes amamos tanto e nem sabemos,
tão ocupados estamos,
desligados de nossos próprios sentimentos:
temos amor, mas não o vivemos.

É triste o amor...
Nele cremos, por ele ansiamos,
e no entanto às vezes nos parece,
que só aos outros acontece. Será prêmio?
Temos o sonho de amar... apenas...

Coincidência no amor...
Por que tão rara?
Dá para entender a dor quando ele acaba.
E acaba... pois nada é permanente.
Então não somos mais que tristes,
cabisbaixos sobreviventes...

Cecília
Não merecemos nos intitular artistas:
ignoramos o valor daquele brilho em nosso espírito.
Não merecemos nos considerar poetas:
nossos versos têm quimeras, não entrega.
Somos tão cheios de reservas...
Somos falsos poetas.
Não buscamos plenitude, completude.
Passamos incólumes por este deserto.
Ignoramos sede e fome:
de viver - sabes o que eu quero dizer –.
E vivemos tão bem aqui, plantados no chão.
E que se dane a paixão! ...

Cecília
Um olhar atento
vê gente “sensível”,
que sofre, se angustia,
olhando o próprio umbigo
... apenas

Vê gente
que batalha, sobe na vida
para passar despercebida
... e logo ser esquecida

Um olhar atento
vê gente ansiosa, nervosa,
se perdendo em coisas pequenas
... menores

Um olhar atento
vê semelhanças e diferenças,
que fazem a cabeça da gente
... e os sentimentos

Um olhar atento
capta, derruba, transforma.
Permanece o que importa,
e o estrago é só aparente


Não há como um olhar atento,
para perceber na vida
o que é essência...

Cecília

Friday, May 09, 2008

Fura-bolo (fazendo graça)

O dedo trabalha
e o resto do corpo descansa.
Manda... manda... manda...
Trabalha, no sentido figurado,
pois discreta
não deixo que apareça.
Não aponto.
Sugiro,
descrevo o que deve ser feito
na maior sutileza.
Por que o dedo? Só na sua cabeça!
É da minha que a ordem emana,
talvez disfarçada,
se traduzindo em palavras,
quase sempre delicadas.
Tudo a ver com a personalidade,
que valoriza o jeito,
a si mesma,
acreditando ser melhor poupar as mãos
...do que a cabeça ...
E onde fica o dedo?...

Cecília
(feita por encomenda)
13-03-08

De patrão a empregado

Mais uma vez um pedido. Uma ordem? Cada vez mais sem sentido, fora do contexto, do esquema de trabalho. O que fazer? Patrão ou patroa é assim mesmo. Mas sei que assim não fui. Era sensato, respeitava meus funcionários, até estimulei a fundação de um sindicato. Na verdade fiz mais que isso: um imóvel para a sede lhes cedi.... Mas o que esperar de um ex-funcionário grato, mas limitado em matéria de “finesse” e nível cultural? Enriquece, abre, várias firmas, numa delas me emprega, já que estou na pior agora. E mais: coloca a mulher para me comandar. E ela é demais: como o marido fala com sotaque nordestino, desconhece etiqueta, não sabe distribuir os talheres à mesa, nem o lugar que lhe cabe na calçada. Além de tudo é folgada: ainda ontem me pedia para lhe fazer um chazinho; antes fora a ração para os cachorros: vinte quilos que tive que carregar; as compras na quitanda, quantos desmandos... E as missas que tive que assistir! Será que dou uma de bonzinho ou sou bonzinho mesmo? Dizem os amigos que não sei dizer não para ninguém. Até sugeriram haver uma paixão recolhida. Da parte dela, que não sou chegado a mulher com bafo. E casada, com um cabra valente, e de quem dependo! Sim, meu emprego vale ouro, é o que me sustenta. Ganho pouco, mas o que me basta: todos os meses paga a conta do supermercado, da farmácia, do padeiro. Mas ai se minha mulher desconfia que a outra se insinua e me pega pra Cristo: de nada me adiantará tanto esforço para dar uma de bom moço. Moço em termos pois muito já vivi nesta vida. Fui bem sucedido, patrão inclusive da moça que me explora agora. Coitada, será que merece tais palavras? Afinal o dinheiro que recebo em sua empresa dá para o gasto, como disse antes. Depois não vai adiantar me remoer de remorsos e freqüentar missas e padre Marcelo. Irei do mesmo jeito para o inferno e sem companhia, já que ela e a outra são vítimas. Mas será que devo incluir na lista a minha esposa? Afinal não a traio, me faço de desentendido frente aos encantos da nordestina, que tem na verdade o coração de ouro; nem desconfia que me humilha com seus excêntricos pedidos: “ Pode me acompanhar à missa, seu Francisco? ”
Ah, é demais essa situação! A quantas tenho que me submeter! Penso até que gosto dela um pouquinho. Será mesmo? Será o Benedito?
Enquanto penso se gosto ou não gosto vou tocando o barco, um tanto humilhado mas também lisonjeado. No mínimo ela me admira! Se não tenho “tutu”, tenho cultura, fineza, posso até lhe dar aulas de etiqueta.
Estranho mundo, que gira, gira, leva , trás , me apronta uma dessas, o que mais será que posso esperar?...

Cecília
08-05-08
Me dei um tempo
E saí em busca de mim
Encarei meus defeitos
Me enfrentei face a face
Acertei rumos e passo
Não sou mais barreira pra mim


Meus fantasmas transformo em palavras
Abrigo-os em versos, dou-lhes espaço
E me liberto... da inquietação que me passam

Cecília

Monday, April 28, 2008

Reencontro

Quero te ver uma vez mais,
não importa hora, dia ou lugar.
Mas que seja longe de tudo,
como se fôssemos os únicos seres no mundo.
Só nós dois: frente a frente,
olhos nos olhos,
talvez sem nos tocarmos,
ou nos tocando doce e suavemente,
sem pressa, cerrando os olhos
para sentir com mais intensidade
o calor do nosso afeto.

Não terás que mentir ou enganar.
É só se deixar amar:
meus olhos a percorrer todo o teu corpo,
a boca pronunciando apenas o teu nome amado.
De ti quero ouvir também apenas o meu nome.
Nada de futuro, nada de promessas, nada de passado.
Só quero por instantes te sentir meu homem:
esquecer o mundo inteiro que nos rodeia,
dando ao meu amor o espaço por que tanto anseia.

Cecília Quadros

Sunday, April 27, 2008

A Festa

A casa
Ontem enfeitei minha casa,
tirei os talheres de prata,
usei as melhores toalhas,
copos, taças, porta-retratos
Cuidei de cada detalhe,
da sala até o jardim.

Eu
Vesti um vestido preto,
pra combinar com os cabelos,
passei um batom carmim.
Costas nuas, salto alto,
para dar aquele toque,
e te orgulhares de mim.

O desenrolar
Desci alegre e faceira,
ri, brinquei a noite inteira,
pois tudo corria perfeito,
das canções de George Gershwin,
ao buquê de rosas vermelhas,
que comprara pensando em ti.

Sabia que tu não vinhas,
pois cumprias outro destino,
não o de estar ao meu lado.
Mas dei conta do recado,
mantive a paixão bem guardada,
ela que tudo inspirara,
da roupa à decoração;
e festejei, e brinquei, e dancei,
até cair de exaustão.

Cecília

A preguiça humana

Se você é daqueles que esperam a visita da disposição física para fazer exercícios, desista
MAL DESEMBARQUEI no aeroporto Santos Dumont, dei de cara com uma jibóia contorcida que avançava em passo de procissão. Era uma fila longa e grossa constituída por mulheres com trajes formais e homens de terno escuro, ejetados pelos aviões que aterrissavam no primeiro horário da manhã.Usuário contumaz da ponte aérea que liga São Paulo ao Rio, jamais havia me deparado com aquela aglomeração ordeira.Assim que a jibóia fez a curva, saí de lado para enxergar a origem do congestionamento. Não pude acreditar: a fila desembocava na boca da escada rolante. Ao lado dela, a escada comum, deserta como o Saara.Imaginei que houvesse alguma razão para tanta espera, quem sabe a escada mecânica estivesse obstruída; mas, como não percebi nenhum obstáculo, caminhei em direção a ela. Não fosse a companhia de um rapaz de mochila nas costas, dois degraus à minha frente, eu teria descido no desamparo.Se ainda fosse para subir a escada rolante, o esforço maior e a transpiração àquela hora da manhã talvez justificassem a falta de iniciativa. Os enfileirados, no entanto, berrando em seus celulares, em pleno vigor da atividade profissional, recusavam-se a movimentar as pernas mesmo para descer.Se perguntássemos para aquele povo se a vida sedentária faz bem à saúde, todos responderiam que não. Pessoas instruídas estão cansadas de ler a respeito dos benefícios que a atividade física traz para o corpo humano: melhora as condições cardiorrespiratórias, reduz o risco de doenças cardiovasculares, reumatismo, diabetes, hipertensão arterial, câncer, degenerações neurológicas etc.Por que, então, preferem aguardar pacientemente a descer um lance de degraus às custas das próprias pernas?Por uma razão simples: o exercício físico vai contra a natureza humana. Que outra explicação existiria para o fato de o sedentarismo ser praticamente universal entre os que conseguem ganhar a vida no conforto das cadeiras?A preguiça para movimentar o esqueleto não é privilégio de nossa espécie: nenhum animal adulto gasta energia à toa. No zoológico, leitor, você jamais encontrará uma onça dando um pique aeróbico, um gorila levantando peso, uma girafa galopando para melhorar a forma física. A escassez milenar de alimentos na natureza fez com que os animais adotassem a estratégia de reduzir o desperdício energético ao mínimo.A necessidade de poupar energia moldou o metabolismo de nossa espécie de maneira tal que toda caloria ingerida em excesso será armazenada sob a forma de gordura, defesa do organismo para enfrentar as agruras dos dias de jejuns prolongados que porventura possam ocorrer.Por causa dessas limitações biológicas, se você é daquelas pessoas que esperam a visita da disposição física para começar a fazer exercícios com regularidade, desista. Ela jamais virá. Disposição para sair da cama todos os dias, calçar o tênis e andar até o suor escorrer pelo rosto nenhum mortal tem.Encare a atividade física com disciplina militar ou esqueça-se dela. Na base do "quando der, eu faço", nunca dará.Falo por experiência própria. Sou corredor de distâncias longas há muitos anos. Às seis da manhã, chego no parque, abro a porta do carro e saio correndo. Não faço alongamento antes, como deveria, porque, se ficar parado, esticando os músculos, volto para a cama. Durante todo o percurso do primeiro quilômetro, meu cérebro é refém de um pensamento recorrente: não há o que justifique um homem passar por esse suplício.Daí em diante, as endorfinas liberadas na corrente sangüínea tornam o sofrimento mais suportável. Mas o exercício só fica bom, de fato, quando termina. Que sensação de paz e tranqüilidade! Que prazer traz a certeza de que posso passar o resto do dia sentado, sem o menor sentimento de culpa.Se eu perguntasse às pessoas daquela fila por que razão levam vidas sedentárias, todas apresentariam justificativas convincentes: excesso de trabalho, filhos que precisam ir para a escola, obrigações familiares, trânsito, falta de dinheiro, violência urbana.No passado, diante desses argumentos, eu ficava condoído e me calava. Os anos de profissão mudaram minha atitude, entretanto: escuto as explicações em silêncio, mas não me comovo com elas. O coração vira uma pedra de gelo. No final, quando meu interlocutor pergunta como poderia encontrar tempo para a atividade física regular, respondo:"Isso é problema seu."

Drauzio Varella

De olho no pódio

Os Jogos Olímpicos se aproximam e, por meio da imprensa, já temos notícias de atletas em fase final de preparação para alcançar medalhas, subir no pódio, quebrar recordes. Isso me fez lembrar de que, sempre que assisto a alguma competição esportiva, reconheço que esse é o lugar legítimo e adequado da competição.
Ao considerar nosso modo de vida atual, faço uma analogia: transformamos a vida em uma olimpíada permanente. A competição transpôs a fronteira do ramo esportivo e se instalou no nosso cotidiano.
Não é à toa que muitos esportistas ou treinadores bem-sucedidos são chamados para dar palestras em empresas. Afinal, eles são os maiores especialistas em competição, não é? Do mesmo modo, os atletas que triunfam são escolhidos para ser garotos-propaganda de muitas empresas, das quais poucas produzem artigos ligados ao ramo esportivo. "Use nosso produto e você será um vencedor!" é a mensagem.
Hoje, exigem-se um preparo técnico acurado e um treinamento contínuo, tanto na vida profissional quanto na pessoal. E não se trata apenas de conhecer e estudar seu ramo de atividade ou de se cuidar, e sim de se empenhar em estratégias que permitam, ou pelo menos prometam, sair na frente e chegar em primeiro lugar ou, pelo menos, entre os primeiros.
Competimos contra tudo e todos. Contra o tempo -e ainda acreditamos ser possível ganhar dele. Contra nossa constituição física, contra nossos pares, contra nossa vida coletiva, contra qualquer outro que se coloque à nossa frente em qualquer situação. Iniciamos nossos filhos precocemente nessa competição acirrada e acreditamos que tal iniciativa é absolutamente necessária para a sua sobrevivência no futuro. Não valorizamos mais a aprendizagem do jogo que é a vida desde a largada, e sim seu resultado, que só pode ser um: ganhar.
As escolas se apropriaram desse anseio dos pais e incrementam ainda mais a concorrência entre seus alunos. Os anunciados rankings de escolas baseados nos mais diferentes exames, os primeiros lugares conquistados nos vestibulares e as avaliações dos alunos, sempre comparativas, são exemplos dessa apropriação da competição pelo espaço escolar.
O sucesso, hoje, é definido principalmente pela competição, o que faz com que o processo de identificação com o outro ocorra de modo negativo. Ser melhor do que o outro, ganhar do outro ou então se resignar a ser inferior a ele. Desse modo, fica mais fácil entender o motivo de o outro ser quase sempre percebido como ameaça.
É preciso saber que essa olimpíada permanente tem seu preço. Sabemos o custo que os atletas pagam na busca da superação: contusões sérias, cirurgias precoces, interrupção da vida profissional muito cedo. Isso sem falar das conseqüências emocionais e sociais quando eles enfrentam a derrota ou saem do pódio. Arcamos com conseqüências análogas em nossas vidas quando transformadas nessa competição sem trégua: tédio, depressão, estresse, agressividade descontrolada, pânico etc.

Rosely Sayão

Monday, March 31, 2008

Reminiscências e coisas mais

Cobriu de cinzas minh’alma quando parti.
Na bagagem sabor de jabuticabas,
o mistério dos porões escuros,
chiado dos carros de boi na modorra do dia
domingos chuvosos
lamento de flauta pela vidraça molhada.
Um sonoro badalar. De onde é o sino ?
É o das Dores, é o de Santo Antônio?
Sons de matraca no silêncio das ruas.
Casas abandonadas - morada da Mãe do Ouro
visão fantasmagórica nas noites de prata.
O canto do pássaro no galho
doces manhãs de neblina,cheiro de infância.

O trem engole a serra.Último silvo
ponto final de uma meninice dourada.
O tempo derrama a saudade
e molha o peito com água dos olhos.

Anna Ayres

Friday, March 28, 2008

Corpos idosos e eróticos

Não é mais ridículo, aos 60 ou mais, querer uma companhia de vida, um amor ou só uma transa
SE ME lembro direito, 20 anos atrás era freqüente participar de conversas animadas em que se discutia a questão seguinte: devemos ou não deixar nossos filhos e nossas filhas adolescentes dormir em casa com suas namoradas ou seus namorados? Aparentemente, o partido do sim ganhou. Em geral, a razão que ele invocava (e ainda invoca) era a segurança: é melhor que minha filha esteja no seu quarto com o namorado do que em baladas perigosas ou, pior ainda, "brincando" no carro numa rua deserta. Também contava o fato, comprovado, de que um namoro é quase sempre uma experiência mais rica e mais "madura" do que a agitação das turminhas. Naquelas conversas dos anos 80, eu ficava em cima do muro e torcia, de leve, pelo partido do não. Achava problemático que os adolescentes tivessem uma espécie de vida conjugal sem ter conquistado sua autonomia: para juntar-se com um parceiro ou uma parceira (a ponto de dormir na mesma cama com ele ou com ela a cada noite ou quase) seria melhor, primeiro, não precisar mais se definir como filho ou filha. Continuo pensando que eu tinha um pouco de razão: prova disso, os inúmeros casamentos em que um dos membros do casal se queixa de que o outro continua sendo mais filho ou filha do que marido ou mulher. Mais um detalhe. Freqüentemente, a conjugalidade precoce e protegida de dois adolescentes na casa dos pais é uma caricatura da conjugalidade adulta menos interessante: consiste mais em assistir, na cama, a filmes alugados do que em sair juntos pelo mundo ou mesmo em praticar a arte difícil de se descobrir mutuamente. Seja como for, o partido do sim ganhou sobretudo por uma razão que não se confunde com as justificações habitualmente propostas. Acontece que, nas últimas décadas, pela freqüência dos divórcios, a metade dos jovens viveram sua adolescência em companhia de apenas um de seus pais. E muitos desse jovens foram espectadores assíduos (e, às vezes, até confidentes) do folhetim das aventuras e dos namoros de sua mãe ou de seu pai. E, claro, com que moral o pai ou a mãe divorciados proibiriam o filho ou a filha de levar seus amores para casa se eles mesmos não fazem diferente? Essa grande mudança na vida familiar teve dois efeitos significativos e, a bem dizer, positivos. O primeiro é que os adultos começaram a levar mais a sério a vida amorosa de seus filhos adolescentes: as brincadeiras condescendentes (o detestável "e aí, tem namorado?") acabaram ou quase. O segundo efeito aparece agora, 20 anos depois: à força de conviver com os namoros, os namoricos e as decepções, em suma, com as alegrias e as tristezas das paixões de seus pais divorciados, os adolescentes abandonaram a idéia (freqüente em minha geração) de que a vida amorosa e sexual dos adultos seria uma mesmice comportada -que, aliás, no caso dos pais, teria acabado de vez depois da troca mínima que foi necessária para que eles, os filhos, fossem concebidos. Os adolescentes que tiveram essa experiência são agora jovens adultos, e seus pais são idosos. Apesar da valorização cultural do corpo jovem e sarado como se fosse o único desejável e capaz de desejar, é lógico que esses jovens adultos estejam dispostos a reconhecer que a terceira idade não corresponde a nenhuma aposentadoria do amor e do sexo, ou melhor ainda, que ela não corresponde a nenhuma "maturidade" das paixões: os "idosos" amam e desejam com o mesmo transporte e a mesma ingenuidade dos adolescentes (e, claro, dos ditos adultos). De repente, hoje, não é ridículo ter 60 anos ou mais e propor um perfil num site de encontros amorosos na internet; não é ridículo, aos 60 ou mais, querer uma companhia para o resto da vida, um amor ou mesmo apenas uma transa. O bonito filme de Laís Bodanzky, "Chega de Saudade", que estreou na semana passada, nos leva para um baile. Há muitos assim, pelo país afora, em que homens e mulheres da terceira idade se procuram e dançam a cada semana. Estamos aprendendo, aos poucos: a grandeza (e a mesquinhez) do amor e do desejo não têm estação. Mas não é apenas por isso que o filme é tocante: é porque no baile, na pista de dança, o enlace do parceiro ou da parceira revela que estes corpos, que talvez tenham chegado mancando, endurecidos pela idade e de pés inchados, são corpos bonitos, eróticos, vivos.

Contardo Calligaris

Thursday, March 20, 2008

O moralizador

CONTARDO CALLIGARIS
Moralizador é quem impõe ferozmente aos outros os padrões que ele não consegue respeitar
ELIOT SPITZER era governador do Estado de Nova York até sua resignação na semana passada.Sua fortuna política e sua popularidade eram ligadas à sua atuação prévia como procurador agressivo e inflexível contra os crimes financeiros e contra as redes de prostituição e seus clientes. Ora, descobriu-se que ele era freguês de uma rede de prostituição de luxo e que também recorria a artimanhas financeiras para que seus pagamentos -substanciais: US$ 80 mil (R$ 140 mil)- não fossem identificados. Esse fato de crônica (no fundo, trivial) foi para a primeira página dos jornais do mundo inteiro -aparentemente, pela surpresa que causou: quem podia imaginar tamanha hipocrisia? Esse "espanto" geral foi, para mim, a verdadeira notícia da semana. Começou no dia em que Spitzer deu sua primeira declaração pública, reconhecendo os fatos e a culpa, ao lado de sua mulher, impávida. No programa "360", da CNN, o âncora, Anderson Cooper, convocou dois comentaristas. Um deles, uma mulher, psicóloga ou psiquiatra, ofereceu imediatamente uma explicação correta e óbvia. Ela disse, mais ou menos: é muito freqüente que um moralizador raivoso castigue nos outros tendências e impulsos que são os seus e que ele não consegue dominar. Cooper (que já passeou pelos piores cenários de guerra e catástrofes naturais) quase levou um susto e cortou rapidamente, acrescentando que essas eram, "claramente", suposições, hipóteses etc. Não é curioso? Em regra, prefiro as idéias que são propostas, justamente, como hipóteses ou sugestões que cada um pode testar no seu foro íntimo. Mas, hoje, considerar a dita declaração da especialista como uma suposição parece ser uma hipocrisia pior (e mais perigosa) do que a de Spitzer. Afinal, depois de um bom século de psicologia e psiquiatria dinâmicas, estamos certos disto: o moralizador e o homem moral são figuras diferentes, se não opostas. 1) O homem moral se impõe padrões de conduta e tenta respeitá-los; 2) O moralizador quer impor ferozmente aos outros os padrões que ele não consegue respeitar. Na mesma primeira declaração, Spitzer confessou, contrito, que ele não conseguira observar seus próprios padrões morais. Tudo bem: qualquer homem moral poderia confessar o mesmo. Mas ele acrescentou imediatamente que, a bem da verdade, esses eram os padrões morais de quem quer que seja. Aqui está o problema: o padrão moral que ele se impõe, mas não consegue respeitar, é considerado por ele como um padrão que deveria valer para todos. Com que finalidade? Simples: uma vez estabelecido seu padrão como universal, ele pode, como promotor ou governador, impô-lo aos outros, ou seja, ele pode compensar suas próprias falhas com o rigor de suas exigências para com os outros. Quem coloca ruidosamente a caça aos marajás no centro de sua vida está lidando (mal) com sua própria vontade de colocar a mão no pote de marmelada. Quem esbraveja raivosamente contra "veados" e travestis está lidando (mal) com suas fantasias homossexuais. Quem quer apedrejar adúlteros e adúlteras está lidando (mal) com seu desejo de pular a cerca ou (pior) com seu sadismo em relação a seu parceiro ou sua parceira. O exemplo da adúltera, aliás, serve para lembrar que a psicologia dinâmica, no caso, confirma um legado da mensagem cristã: o apedrejador sempre quer apedrejar sua própria tentação ou sua culpa. A distinção entre homem moral e moralizador tem alguns corolários relevantes. Primeiro, o moralizador é um homem moral falido: se soubesse respeitar o padrão moral que ele se impõe, ele não precisaria punir suas imperfeições nos outros. Segundo, é possível e compreensível que um homem moral tenha um espírito missionário: ele pode agir para levar os outros a adotar um padrão parecido com o seu. Mas a imposição forçada de um padrão moral não é nunca o ato de um homem moral, é sempre o ato de um moralizador. Em geral, as sociedades em que as normas morais ganham força de lei (os Estados confessionais, por exemplo) não são regradas por uma moral comum, nem pelas aspirações de poucos e escolhidos homens exemplares, mas por moralizadores que tentam remir suas próprias falhas morais pela brutalidade do controle que eles exercem sobre os outros. A pior barbárie é isto: um mundo em que todos pagam pelos pecados de hipócritas que não se agüentam.

Friday, March 14, 2008

Não fomos amantes
Não nos perdemos em beijos e abraços apaixonados.
Não nos sentimos fragmentados se distantes.

Não fomos amigos
Faltou cumplicidade, apoio, carinho,
quando pedras interceptaram nosso caminho.

Não fomos companheiros
Não desfrutamos juntos de uma hora inteira.

O que fomos senão necessária fantasia,
matéria para a criação de um quadro
ou de uma poesia?

Alma sem rosto, que a memória apaga,
tão rápida a passagem, vazia de significado.
Só uma valsa em sonho juntos dançada.

Cecília Quadros

Soneto XXIII

Ao abrires a porta para a rua
Deixa o mar em teu quarto simplesmente,
E pede que teu carro ou a falua
Trafeguem pela vida sem repente.
No elevador procures disfarçar
Se anêmonas flutuarem na camisa,
E se houver simples gesto a marulhar
Essas lembranças que respira a brisa.
Ao abrires a porta é bom fechares
Os segredos em cofre de coral,
Não banhes em rotina os teus mares,
Esses domínios de amplidão e sal.

Se voltares da rua, pouco importa,
Despede teus naufrágios junto à porta.

Paulo Bomfim

Monday, March 10, 2008

Seres complementares
Deles está cheia a minha vida.
Alguns vivem na sombra,
Outros em sonho,
pouco ou nada
tendo a ver com a realidade.
Mas esta sustentam
com mãos invisíveis
amigas
tornado-a mais suportável...

03-11-04

Sunday, March 02, 2008

Minha Terra

Em minha terra me sinto tão acolhida e integrada,
que às vezes me faltam olhos críticos
ou de justo encantamento
- a ela não pareço estar suficientemente atenta .
Se viajo, outras seguram o meu olhar curioso,
predisposto a delas gostar
- há quase sempre a intenção de voltar.
Mas é à minha terra que sempre retorno,
bendizendo o meu lugar no mundo,
aquele que reconheço como pátria
e me reconhece como filha.

Terra minha,
não apenas um espaço físico,
mas um conjunto de sentimentos,
modos de ser, posturas,
que definem sua alma,
nossa alma brasileira...

Cecília
28-02-08

Monday, February 11, 2008

Fetiche

Ah, tuas mãos...
Mãos de homem
Mãos de menino
Mãos morenas e finas
Mãos de príncipe
Tão bonitas!
Mãos que outras acariciam
Mas nunca irão me tocar
( diversos são os caminhos
não no que tange`a emoção)
Mãos com marcas da vida,
- pequenas imperfeições,
que ainda mais me cativam...
Mãos que aliso e admiro
Reflexo de alma sensível
Tuas mãos... meu fetiche...

Cecília

08-02-08

Encontro com o mar

Eu e o mar
O mar e eu
E mais uma infinidade de gente
Mas quando o frio passa
E se estabelece entre nós intimidade
Particular parece o encontro,
Puro encantamento:
De um lado gosto de sal na boca,
Olhos no azul a mergulhar
Do outro, ondas a abraçar
Usufruo o enlevo,
Depois à praia penso voltar.
Mas, seduzida, prolongo o encontro
O meu encontro com o mar
Suspiro
Me solto
Sinto a sua energia,
Agradeço o momento vivido
E então sim
Estou pronta para o mar deixar...

Cecília

05-02-08

Thursday, January 17, 2008

Despedida

Dizer adeus ao mistério daquela porta cerrada
à luz fosca desse dia abandonado.
Que severa parecias, longínqua e inviolada
flor desse inverno findando.
Recolhi-me entre os crisântemos
que te vestiam tristonhos:
tanto abandono querida uma parede dura
impermeável ao pranto à ternura
levados para te dar. Ao meu sim de desalento
nenhuma resposta ou lamento,
nada. Teu segredo, só ele persistia.
Fiquei noturna, olhando teu esquivo dia.

Dora Ferreira da Silva

Ser Juntos

Se estou só estou contigo
comigo estás e nunca a sós
assim não padecemos nós
por sermos juntos e ao mesmo tempo.
Espelha o amor longinquamente
a imagem terna e breve
mas nunca é antigamente
nossa hora dourada e leve.
Perdemos os nomes - não bastavam
para o colóquio que somos
incessantemente.
Inventamos outros nomes que também
não bastam - e os esquecemos.
Falas em mim e eu em ti
já não sabemos quem somos
imersos no mesmo sono.
Sutil, sonhas em surdina
ou entro no teu sono, retina
aberta para o que de mim
sonhas. Assim nos encontramos
e nunca nos perdemos.

Dora Ferreira da Silva
"Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamoví­vel, e te respiro inteiro."

Hilda Hilst




Thursday, January 10, 2008

Desejo

Queria ser mais bonita, sensual e jovem
para despertar em ti um desejo genuíno, forte,
independente de subterfúgios, imagens eróticas,
que te levassem a perpetrar comigo do amor o ato.
Eu também não seria por elas motivada:
só por ti seria seduzida, tendo no final meu desejo apaziguado.
Assim, no dia seguinte, me veria mais bonita,
mais mulher, plena, iluminada,
desejando por ti ser mais uma vez tomada,
acreditando que teu desejo em mim nascesse e se saciasse
e só comigo o êxtase e a plenitude alcançasses...

Cecília
09-01-08